À frente da 11ª Vara Federal de Porto Alegre, o juiz Roberto Schaan Ferreira afirma que não vê motivos que levem à anulação do júri que absolveu os quatro acusados pelo assassinato do oftalmologista Marco Antônio Becker, em 2008, no bairro Floresta, em Porto Alegre. Para o magistrado, os trabalhos ocorreram dentro da normalidade, e o resultado não causa surpresa. O Ministério Público Federal (MPF) entrou com recurso, logo após o veredito, para tentar mudar a decisão e responsabilizar os acusados.
— Vi um desenvolvimento bem regular dos trabalhos. Não sei quais nulidades o MPF vai alegar. Mas fiz minha parte e cabe ao tribunal federal decidir (sobre a apelação) — disse Schaan.
O julgamento ocorreu ao longo da semana passada, quase 15 anos após a morte de Becker, assassinado a tiros ao sair de um restaurante. Quatro homens foram denunciados pelo MPF e viraram réus por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, situação que impossibilitou a defesa da vítima e exposição a perigo comum).
Um deles, o suposto mandante do crime, é o ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos. Também foram julgados um ex-assistente dele, Moisés Gugel, que teria intermediado negociações para matar Becker; o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, acusado de planejar o assassinato; e Michael Noroaldo Garcia Câmara, que teria sido contratado para executar o homicídio.
Todos foram absolvidos, no último sábado (1º), pelos sete jurados. O juiz avalia que a decisão "não surpreende", porque não há "provas diretas" que liguem os acusados à autoria do assassinato.
— O processo apresenta características de provas periféricas, isso é posto, incontroverso. Não se tem provas diretas do fato. Não é de se surpreender a decisão, não me parece motivo de grande surpresa. O caso é controverso e não por acaso demorou esses anos todos, porque há diversos pontos que precisam ser provados. Mas a prova do fato central é uma decorrência de raciocínios que unem essas provas periféricas. O que pode gerar frustração é que não temos uma solução para a morte do médico Becker, porque houve absolvição. Mas a nossa tarefa era trazer o processo a julgamento, e foi isso que fizemos — pondera.
O magistrado também pontuou que os trabalhos, tanto de acusação quanto de defesa, foram esclarecedores e deram base para os jurados votarem:
— Tenho certeza de que, na sessão, houve instrução muito clara. Os jurados decidiram com muita consciência dos fatos e provas que tinham. Os trabalhos, de ambas as partes, foram esclarecedores.
O recurso do MPF deve ser apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Em nota divulgada no domingo (2), após o recurso ser submetido, o MPF afirmou que "houve nulidades durante o julgamento em plenário que cercearam o exercício da acusação". Nos próximos dias, o MPF deve detalhar suas razões.
Caso o recurso seja aceito pelo TRF4, um novo júri deve ser marcado. O rito ocorreria na mesma 11ª Vara Federal da Capital, com novo grupo de jurados. Por outro lado, se o TRF4 entender que não há razões para desconstituir a decisão do júri, o MPF ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de recurso especial, ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em recurso extraordinário, ambos em Brasília.
Parentes ainda aguardam por justiça
Nos últimos anos, familiares do médico assassinado tem evitado manifestações públicas, por receio de retaliações. Nesta semana, parentes da vítima conversaram com a reportagem e enviaram um texto que resume "opinião e sentimento sobre os fatos" dos últimos dias.
No texto, a família se diz frustrada, afirma que segue aguardando por Justiça e agradece o esforço do MPF.
Leia a íntegra da nota:
"A família do Dr. Marco Antônio Becker sente-se frustrada porque, depois de quase 15 anos de espera por justiça, ainda não houve a condenação dos culpados pelo assassinato do Dr. Marco Antônio Becker. Agradecemos todo o esforço e empenho do MPF para a realização desse julgamento. Dedicamos um especial agradecimento aos procuradores que conduziram brilhantemente a apresentação dos argumentos de acusação. Aguardamos, ainda, que o pedido de recurso seja atendido".
O júri
Após cinco dias, os jurados do caso decidiram por absolver os quatro homens acusados de concretizar a morte. O rito foi realizado no auditório da Justiça Federal, em Porto Alegre, e transmitido pelo YouTube.
Ao longo do júri, procuradores defenderam a acusação de que Bayard teria ordenado a morte de Becker por vingança, pelo fato de a vítima ter sido responsável pela cassação do diploma de médico do réu. Há anos, no entanto, a defesa apresenta outra versão: de que Becker tinha diversas inimizades, de quem vinha sofrendo ameaças, e foi morto a mando dessas pessoas. Uma das alegações das defesas é de que os autores da morte seriam dois policiais militares que teriam agenciado pessoas com as quais a vítima mantinha relacionamento. Os PMs o estariam chantageando e, ao se recusar a continuar cedendo às pressões, Becker teria sido morto, indicam os advogados. Uma suposta dívida de Becker junto a casas de aposta, do Brasil e do Uruguai, também foi levantada como um das possíveis motivações para sua morte.
Levadas as teses a votação, jurados entenderam que há fundamento nas argumentações feitas pela defensa.