A absolvição dos quatro réus, na noite de sábado (1º), não representou o fim do processo que trata da morte do oftalmologista Marco Antônio Becker, assassinado a tiros ao sair de um restaurante em 2008, no bairro Floresta em Porto Alegre. Isso porque o Ministério Público Federal (MPF) entrou com recurso contra a decisão, em uma tentativa de anular o júri realizado na semana passada na Justiça Federal. Cabe à instância seguinte, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), decidir sobre a apelação.
Quase 15 anos depois, os quatro réus, que respondiam por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, situação que impossibilitou a defesa da vítima e exposição a perigo comum), foram absolvidos. Foram julgados o ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, acusado de ser o mandante do crime; um ex-assistente dele, Moisés Gugel, que teria intermediado negociações para matar Becker; o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, acusado de planejar o assassinato; e Michael Noroaldo Garcia Câmara, que teria sido contratado para executar o homicídio.
Há duas hipóteses que podem acarretar em anulação e novo julgamento de casos que vão ao Tribunal do Júri (que trata de crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados). Uma delas ocorre quando se entende que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos: ou seja, o veredito não encontra nenhum embasamento nas provas do processo. A outra se dá quando ocorrem nulidades durante o julgamento, seja no processo ou no plenário — como ao se descobrir a quebra da imparcialidade ou da incomunicabilidade do jurado, por exemplo.
É este segundo cenário que o MPF alega no recurso feito ao TRF4. Em nota divulgada no domingo (2), após o recurso ser submetido, a instituição afirma que "houve nulidades durante o julgamento em plenário que cercearam o exercício da acusação". Nos próximos dias, o MPF deve apresentar suas razões.
O documento remetido é assinado pelo procurador da República Alexandre Schneider. A reportagem entrou em contato com o MPF nesta segunda-feira (3), buscando esclarecimentos, mas a instituição optou por não se manifestar.
Caso o recurso seja aceito pelo TRF4, um novo júri deve ser marcado. O rito ocorreria na mesma 11ª Vara Federal da Capital, com novo grupo de jurados.
GZH também entrou em contato com a Justiça Federal e o TRF4 nesta segunda, para posicionamento, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
No Supremo
Por outro lado, se o TRF4 entender que não há razões para desconstituir a decisão do júri, o MPF ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de recurso especial, ou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em recurso extraordinário, ambos em Brasília.
O prazo para cada trâmite vai depender do tempo que levará para o processo correr dentro do TRF4.
De acordo com o pós-doutor em direito penal e professor da PUCRS Marcelo Peruchin, não é possível apontar uma tendência para os próximos capítulos do caso:
— Não há como responder de forma matemática. Essa decisão vai depender muito do teor das alegações feitas pela parte (o MPF) e de como os desembargadores vão entender esses argumentações.
Peruchin lembra ainda que a prescrição para o crime de homicídio qualificado é de 20 anos.
O júri
Após cinco dias, os jurados do caso decidiram por absolver os quatro homens acusados de concretizar a morte. O rito foi realizado no auditório da Justiça Federal, em Porto Alegre, e transmitido pelo YouTube.
Ao longo do júri, procuradores defenderam a acusação de que Bayard teria ordenado a morte de Becker por vingança, pelo fato de a vítima ter sido responsável pela cassação do diploma de médico do réu. Para a instituição, ele teria tido ajuda de Gugel, seu ex-assistente, que teria intermediado negociações para matar Becker junto ao traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, acusado de planejar o assassinato. Este último teria sido contatado Michael Noroaldo Garcia Câmara, seu cunhado na época, para executar o homicídio.
Há anos, no entanto, a defesa dos réus argumenta outra versão para o assassinato: de que Becker tinha diversas inimizades, de quem vinha sofrendo ameaças e foi morto a mando dessas pessoas. Uma das alegações das defesas é de que os autores da morte seriam dois policiais militares que teriam agenciado pessoas com as quais a vítima mantinha relacionamento. Os PMs o estariam chantageando e, ao se recusar a continuar cedendo às pressões, Becker teria sido morto, indicam os advogados. Uma suposta dívida de Becker junto a casas de aposta, do Brasil e do Uruguai, também foi levantada como um das possíveis motivações para sua morte.
Levadas as teses a votação, jurados entenderam que há fundamento nas argumentações feitas pela defensa.