A morte da representante comercial Cristine Fonseca Fagundes em um assalto enquanto esperava a saída do filho da escola, um ano atrás, foi a gota d'água para chacoalhar o comando da segurança pública do Estado. Veio a Força Nacional de Segurança, brigadianos foram deslocados do Interior e líderes de facções, removidos. Passados 12 meses, os crimes em Porto Alegre estão em redução e a Capital virou a vitrine de resposta à explosão da violência.
"Aqui descansa em paz mais uma vítima da violência urbana causada pela incompetência e impunidade de governantes e juízes deste país".
O desabafo, quase um grito de protesto, ficou gravado na lápide do Cemitério Jardim da Paz, na zona leste de Porto Alegre. Foi o que restou à família despedaçada pela perda de Cristine Fonseca Fagundes, 44 anos, assassinada com um tiro na cabeça durante assalto enquanto esperava no carro pela saída do filho, de 12 anos, no final da tarde de 25 de agosto de 2016, em frente ao Colégio Dom Bosco, no bairro Higienópolis, em Porto Alegre.
De lá para cá, pelo menos outras 25 pessoas tiveram o mesmo fim trágico em casos de latrocínio (roubo com morte) na Capital. Significa que a cada duas semanas, nos últimos 12 meses, uma pessoa perdeu a vida durante um roubo. Quadro um pouco menos grave do que se apresentava no mesmo período anterior à morte de Cristine. Até então, Porto Alegre registrava, em média, um latrocínio a cada 10 dias.
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Um ano depois daquele crime, os principais indicadores de violência – homicídios, latrocínios, roubos e roubos de veículos – estão em baixa na Capital. Resultado direto, avaliam as autoridades, da maior presença de policiais nas ruas, graças a duas medidas que não são permanentes: a vinda da Força Nacional de Segurança e o deslocamento de brigadianos do Interior.
Porto Alegre foi escolhida como símbolo da reação à criminalidade, que não se reflete em todo o Estado. No Interior, o primeiro semestre de 2017 foi de alta na maior parte dos delitos violentos. Quando consideradas as metas de redução de crimes anuais estabelecidas pelo próprio governo estadual em 2015, o objetivo fica ainda mais distante, quando considerados os dados de 2016.
– Porto Alegre é a vitrine do Rio Grande do Sul. Aqui estão os piores indicadores e tudo o que acontece aqui, e o que é feito aqui, irradia. Foi uma escolha lógica. Mas estamos trabalhando em muitas melhorias para o Interior também – diz o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer.
Troca de comando e reforço no orçamento da secretaria
A Brigada Militar (BM) tem o menor efetivo da história, com pouco mais de 15 mil policiais nas ruas, e o déficit entre ingressos de policiais militares (PMs) e aposentadorias, somente no período do governo de José Ivo Sartori, chega a 62%. Mas 2017 foi o primeiro ano da gestão com saldo positivo nos quadros da corporação. Entraram 1.481 PMs e a perspectiva é de que 1,2 mil vão para a reserva. Ainda assim, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) trabalha com a perspectiva de melhoria dos índices nos próximos 12 meses.
– Temos hoje algo que era praticamente impossível um ano atrás: trabalho de prevenção de crimes, e não apenas de atendimento quando eles acontecem. No final do ano, outros 400 PMs estarão se formando, aí não sentiremos a saída dos PMs do Interior e, talvez, da Força Nacional. Mais do que isso, poderemos expandir o que conseguimos de melhora em Porto Alegre para outras regiões do Estado – afirma o subcomandante-geral da BM, coronel Mario Ikeda.
Quando Cristine foi morta, Ikeda era comandante do policiamento da Capital. Foi o primeiro a responder pelo crime que representou a gota d'água na crise de violência. Naquela mesma noite, o então secretário Wantuir Jacini deixou o comando da SSP. Sartori, que até então praticamente não se manifestava sobre o assunto, mudou o discurso:
– A morte de uma mãe de família que buscava o filho não pode ficar sem resposta. O nosso esforço nessa área da segurança ainda não foi suficiente – declarou.
A partir dali, a segurança de Porto Alegre passou a ser o carro-chefe do governo. Menos de uma semana depois da morte de Cristine, os primeiros agentes da Força Nacional de Segurança chegaram à Capital. E Schirmer se tornou novo titular da pasta. Ganhou os holofotes e o orçamento da área, mesmo diante da penúria das contas públicas, foi vitaminado.
Reduzir casos de mortes como o daquela mãe foi a missão imposta ao novo comando. Percentualmente, conforme o levantamento da editoria de segurança dos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora, desde então, houve redução de 26,4% nos latrocínios em Porto Alegre.
Reação começou a ser vista a partir de março deste ano
Do discurso à prática, a mudança anunciada demorou para engrenar. E quando o assunto é segurança, isso significa mais perdas de vida. Entre setembro do ano passado e março de 2017, os latrocínios na Capital ainda registravam alta de 5,6% em relação ao mesmo período entre 2015 e 2016. Nos homicídios, a situação nos primeiros seis meses da presença da Força Nacional foi ainda mais preocupante, com aumento de 15% nos crimes e recorde de 95 assassinatos em janeiro _ o mais violento de Porto Alegre desde 2011, quando ZH e DG iniciariam seu o levantamento próprio.
Foi em março que a queda de braço política entre secretários no Piratini acabou vencida por Schirmer. Finalmente, foram liberadas diárias para a BM _ dois meses antecipados. E aí sim, o plano anunciado quando ele tomou posse, tornou-se concreto.
– Dependíamos do final da Operação Golfinho para o reforço de policiais militares do Interior em Porto Alegre. Quando a operação acabou, tivemos esses agentes à disposição – diz o titular da SSP.
Em 15 de março, Schirmer anunciou que 2017 seria "o ano da reação da segurança pública". Na ocasião, apresentava 350 PMs deslocados do Interior para a Capital um dia antes – o mesmo em que o estudante Gabryel Machado Delgado, 20 anos, foi morto enquanto entregava o celular a assaltantes, chegando em casa após a faculdade, na Avenida Pernambuco, no bairro São Geraldo. O reforço somou-se aos 102 novos agentes da Força Nacional. O discurso, mais uma vez, foi enérgico.
– Nosso objetivo é mostrar aos criminosos que eles precisam ter medo da polícia – afirmou o secretário.
Entre abril e agosto deste ano, os homicídios reduziram 32,7% ante o registrado em igual intervalo em 2016, e ocorreram sete latrocínios em Porto Alegre – 58,8% a menos do que no mesmo período do ano passado – incluindo o caso de Cristine. Um ano depois, o crime recuou.
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