Não será desta vez que os gaúchos terão confirmação de quem matou o médico oftalmologista Marco Antônio Becker, assassinado com quatro tiros há quase 14 anos, em Porto Alegre. A Justiça Federal decidiu adiar o júri dos quatro acusados pelo homicídio. O julgamento deveria começar na próxima segunda-feira (15) e a previsão era de pelo menos quatro dias de duração. Mas o Ministério Público Federal (MPF) solicitou a suspensão do júri, porque tem dúvida sobre uma prova decisiva juntada ao processo. Uma perícia particular, contratada pela defesa, indica que a moto apreendida com um dos réus, e que seria a utilizada no crime não pertence aos matadores, seria inclusive de modelo diferente. Diante da controvérsia, o juiz Roberto Schaan Ferreira, da 11ª Vara Federal da Capital, adiou o júri, que não tem data definida para acontecer.
Becker era vice-presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers) e ex-presidente quando foi emboscado por dois motoqueiros, em 8 de dezembro de 2008. Ele foi assassinado na esquina da Rua Ramiro Barcelos com Avenida Cristóvão Colombo, ponto boêmio muito conhecido em Porto Alegre, quando saía de um restaurante.
A Polícia Civil se concentrou em inimizades de Becker que pudessem ter motivado o crime. Após um ano de investigações, a Delegacia de Homicídios concluiu que ele foi morto num complô que envolveu quatro pessoas, elaborado por um homem que na época também era médico: o andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos. A cassação dele fora recomendada por Becker, conforme apuraram os policiais - ele acabou cassado meses depois. Esse seria o pivô do assassinato.
Teriam participado do complô um assistente de Bayard, Moisés Gugel, que teria encomendado o assassinato para um dos notórios traficantes de Porto Alegre, Juraci Oliveira da Silva, o Jura do Campo da Tuca (ex-cliente de Bayard). O atacadista das drogas teria pedido a um cunhado, Michael Noroaldo Garcia Câmara, para matar o vice-presidente do Cremers.
Michael e um comparsa teriam esperado Becker junto ao restaurante e disparado contra ele com uma pistola calibre .40. O médico morreu ali mesmo. Entre os indícios apresentados pela Delegacia de Homicídios, na época, estão uma motocicleta usada por Michael (similar à moto dos matadores), testemunhos que afirmam que ele tentou se livrar do veículo logo após a morte de Becker e mensagens que integrantes da quadrilha de Jura teriam trocado com o assessor de Bayard, Moisés Gugel.
A controvérsia que levou ao adiamento do júri envolve a moto usada pelos matadores. A defesa de Jura e de Michael sempre negou que a motocicleta que aparece nas câmeras de vigilância no local do crime fosse aquela apreendida com Michael, uma Falcon. Encomendaram uma perícia particular, feita por um perito aposentado que atuava no Instituto Geral de Perícias (IGP), Joel Ribeiro Fernandes. O laudo dele descarta que a moto dos matadores seja a de Michael. O modelo dos faróis e a posição das luzes, na filmagem, seriam incompatíveis com a do veículo apreendido.
A Defensoria Pública da União, em nome de Michael, juntou esta semana outro laudo técnico, complementar, no qual o perito confirma que a moto de Michael não é a do matador. Diante da polêmica, três procuradores da República que fazem a acusação solicitaram adiamento do júri.
"O MPF requer análise pericial oficial comparativa entre o vídeo obtido na cena do crime e a moto apreendida nos autos, bem como análise pericial oficial sobre todos os documentos juntados aos atos que tenham sido produzidos pelo profissional Joel Ribeiro Fernandes", relata o documento, ao qual GZH teve acesso. Os procuradores também requerem urgência na perícia, para que o júri seja viabilizado ainda este ano.
O juiz Roberto Schaan Ferreira se trancou durante quatro horas na noite dessa quinta-feira (11) para decidir a questão. Ele demonstrou "muita estranheza em relação à complementação da perícia, apresentada no último dia do prazo para juntada de documentos". E considera que há uma articulação das defesas dos quatro réus para postergar o júri.
Mesmo assim, o magistrado decidiu adiar o julgamento, "porque os debates em plenário criariam dúvida nos jurados, sobre se é a mesma moto ou não...o que bastaria para suspender a sessão". O magistrado lamentou, em seu despacho, todas as providências tomadas para realizar o julgamento e que agora viraram "perda de trabalho". Ele determinou a realização de rápida perícia oficial a respeito do que foi alegado pelo perito contratado pelas defesas dos réus.
A SITUAÇÃO DE CADA RÉU E SUAS ALEGAÇÕES
Bayard Olle Fischer Santos
Está em liberdade. Ao longo dos anos, formou-se em Direito e atua em um escritório de advocacia. Alega inocência. O advogado dele, João Olímpio de Souza, diz que "ele se sentiu tão injustiçado que cursou a faculdade de Direito, para poder também se defender". Olímpio afirma que "apesar de não existir mais julgamentos 'intra muros' (o caso estava em segredo de Justiça), agora vai ser o momento da sociedade tomar conhecimento da realidade dos fatos".
Juraci Oliveira da Silva
Está preso desde 2010, por outros crimes. No momento está em Campo Grande (MS), numa penitenciária federal. Nega qualquer envolvimento no crime. A sua defensora, Ana Maria Castaman Walter, sustenta que "os jurados farão Justiça absolvendo Juraci desta acusação".
Michael Noroaldo Garcia Câmara
Esteve preso algumas vezes entre 2009 e 2021. Está solto. É defendido pela Defensoria Pública da União, que, em nota, afirma "que está trabalhando incessantemente na defesa do assistido e que tem convicção de sua inocência, o que será demonstrado em plenário perante os jurados".
Moisés Gugel
Está em liberdade. Ficou preso por suposto envolvimento no assassinato de Becker durante um período, em 2011. O advogado de Moisés, Marcos Vinícius Barrios dos Santos, alega que o cliente é inocente. "Os debates e as teses defensivas serão expostas em plenário e não via imprensa. Adianto apenas que tenho convicção que a sociedade de Porto Alegre saberá depurar a podridão escondida neste processo, que tramitou em segredo de Justiça para que não viessem à tona todas as máculas existentes. Moisés é inocente e foi injustiçado durante esses 12 anos".
O que diz o Ministério Público Federal (MPF):
Em nota, o MPF informou que "espera um julgamento baseado no debate franco e leal entre acusação e defesa, mas, principalmente, que os jurados façam justiça, num caso que aguarda há quase 14 anos por uma decisão em memória à vítima e sua família".