Uma mistura que combina eficiência de mercado, perfil de consumo e preservação ambiental tem acelerado nos últimos anos uma mudança na pecuária gaúcha. Os números do segmento mostram que o Rio Grande do Sul está abatendo novilhos cada vez mais jovens. A prática resulta em maior giro para os pecuaristas e também em mais sabor aos apreciadores da proteína bovina.
Os dados aparecem na Radiografia da Agropecuária Gaúcha, lançada anualmente pelo Estado, e também nas cartas conjunturais do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que acompanha o desenvolvimento da bovinocultura do Estado no detalhe.
A redução na idade dos abates tem se intensificado a cada ano e, segundo especialistas do setor, mostra uma tendência para a produção de carne. Com os investimentos em genética e em nutrição mais presentes nas propriedades, o manejo trabalhado permite acelerar o desenvolvimento dos animais aos melhores índices de excelência e acabamento da carne.
A faixa de abate que mais cresce é a de animais entre 13 e 24 meses (até dois anos). Enquanto isso, reduzem-se os abates de animais com mais de 36 meses (três anos) de idade, considerados mais velhos para os padrões de qualidade de carne.
Em 2022, 42,3% do total de animais abatidos tinham mais de 36 meses — percentual que era 50,2% em 2020 e 55,7% em 2017. Em trajetória oposta, o percentual de animais abatidos entre 13 e 24 meses vem progredindo. Passou de 18,2% em 2017 para 25,4% em 2020 e para 35,2% em 2022.
Em 2023, nos dados obtidos até 18 de setembro, a parcela dos novilhos mais jovens abatidos responde por 26,8% do total, contra 41,8% de abates de animais considerados mais velhos.
Genética e manejo de primeira
A qualidade da carne começa pelo rebanho. Por isso, criar animais bem-acabados, que se desenvolvem precocemente e atingem níveis satisfatórios da chamada conformidade de carne e de gordura é o principal foco de trabalho dos pecuaristas que miram os abates adiantados.
Tais qualidades se conquistam com genética adequada. Além do selo racial dos rebanhos, umas das técnicas buscadas é o acasalamento dirigido, que cruza exemplares com características propícias de precocidade. Mas, também, com nutrição completa. A possibilidade de alimentação vasta, ofertada principalmente com o avanço da integração lavoura-pecuária, permite aumentar a nutrição dos animais expressivamente.
No Rio Grande do Sul, a maior parte do gado é criada a pasto, sistema que naturalmente confere qualidade distinta de carne. São características diferentes da carne oriunda da criação por confinamento, por exemplo, em que o animal é alimentado com ração.
A redução da idade é uma estratégia para melhorar a eficiência econômica das propriedades. Quanto antes o produtor conseguir vender o animal com o mesmo peso de antes, mais giro ele tem no campo. E com a redução no ciclo, mais os produtores produzem em menos tempo.
— O nosso pecuarista está mais eficiente. Ele consegue tirar animais mais jovens com o mesmo peso de carcaça que animais mais velhos, como era antigamente. Isso garante maior escalabilidade do negócio. Mostra que estamos mais eficientes na atividade e que estamos entregando um produto de melhor qualidade ao consumidor — diz o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Luis Felipe Barros.
Quem ganha, garante o diretor do Nespro, Júlio Barcellos, é o pecuarista e o consumidor.
— Para o bovino ir para o abate é como uma fruta, e essa fruta precisa estar madura. Tem que ter um peso mínimo para render carne e precisa ter quantidade de gordura. Isso se alcança com genética, com animais que amadurecem mais rápido, boa alimentação, bom manejo e saúde.
Consumidor exigente
Um dos principais motivos para a maior rapidez dos abates vem do consumo. O mercado cada vez mais exige carnes saborosas e macias, e o principal fator que influencia na maciez dos cortes é a idade dos rebanhos.
O abate de animais mais jovens ocorre, justamente, por conta das exigências do consumidor em busca de uma carne mais macia, mais saborosa, obtida com animais jovens. E também pela maior eficiência no campo.
LUIS FELIPE BARROS
Presidente do Instituto Desenvolve Pecuária
Abater animais mais jovens, portanto, vem da oportunidade de buscar nichos de mercado que buscam por carne “premium”.
— O abate de animais mais jovens ocorre, justamente, por conta das exigências do consumidor em busca de uma carne mais macia, mais saborosa, obtida com animais jovens. E também pela maior eficiência no campo — acrescenta Barros, do Desenvolve Pecuária.
