O Rio Grande do Sul teve neste setembro o menor indicador de roubo de veículos na comparação com o mesmo mês em anos anteriores. Foram 276 casos, o que corresponde a nove roubos por dia no Estado. Há dez anos, em setembro de 2014, eram 41 crimes diários - 1.241 no mês. Os dados têm sido catalogados em relatórios de acesso público pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) desde 2002, quando foram registradas 724 ocorrências.
O movimento (veja infográfico abaixo) ao longo dos anos mostra uma elevação que atinge seu pico em 2015 e que, posteriormente, entra em trajetória descendente. Isso acontece a partir de 2016, momento em que a sociedade gaúcha foi impactada por um crime de grande comoção e repercussão.
— Os anos de 2015 e 2016 tiveram um grande pico. Foi um período que ficou marcado por uma elevação da violência e pelo latrocínio de uma mãe, que foi morta dentro do seu carro, na porta da escola, enquanto aguardava seu filho — lembra a delegada Caroline Jacobs, da Delegacia de Polícia de Repressão ao Roubo de Veículos (DRV), braço especializado do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
O caso ao qual a delegada se reporta é o assalto que ocasionou a morte da representante comercial Cristine Fonseca Fagundes, com 44 anos à época. O latrocínio ocorreu no final da tarde de 25 de agosto de 2016, em frente ao Colégio Dom Bosco, no bairro Higienópolis, em Porto Alegre, e representou uma guinada na doutrina de segurança pública no Estado, provocando a demissão do titular da SSP, o delegado federal Wantuir Jacini, e a admissão do secretário Cezar Schirmer ao posto.
— O Rio Grande do Sul vivia um momento extremamente grave. Os fatos de 2016 foram o ápice do avanço da criminalidade sobre a sociedade gaúcha. Era necessária uma mudança na postura de segurança pública no Estado — define Schirmer, que atualmente atua como secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos da Prefeitura de Porto Alegre.
Schirmer lembra que entrou em cena o conceito de crime organizado, o que propiciou a transferência, à época, de 27 líderes de facções para presídios federais, e inspirou a criação de leis, como a que instituiu o Fundo Especial de Segurança Pública, o qual abastece com recursos a área essencial do serviço público.
Conceito de crime organizado consolidado
Para a delegada da DRV, o sentimento de insegurança disseminado entre a sociedade e o incremento dos recursos representaram um impulso para as forças policiais estabelecerem o conceito de crime organizado no Rio Grande do Sul, determinando uma nova perspectiva ao enfrentamento da criminalidade.
Caroline Jacobs afirma que está consolidado o entendimento de que grande parte dos delitos são praticados sob a coordenação de lideranças alçadas ao poder nas organizações criminosas.
— O roubo de veículos, assim como o tráfico de drogas, é praticado permanentemente pelos soldados do crime. Não há exatamente um comando para que sejam praticados, mas uma ideia semelhante a uma cadeia de produção. Quando a polícia prende um destes integrantes, ele é substituído e o sistema volta a operar — descreve.
A delegada pontua que a polícia passou a intensificar ações e operações para sufocar a capacidade do crime de reproduzir seus soldados. Desta meta efetivou-se a integração entre as forças de segurança, que culmina atualmente com a compatibilização de batalhões de Polícia Militar com determinadas delegacias distritais de Polícia Civil, possibilitando a real troca de informações aplicadas em prevenção e repressão ao crime.
— Crimes coordenados por facções são todos interligados. Por isso atuamos com o que chamamos de inteligência policial, para mapear a ação de criminosos, identificar agentes e suas funções, reconhecer territórios, detalhar modo de operação, antecipar movimentos e realizar as operações para atingir as organizações.
Aplicação de novas tecnologias e estratégias
Além da intensificação da ofensiva contra o crime organizado, as forças de segurança pública também passaram a utilizar tecnologias que eram vistas com desconfiança e tratadas como objetos de ficção científica.
Uma delas é o cercamento eletrônico, que atualmente é capaz de ler placas e identificar veículos em situação de furto ou roubo, e, mais recentemente, efetuar o reconhecimento facial de indivíduos implicados em atos ilícitos.
— Se o criminoso passar pela área de cobertura do cercamento, vai ser pego. Este é o atual patamar da segurança pública e seu aprimoramento é o futuro da investigação policial — analisa a delegada Caroline.
Olho vivo em receptadores e desmanches
Em outra frente, as autoridades passaram a sofisticar as apurações para minar os receptadores de carros roubados, atacando desmanches que se ocultavam sob a face de ferros-velhos.
Empresas de revenda de peças usadas foram cadastradas e, aquelas que se mantiveram sem autorização do poder público para funcionar, passaram a ser alvos de operações policiais com fechamento e responsabilização de empresários.
— Aqui no Estado nós avançamos também na marcação da numeração nas peças e partes dos veículos, o que dificulta muito o repasse clandestino, desestimulando o delito — explica a delegada da DRV.
Por nota enviada à Redação, a Brigada Militar informou que suas ações ostensivas foram sendo intensificadas, para coibir este tipo de delito e atingir tal redução. "Assim como são realizadas ações integradas de inteligência no intuito de prender os delinquentes que atuam em quadrilhas de roubos de veículos", destaca o texto assinado pelo subcomandante-geral, coronel Douglas da Rosa Soares.