Começou nesta terça-feira (27), com interrogatório de testemunhas de acusação, o julgamento de um dos mais rumoroso casos criminais da história gaúcha, o assassinato do então vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), oftalmologista Marco Antônio Becker. O médico foi morto com quatro tiros em Porto Alegre, em 4 de dezembro de 2008.
Quatro homens respondem pela sua morte: o ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos (acusado de ser o mandante do crime), um assessor dele na clínica de andrologia, Moisés Gugel, e dois condenados por formação de quadrilha e tráfico de drogas, Juraci Oliveira da Silva (o Jura, apontado como chefe criminoso no bairro Campo da Tuca, na Capital) e o então cunhado de Jura, Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tôxa, que seria um dos que tripulava a moto usada pelos assassinos do médico.
O júri acontece na 11ª Vara Federal de Porto Alegre porque Becker era ligado ao Conselho Federal de Medicina (CFM) e teria sido morto em decorrência da função de julgar colegas de profissão. Bayard Olle Fischer dos Santos é acusado de ser o mandante do crime e os outros três, de tramar detalhes do assassinato, até concretizá-lo. O motivo seria vingança: Becker teria sido o responsável influenciar pela cassação do diploma de médico de Bayard, por práticas incompatíveis com o exercício da Medicina. O andrologista teria induzido pacientes a fazerem cirurgias desnecessárias (e acabou com o diploma cassado).
Os quatro réus chegaram a ser presos preventivamente pela morte de Becker, mas foram libertados em 2011. Só Jura está atrás das grades, num presídio federal de segurança máxima, sentenciado por outros homicídios.
A previsão é que o júri dure quatro dias. Como um dos réus, Jura, é apontado como chefe de quadrilha, foi determinado um reforço na segurança da 11ª Vara Federal, com vários servidores armados vigiando o local.
O julgamento começou às 9h, com a escolha dos sete jurados. A formação desse Conselho de Sentença durou a manhã inteira. A sessão foi retomada às 14 horas pelo juiz Roberto Schaan Ferreira, com interrogatório de testemunhas de acusação. O primeiro depoente foi o delegado Rodrigo Bozzetto, da Polícia Civil, responsável pela investigação que indiciou os quatro que viraram réus. O policial detalhou todo o inquérito, a começar pela cena do crime, pelos vídeos de câmera que filmaram os assassinos numa moto e como chegou aos nomes dos quatro suspeitos.
Bozzetto disse que já no local do crime colegas de Becker sugeriram o nome de Bayard como suposto mandante do crime, já que os dois mantinham uma inimizade pública – inclusive com acusações mútuas de má postura profissional, noticiadas na imprensa. O delegado disse que a desconfiança aumentou quando soube que entre os clientes de Bayard estava o traficante Jura e que o cunhado de Jura tinha uma moto do mesmo modelo da usada pelos assassinos. Em paralelo, outras linhas possíveis para o crime eram investigadas: relações conjugais de Becker e dívidas que ele tinha, relacionadas à jogatina.
Mas a hipótese de vingança relacionada à atividade profissional ganhou força com a quebra de sigilo dos telefones de Bayard, do seu assessor Moisés e de Jura. Ficou demonstrada intensa troca de mensagens e ligações entre eles, nos dias imediatamente anteriores e posteriores ao assassinato. Inclusive com ligações de Moisés para Juraci, o que demonstra que não eram apenas pedidos do paciente ao médico.
— Por que o assistente do médico ligaria diversas vezes para o cliente traficante? — questionou o delegado.
Isso reforçou as convicções de envolvimento deles no crime. Familiares de Jura também comentaram, em telefonemas e mensagens, sobre a necessidade de se livrar da moto e sobre o problema causado pelo assassinato do doutor (se referindo a Becker, disse Bozzetto).
— O Bayard tinha fama de violento, andava armado (conforme admitem familiares do réu) e inclusive tinha ido ao Cremers, armado, algo visto por muita gente. Isso reforçou nossa suspeita — descreve Bozzetto. — Não há uma prova categórica nos autos. Existem vários indícios e uma total convicção de que o crime aconteceu assim — ratificou o delegado.
Pelo menos seis defensores dos réus se revezaram aos microfones interrogando o delegado. Tentaram mostrar que ele ficou obcecado por uma hipótese (a do médico Bayard como mandante do crime) e ignorou os outros inimigos do Becker.
Os advogados questionaram o delegado sobre a diversas outras linhas de investigação, como inimizades de Becker na vida pessoal e também angariadas por causa das dívidas. E questionaram o porquê foi priorizada a desavença com Bayard, em detrimento dos outros desafetos do médico assassinado.
O policial foi ouvido pelos procuradores da República André Casagrande Raupp e Fábio Magrinelli Coimbra e, também, pelos defensores dos quatro réus. A previsão era de que apenas uma outra testemunha fosse ouvida neste primeiro dia de julgamento.
Os próximos passos do julgamento
- As demais testemunhas (inclusive 11 da defesa) serão ouvidas na quarta-feira (28)
- Na sequência, os réus serão interrogados.
- Passada esta fase, a sessão seguirá com os debates orais da acusação, feita pelo Ministério Público Federal (MPF), e das defesas dos réus. Há a possibilidade, ainda, da réplica e da tréplica.
- Na sexta-feira, o juiz se reúne com os jurados para votação dos quesitos. Depois, o magistrado lê a sentença dos réus.
Quem são os réus?
Quatro homens respondem pelo assassinato, que, conforme a denúncia aceita pela Justiça, foi uma retaliação comandada pelo ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, 73 anos, colega de profissão de Becker.
Bayard teve o diploma cassado pelo Cremers por recomendação de Becker e sua suposta influência no CFM.
Por isso, segundo a investigação, Bayard teria cobrado favores de um antigo cliente, Juraci Oliveira da Silva, o Jura, que atuaria no tráfico de drogas no Campo da Tuca. Jura teria ordenado a capangas que fizessem uma emboscada para Becker.
O ex-assistente de Bayard, Moisés Gugel, 46 anos, teria intermediado as negociações para o assassinato.
Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tôxa, 40, cunhado de Jura na época do crime, teria sido contratado para o homicídio. Seria ele condutor da moto usada no crime e que levou o atirador até a vítima.
Contrapontos
O que diz a defesa de Juraci Oliveira da Silva, o Jura
A advogada Ana Maria Castaman Walter decidiu não se manifestar. Ela alega inocência do seu cliente.
O que diz a defesa de Moisés Gugel
O advogado Marcos Vinícius Barrios afirma que o cliente é "vítima de um erro judicial sem precedentes" e confia que a sociedade de Porto Alegre saberá "depurar a acusação injusta e absolvê-lo ao final".
O que diz a defesa de Michael Noroaldo Garcia Câmara
A Defensoria Pública da União (DPU), que o atende, informa que está convicta da ausência de provas contra ele no processo.
O que diz a defesa de Bayard Olle Fischer Santos
O defensor João Olímpio de Souza reafirma convicção na inocência do réu, mas prefere não falar no momento.