No entanto, ainda há espaço de mercado para crescer:
— Com certeza, o consumidor valoriza a carne gaúcha, embora tenhamos uma enxurrada de carnes de fora, especialmente do Centro-Oeste, a preços aviltantes no mercado do Rio Grande do Sul. Hoje, 55% da carne consumida na gôndola do varejo é de fora do RS. É um impacto gigante, um prejuízo na nossa pecuária — alerta o dirigente.
Produto valorizado
Acompanhando o gosto do freguês, os frigoríficos têm dado preferência aos novilhos mais jovens. As plantas industriais têm como prática pagar bonificações por animais selecionados. Quanto mais jovem o animal, portanto, maior o valor pago ao produtor.
Os animais são comercializados por peso. O quilo de um animal melhorado de carcaça costuma valer, no mínimo, entre R$ 1 e R$ 1,50 a mais do que um animal de características inferiores. Considerando um exemplar que é a abatido com 500 quilos, por exemplo, a diferença é bastante significativa.
Nas associações de raça, os certificados de procedência ganham mais espaço, incentivando o produtor a apostar no melhoramento dos rebanhos. Além de garantia de retorno financeiro, os selos de carne certificada estampados nas embalagens dão status de qualidade e abrem novos mercados.
Segundo o Nespro, também há o olhar para a exportação, com o atendimento às regras de mercado da China, que exige animais com menos de 36 meses. O país asiático é o maior importador de carne do mundo, sobretudo pelas suas limitações geográficas que impedem a produção própria.
Alinhamento ambiental
Debate no agronegócio do mundo todo, a questão ambiental também está relacionada à prática que prioriza a precocidade. A redução da idade de abate possibilita reduzir as emissões de metano, já que o animal fica menos tempo no campo. Além disso, o crescimento dos sistemas de integração lavoura-pecuária também age como fomentador das práticas sustentáveis no campo.
Na visão do diretor do Nespro, apesar da relevância, a pauta ainda não é principal direcionadora dos abates precoces. Mas tem ganhado mais espaço.
Os especialistas citam estudos que comprovam que a pecuária no Rio Grande do Sul, por promover alimentação dos animais a pasto, mais captura do que emite gases de efeito estufa. É um grande diferencial produtivo e que deveria mais bem divulgado, defende o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no RS (Sicadergs), Ladislau Böes. Não só pelo valor de produto que agrega, mas por mostrar que a pecuária gaúcha está mais alinhada às práticas sustentáveis que outros mercados:
— Há estudos que comprovam que no RS os animais mais capturam do que emitem gases. Temos vendido isso muito pouco para o mercado. Em outros Estados e centros produtores, essa dificuldade é muito maior porque é utilizado outro método de pecuária, com a criação de confinamento — comenta Böes.
Experiência de quem faz
Criador de gado há mais de 30 anos em Alegrete, região tradicional da produção de carne gaúcha, o pecuarista Flávio Alves viu a evolução da lida diante dos olhos. Na cabanha Santo Antão, onde mantém cerca de 400 cabeças de angus e brangus, o trabalho começou ainda “no modo tradicional”. Nos últimos anos, a estratégia tem sido cada vez mais aperfeiçoar os abates precoces.
Resultado de boa genética e manejo, entrega.
— Sou de uma época em que a gente vendia e abatia animais com três, quatro anos. Mas todos sentiram necessidade de dar velocidade maior a esse ciclo. Porque quanto mais tempo o animal fica na propriedade, mais custos ele vai dar ao criador. E temos como, dependendo do manejo que se utiliza, atingir o mesmo peso que o animal terá com 36 meses aos 24 meses. Com isso, reduzimos não só a idade do abate, mas também a idade de a fêmea entrar em reprodução — diz Alves.
O produtor diz que o trabalho das associações de raça é fundamental ao levar informação aos produtores. Mas que a inovação não deve ficar restrita a determinadas “grifes” raciais.
— Volto a dar o atestado de velhice da minha época (risos). Existe um trabalho muito bom sendo feito para que pessoas mais conservadoras venham a aderir às inovações. São pessoas que não fazem a velha conta do custo-benefício. Comecei no esquema antigo, mas sempre tive vontade de evoluir. E a gente vai evoluindo em termos de genética, de nutrição, de manejo. O resultado é o que está acontecendo agora: animais cada vez mais jovens, cada vez mais precoces. E é o que o mercado quer também — diz Alves.