Após ver os quatro réus pela morte do médico Marco Antonio Becker serem absolvidos, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Na noite de terça-feira (25), a instituição apresentou os motivos que a levaram a fazer o pedido de anulação do júri, realizado entre o fim de junho e começo de julho.
Para os procuradores, o trabalho da acusação foi cerceado e a ampla instrução probatória foi impedida durante a oitiva de testemunhas. O MPF também pediu a suspeição do juiz do caso, Roberto Schaan Ferreira, da 11ª Vara Federal de Porto Alegre.
GZH teve acesso ao documento, com 97 páginas, encaminhado pelo MPF à Justiça Federal por volta das 22h20min de terça, último dia do prazo. Após o recebimento, as defesas dos quatro réus serão intimadas para apresentarem suas contrarrazões. Depois, o recurso é analisado pelo TRF4.
Dos pontos levantados, o MPF destaca que "o indeferimento dos protestos pertinentes realizados pela acusação" e "o impedimento de ampla instrução probatória durante a oitiva das testemunhas" acabaram por "gerar vícios de validade insanáveis na apresentação das provas" aos jurados, o que resultou em decisão "manifestamente contrária às provas existentes nos autos".
Os procuradores também pontuam como nulidades a "negativa de acesso aos jurados das provas existentes nos autos a partir da indicação das partes, o deferimento de silêncio seletivo nos interrogatórios, a vedação de apresentação dos familiares da vítima que estavam presentes na sessão".
Pedido de suspeição
Para o MPF, a "postura" do juiz-presidente na sessão, "em relação às manifestações do Ministério Público Federal" "contaminou os trabalhos e permeou negativamente a convicção dos jurados".
A instituição também cita uma reportagem publicada por GZH, em que o magistrado Roberto Schaan Ferreira, avalia que a decisão "não surpreende", porque não há "provas diretas" que liguem os acusados à autoria do assassinato.
"As declarações prestadas pelo juiz-presidente, para além de positivar e plasmar todo o seu comportamento em desfavor da acusação, pendendo suas resoluções sempre em prol das defesas técnicas, acaba por macular a sua independência, razão por que deve ser declarada a sua suspeição nesse momento", argumenta o MPF.
A instituição defende que um novo júri seja realizado, com novos jurados que não poderão ser presididos pelo "atual magistrado titular da Vara Federal a quo, sob pena de resultar na contaminação da livre convicção dos jurados para o novo julgamento da pretensão acusatória".
No começo do mês, familiares de Becker conversaram com a reportagem. Eles se dizem "frustrados" com o resultado do júri "porque, depois de quase 15 anos de espera por justiça, ainda não houve a condenação dos culpados pelo assassinato".
O júri e a morte
Quatorze anos depois, o júri do caso Becker ocorreu entre os dias 27 de junho e 1º de julho, em Porto Alegre. Ao final do trabalho, os quatro réus foram absolvidos. Ao longo daquela semana, foram ouvidos 15 depoimentos de testemunhas, os réus, a acusação e as defesas.
Eram acusados pelo crime o ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos (suposto mandante da morte), um assessor dele na clínica de andrologia, Moisés Gugel, e dois condenados por formação de quadrilha e tráfico de drogas, Juraci Oliveira da Silva (o Jura, apontado como chefe criminoso no bairro Campo da Tuca, na Capital) e o então cunhado de Jura, Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tôxa, que seria um dos que tripulava a moto usada pelos assassinos do médico.
O médico foi morto em uma noite de dezembro de 2008, após sair de um restaurante em um ponto boêmio e conhecido de Porto Alegre e embarcou em seu carro, um Gol que estava estacionado na esquina da Rua Ramiro Barcelos com a Avenida Cristóvão Colombo. Antes de arrancar, foi atingido por ao menos quatro tiros disparados contra o vidro do motorista. Morreu na calçada do movimentado bairro Floresta.
Contrapontos
Juiz Roberto Schaan Ferreira
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Justiça Federal, que informou que o magistrado preferiu não se manifestar.
Ministério Público Federal
GZH tentou contato com os procuradores, por meio de assessoria, sem sucesso.
O que diz a defesa de Juraci Oliveira da Silva, o Jura
— O júri foi transmitido. Todos puderam ver a lisura no procedimento conduzido pelo magistrado. Certamente não será anulado — afirmou a advogada Ana Maria Castaman Walter.
— Os trabalhos correram com imensa tranquilidade. O juiz conduziu o júri com total imparcialidade, mantendo um conduta cordial com a defesa e procuradores. Não existem nulidades neste julgamento ou qualquer tipo de cerceamento. O júri foi soberano e absolveu os réus — disse o advogado Jean Severo.
O que diz a defesa de Moisés Gugel
"O recurso apresentado trata-se de verdadeiro contorcionismo da acusação, que busca indevidamente alongar os debates sobre uma acusação baseada em conjecturas incompatíveis com a realidade dos fatos. É absolutamente contraditório alegar cerceamento da acusação quando por vontade própria abriram mão do tempo de réplica", disse o advogado Marcos Vinícius Barrios em nota.
O que diz a defesa de Michael Noroaldo Garcia Câmara
A Defensoria Pública da União (DPU) afirma que "discorda dos argumentos apresentados" pelo MPF e diz que "se manifestará oportunamente nos autos do processo".
O que diz a defesa de Bayard Olle Fischer Santos
GZH entrou em contato com o advogado João Olímpio de Souza, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.