As estratégias do Ministério Público Federal (MPF) e da defesa dos réus estão bastante claras, transcorridas as primeiras horas do júri dos quatro acusados de assassinar o oftalmologista Marco Antônio Becker, num dos mais rumorosos casos criminais da história gaúcha. Ele era vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) quando foi morto com quatro tiros, em 4 de dezembro de 2008, em Porto Alegre. Num roteiro previsível, a acusação tenta provar que o crime foi arquitetado por outro médico, o andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos - numa vingança por Becker ter influenciado na cassação profissional dele, que teria induzido pacientes a realizarem cirurgias desnecessárias.
Conforme o MPF, o assassinato foi encomendado por Bayard a um cliente, o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, que repassou a tarefa a um cunhado também envolvido com tráfico, Michael Noroaldo Garcia Câmara. Esse teria pilotado a moto usada no assassinato, que aconteceu ao lado de um restaurante na Rua Ramiro Barcellos. A negociação para cometimento do crime teria sido feita por um assessor de Bayard, Moisés Gugel.
Para confirmar sua tese, os procuradores da República (André Casagrande Raupp, Fábio Magrinelli Coimbra, Alexandre Schneider, Henrique Hahn e Bruno Magalhães) chamaram para depor o delegado que investigou o caso pela Polícia Civil, Rodrigo Bozzetto. Ele repassou aos jurados, ponto a ponto, o que o levou a concluir que o crime foi elaborado pelos quatro réus: Bayard, Jura, Michael e Moisés. Dois são os pilares da investigação: existia motivação (Bayard e Becker eram desafetos públicos, trocavam desaforos e acusações por meio da mídia) e comunicação intensa entre os réus. Nos dias anteriores ao assassinato, aumentou em muito o número de mensagens de texto e telefonemas trocados entre o assessor de Bayard e Jura (mesmo esse estando preso). Inclusive do assessor ligando para o paciente várias vezes, "o que é incomum", ressaltou o delegado. Tentativas feitas por familiares de Jura de se livrarem da moto supostamente usada pelos assassinos também chamaram a atenção dos policiais.
Os questionamentos do MPF, em tom amigável, duraram duas horas. Mas aí chegou a vez dos defensores dos réus e o que se viu no júri foi um espancamento do inquérito policial. Os advogados se revezaram na tentativa de mostrar que a investigação é falha e focou em apenas um dos desafetos de Becker, quando o médico sabidamente colecionava inimizades.
Durante seis horas contínuas, os advogados de defesa (João Olímpio de Souza, Marcos Vinícius Barros, Ana Walter, Jean Severo, Fábio Kury, Alexandre Hennig, Filipe Trelles, Martin Gross, Márcio Paixão e André Freire da Silva) questionaram o delegado Bozzetto sobre perícias que consideram mal interpretadas pela polícia. Sobre imagens que mostrariam uma mulher como atiradora (ao contrário do que está no inquérito). Sobre os milhares de reais que Becker devia em casas de aposta, do Brasil e do Uruguai (e que lhe rendera inimizades). Sobre PMs que agenciariam pessoas com as quais o médico mantinha relacionamento. Sobre como ele teria ameaçado e sofrido ameaças desses policiais.
Em resumo, os defensores dos réus tentaram mostrar aos jurados que os policiais se focaram em apenas um adversário de Becker, quando ele tinha vários inimigos. Inclusive alegaram que a vítima e seu colega Bayard eram antagonistas há vários anos, sem qualquer ameaça de morte mútua - problema que teria ocorrido na relação de Becker com outros inimigos.
O delegado Bozzetto teve dificuldades em lembrar de alguns desafetos de Becker, o que foi explorado pelos advogados. O certo é que é muito cedo para adivinhar qual veredito será dado pelos jurados nesse rumoroso caso.