O caso do motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40 anos, detido após ser agredido no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, dominou a primeira reunião do ano da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, na manhã desta quarta-feira (21). Everton esteve no encontro e foi o primeiro a falar, descrevendo o que aconteceu antes da chegada dos policiais.
— Eu estava de cabeça baixa e o senhor que reside ali apareceu do nada e deu com uma arma branca no meu pescoço. Se eu não me retorcesse para o lado, ia ser grave e eu não estaria aqui hoje para conversar com vocês — disse o motoboy, referindo-se a Sérgio Camargo Kupstaitis, 71 anos, que o teria agredido com um canivete.
Em sua fala, Everton não comentou a abordagem dos policiais militares que atenderam a ocorrência. A suposta diferença, por parte dos PMs, no tratamento dispensado aos envolvidos motivou protestos e críticas nas redes sociais, e eles vão atuar no setor administrativo da Brigada Militar até o fim das investigações internas.
Na avaliação da secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, convidada da sessão, as imagens que registraram o episódio demonstram que a abordagem dos PMS foi racista. Everton, que é negro, foi preso e colocado na parte traseira de um camburão mesmo denunciando a agressão que havia sofrido, enquanto Sérgio, que é branco, pôde subir até o seu apartamento, colocar uma camisa e deixar o canivete usado na agressão. Só depois foi detido e levado à delagacia no banco no interior de uma viatura.
— O que nós vimos nas imagens que chegaram a público foi uma uma situação que é recorrente na história e nas vidas das pessoas negras, nós vimos ali uma prática que é o racismo, de desumanizar, de inverter as lógicas — disse a secretária, que falou em nome da ministra Anielle Franco.
No domingo (18), o governo federal já havia anunciado que iria acompanhar a investigação do caso.
Durante a discussão na Assembleia, o termo "racismo institucional" foi um dos mais mencionados para descrever a ação. A deputada estadual Luciana Genro acrescentou que esse não é um problema das policias, mas da sociedade.
— Nós precisamos compreender que o racismo não é uma ação deliberada de discriminar alguém pela cor da pele. O racismo é uma ação que nós brancos, em geral, performamos que discrimina sem que nós sequer nos demos conta disso na maior parte das vezes. É claro que existem os racistas empedernidos, que têm orgulho em dizer que são racistas — disse Luciana, que defendeu punição aos policiais, mas também educação antirracista para as policias e nas escolas.
Durante a reunião, a instalação de câmeras corporais nos policiais militares e civis também foi defendida pelos presentes. Nesta semana, o governo do Estado prometeu que os equipamentos devem estar instalados em até seis meses, caso sejam aprovados nos testes e não haja contestações judiciais.
Entenda o caso
A investigação foi aberta após a divulgação de diversas fotos e vídeos que mostram o motoboy negro sendo algemado e conduzido pela Brigada Militar após ter sido vítima de uma facada desferida por um homem branco, no sábado (17), no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. O motoboy e testemunhas alegam que os policiais trataram a vítima como criminosa — enquanto o suposto agressor seguia livre e era tratado com cordialidade pelos brigadianos.
Ambos foram conduzidos à delegacia de polícia e devem ser indiciados por lesão corporal, conforme anunciou a Polícia Civil.
A Brigada Militar também abriu sindicância para apurar a conduta dos policiais que atuaram na ocorrência. Dois foram afastados das funções e estão em atividades administrativas. Em depoimento na Polícia Civil, eles negaram que a abordagem foi racista e alegaram que o motoboy foi preso pela conduta agressiva.
Contrapontos
A reportagem tenta localizar Sérgio Camargo Kupstaitis, para contraponto, sem sucesso até a publicação dessa reportagem.
A defesa do motoboy Everton Henrique Goandete da Silva se manifestou por meio de nota:
"A defesa do motoboy Everton Goandete, patrocinada pelo criminalista Ramiro Goulart, manifesta consternação pela declaração da defesa dos policiais militares. E questiona como um cidadão deveria reagir após levar uma facada no pescoço. 'O que a defesa dos representantes da Brigada Militar chama de agressividade foi a reação de um homem que estava trabalhando e quase perdeu a vida por um motivo torpe', explica.
Em relação à arma branca usada para atacar o motoboy, o criminalista responsável ressalta que os protocolos utilizados pelos agentes públicos permitiram que o agressor se livrasse da arma que deveria ter sido apreendida e periciada.
O advogado também afirma que 'não permitiremos que o óbvio seja negado pelas Instituições e nem pelo Estado do Rio Grande do Sul. Houve uma tentativa de homicídio contra um homem negro e isso não será reduzido a uma briga de vizinhos. Assim como houve uma abordagem truculenta, abusiva e racista por parte da Brigada Militar quando foi chamada para atender a ocorrência', enfatiza.
Por fim, o defensor salienta que as imagens dos prédios e estabelecimentos comerciais que estão com a Polícia Civil podem esclarecer os fatos com honestidade à população brasileira que acompanha apreensiva o desdobramento desse caso".