Horas após a morte de Cristine, uma intensa movimentação rompeu a calmaria noturna na ala residencial do Palácio Piratini. Sem a presença de José Ivo Sartori, cinco nomes do primeiro escalão, liderados pelo vice-governador, José Paulo Cairoli, deram início à reunião que resultaria na dispensa de Wantuir Jacini do comando da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Entre o grupo, era consenso que a morte de uma mãe na saída da escola dos filhos exigia resposta.
– Não dá mais. Ou fazemos alguma coisa ou acabou o governo – ouvia-se pelos corredores.
Sartori estava em encontro com empresários do Rotary Club no Galpão Crioulo. Abandonou o compromisso para autorizar aos subordinados o desligamento de Jacini. A demissão do secretário representou, sobretudo, uma decisão de governo.
No dia seguinte, o chefe do Piratini seguiu para Brasília, onde cumpriria agenda previamente marcada com Michel Temer. Em Porto Alegre, Cairoli montou gabinete de crise e rapidamente assumiu protagonismo. Ao governador, a pró-atividade do vice desagradou.
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Uma semana depois, o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, manchado pelo trauma da morte de 242 pessoas no incêndio na boate Kiss, era anunciado como novo chefe da área. Cairoli sequer foi informado. A convocação representou, sobretudo, uma decisão do governador.
– Como o Schirmer vai segurar essa crise? – questionavam secretários, preocupados com a repercussão negativa da nomeação.
Amigo de Sartori desde a década de 1970, ainda nos tempos de MDB, o ex-prefeito adotou postura mais enérgica do que o antecessor na SSP e alterou o núcleo de governo. Hoje, é o secretário que exerce maior influência sobre o governador.
– O Schirmer está tendo papel central. No núcleo político, é quem mais opina. Transformou a segurança na menina dos olhos do governo. Tudo que se imagine que possa ser feito para reverter a imagem negativa será feito – afirma um graduado dirigente do PMDB.
Amizade antiga acelerou apoio a medidas da pasta
Na primeira entrevista à imprensa após assumir a pasta, os dedos trêmulos entregavam o nervosismo do secretário. Na última terça-feira, ao receber ZH para um balanço do primeiro ano de gestão, ele repousou as mãos tranquilamente sobre o colo durante mais de uma hora de conversa.
– Se preciso falar com ele (Sartori), ligo e falo. Não tenho de marcar audiência, essa formalidade toda. O governador não toma decisões só porque é meu amigo. Mas, claro, isso ajuda – confidenciou.
Nos bastidores, atribui-se a essa proximidade a aceleração de medidas no combate à criminalidade. O secretário despacha diretamente com o governador e, frequentemente, transfere agendas inicialmente marcadas em seu gabinete para o Piratini – inclusive para a ala residencial.
No palácio, virou habitué. Participa até de deliberações que nada dizem respeito à segurança pública. Esteve nas reuniões que decidiram pela separação do Instituto de Previdência do Estado (Ipergs) entre Saúde e Previdência, por exemplo.
Com carta branca para cobrar verbas, venceu queda de braço com a Fazenda e garantiu incremento de recursos para sua pasta mesmo diante da aguda crise financeira. No primeiro semestre deste ano, foram investidos R$ 28 milhões a mais na comparação com o mesmo período de 2016, saltando de R$ 2,47 bilhões para R$ 2,75 bilhões – aumento de 11%.
– Ele empreendeu ritmo mais acelerado. O Jacini tinha personalidade técnica, mas o Schirmer chegou com o afã político – avalia o líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB).
A aposta do governo na área mira também as urnas em 2018. Embora Sartori evite comentar publicamente a possibilidade de disputa à reeleição, internamente, o assunto está na pauta do governo.
– Hoje, o assunto mais tratado no Piratini é eleição. Mas também é o menos divulgado. Não precisa ser especialista para saber que, se o governador melhorar a segurança pública, a sua condição de reeleição aumenta – resume um integrante do diretório estadual do PMDB.