Uma perícia feita por especialistas da Polícia Federal (PF) reforça dúvidas quanto aos verdadeiros autores de um dos assassinatos mais rumorosos já ocorridos em Porto Alegre, o do oftalmologista Marco Antônio Becker, então vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). Ele foi morto em 2008, com quatro tiros de pistola.
Laudo técnico revela que o caroneiro de uma moto usada na execução do médico — apreendida após ser reconhecida em filmagens— parece ter cabelos compridos, inclusive poderia ser uma mulher. Só que todos os presos pelo homicídio são homens e usavam cabelos curtos na época. A análise também não confirma se a motocicleta apreendida é a mesma que foi filmada fugindo do local do crime.
Becker foi executado a tiros na noite de 4 de dezembro de 2008, na Rua Ramiro Barcelos, no bairro Floresta. Após um ano de investigação, a Polícia Civil apontou seis suspeitos do crime, que teria sido cometido a pedido de outro médico, por vingança.
Quatro desses suspeitos viraram réus. Os outros dois não serão julgados, por falta de provas.
Conforme a acusação, o crime teria sido encomendado pelo ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, cuja cassação do diploma de médico teria ocorrido por influência de Becker, quando este presidia o Cremers.
São acusados também um ex-assistente de Bayard, Moisés Gugel (por intermediar negociações para o assassinato), o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura (ex-cliente de Bayard, apontado como contratante dos matadores) e Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tocha, dono e piloto da motocicleta supostamente usada no assassinato.
Todos eles irão a julgamento por homicídio qualificado. O matador seria um jovem parceiro de Michael, que não virou réu porque o Ministério Público (MP) considerou não haver provas suficientes.
Câmeras de vigilância de uma empresa próxima ao local do crime mostraram uma motocicleta fugindo do local, tripulada por duas pessoas. Com base nas imagens, a Polícia Civil apreendeu o veículo usado por Michael Câmara, o Tocha, semelhante ao modelo filmado. É uma Falcon 400 cilindradas, prata, 2008.
Os advogados de defesa dos quatro réus sempre contestaram a prova. Contrataram um perito particular. Ele concluiu que a filmagem não permite confirmar se a Falcon apreendida é o veículo usado no crime. Poderia inclusive ser uma Tornado, semelhante, mas de potência inferior.
Os defensores dos réus pediram então que as imagens fossem periciadas oficialmente pela PF. Ela foi inicialmente negada pela Justiça, mas o Ministério Público Federal (MPF) concordou com o exame das gravações e então o juiz responsável pelo caso, Roberto Schaan Ferreira (da 11ª Vara Federal da Capital), determinou a perícia. Com isso, o júri, que seria em 15 de agosto de 2022, foi adiado, à espera do resultado do exame das imagens.
A reportagem teve acesso ao laudo pericial, com 39 páginas, feito por servidor da Polícia Federal. Alguns pontos chamam atenção. Um deles é que o relatório não dá certeza de que a moto filmada é uma Falcon, nem que seja o veículo apreendido pela Polícia Civil. Outro ponto, sobre os tripulantes, é que o exame das imagens "corrobora levemente" que o caroneiro (e matador) tem cabelos longos sobre a parte superior das costas". O laudo não é taxativo, nem sobre o tipo de veículo e nem sobre a fisionomia dos criminosos, e os advogados de defesa consideram que a dúvida é suficiente para enfraquecer a acusação contra os réus.
- Esta perícia sugere uma pessoa jamais mencionada na investigação, com cabelos compridos. Poderia ser uma mulher ou até um homem de cabelos longos, mas nunca se cogitou isso. A defesa aguarda que os jurados reconheçam que, passados mais de 14 anos de investigações, não se sabe a autoria do crime, porque investigaram as pessoas erradas - resume Ana Walter, defensora de Juraci Oliveira da Silva, um dos que será julgado e também autora de pedido de perícia nas imagens.
O MPF mandou à reportagem uma nota a respeito do resultado da perícia:
"A perícia oficial realizada a pedido do Ministério Público contradiz as conclusões do perito particular contratado pelas defesas e confirma os elementos de prova já constantes nos autos, quanto aos réus que serão julgados pelo Tribunal do Júri. Assim, o Ministério Público entende que a questão está esclarecida, restando afastadas as teses levantadas pelas defesas, e aguarda o julgamento do caso".
Ainda não há nova data para realização do júri.