Segundo réu a depor nesta sexta-feira (3), Juraci Oliveira da Silva, o Jura, negou qualquer tipo de envolvimento no assassinato do oftalmologista Marco Antônio Becker, em uma noite de dezembro de 2008. Conforme o Ministério Público Federal (MPF), ele teria planejado a morte a pedido do ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, de quem foi paciente e a quem supostamente devia favores.
O júri, que ocorre cerca de 14 anos após o caso, começou na terça (27) e deve ser encerrado no domingo (2), quando os jurados traçam o destino dos réus.
Jura é traficante com atuação no Campo da Tuca, em Porto Alegre. Em sua fala no júri do caso Becker, ele admitiu ter envolvimento com esse tipo de delito, mas negou ter participado do plano para matar o médico.
Detalhadamente, o réu falou, por cerca de 1h30min, sobre como foi relacionado ao crime pela acusação e sua relação com Bayard. Jura disse que procurou o então andrologista em 2001, depois de assistir a uma entrevista dele em um programa de televisão, em que o médico falou sobre procedimentos para aumento peniano.
Jura afirma que se submeteu a procedimentos, quando estava no regime semiaberto ou durante saídas temporárias do regime fechado, mas que teve complicações, problemas de cicatrização e "quase perdeu" o membro.
Disse que ficou internado alguns dias em hospital e passou a fazer contatos frequentes com o consultório, por telefone, buscando orientação médica. Chegou a ameaçar que processaria Bayard. Perguntado pela defesa se, diante deste cenário, devia favores ao médico, disse:
— Na época, se eu pudesse, tinha matado o doutor Bayard. Pela lógica. Mas não (fiz).
Ao longo de sua fala, também afirmou que não é "matador de aluguel" e que não sabia quem era a vítima.
— Não posso admitir algo que não fiz. Nem tinha ciência de quem era esse doutor Becker. Fui tomar conhecimento depois. Até hoje não sei onde é esse tal de Cremers.
No depoimento, a defesa de Jura explorou sua trajetória. Ele contou que ajudou a criar os oito irmãos e que, "para matar a fome deles", começou a furtar em mercados. Mais tarde, se envolveu com o tráfico de drogas. Falou sobre o casamento, que perdura há 33 anos, e sobre os filhos. Perguntado sobre o que a família representa, chorou. A pedido da defesa, a sessão foi interrompida por alguns minutos.
Questionado pelo juiz federal Roberto Schaan Ferreira sobre o motivo de ter sido acusado de envolvimento na morte, sorriu:
— Eu sou o Jura, doutor.
Depois, complementou que foi ligado ao caso por "fama" e por "não dar dinheiro para a polícia".
— Respondi a outros processos por homicídio, tráfico de drogas, associação (criminosa), fui absolvido em vários — disse.
Depoimentos
Antes de Jura, foi ouvido em plenário o médico cassado Bayard, que também negou envolvimento no caso.
O terceiro acusado a dar depoimento foi o ex-assistente de Bayard, Moisés Gugel. Apontado pela polícia como "faz tudo" do médico, ele teria intermediado, entre Bayard e Jura, as negociações para matar Becker.
— Alegaram isso, que eu seria faz tudo, em sentido negativo. Foi algo que me machucou muito.
Gugel disse que foi pressionado por policiais nas vezes em que prestou depoimentos, ainda durante o inquérito. Disse que chegou a decorar as placas das viaturas, por ter sido procurado inúmeras vezes.
Na época da morte, o réu atuava como representante de um produto, um extensor peniano, e era funcionário de Bayard. Ele contou que atendeu centenas de pacientes, vendia equipamentos em outros Estados e atuou em clínicas de Bayard em São Paulo, além de outros locais como Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Em consultórios do médico, chegou a dar palestras e orientar enfermeiros. Ele ainda atuou na prefeitura do município de Roca Sales, no Vale do Taquari, quando o médico era prefeito.
Contou que foi convidado a ir em programas de TV para explicar sobre os procedimentos e também atuou com outros médicos da área.
— Não faço a mínima ideia do porque estou aqui — respondeu ao advogado ao ser perguntado sobre sua acusação.
Júri deve ir até domingo
Como alguns depoimentos, de testemunhas de acusação e defesa, foram mais longos do que o previsto, a nova estimativa é que o júri seja encerrado no domingo (2). Inicialmente, o julgamento iria até esta sexta. O rito começou na terça-feira (27). As sessões ocorrem no auditório da Justiça Federal.
Quem são os réus?
Quatro homens respondem pelo assassinato, que, conforme a denúncia aceita pela Justiça, foi uma retaliação comandada pelo ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos, 73 anos, colega de profissão de Becker.
Bayard teve o diploma cassado pelo Cremers por recomendação de Becker e sua suposta influência no CFM.
Por isso, segundo a investigação, Bayard teria cobrado favores de um antigo cliente, Juraci Oliveira da Silva, o Jura, que atuaria no tráfico de drogas no Campo da Tuca. Jura teria ordenado a capangas que fizessem uma emboscada para Becker.
O ex-assistente de Bayard, Moisés Gugel, 46 anos, teria intermediado as negociações para o assassinato.
Michael Noroaldo Garcia Câmara, o Tôxa, 40, cunhado de Jura na época do crime, teria sido contratado para o homicídio. Seria ele condutor da moto usada no crime e que levou o atirador até a vítima.
Contrapontos
O que diz a defesa de Juraci Oliveira da Silva, o Jura
A advogada Ana Maria Castaman Walter decidiu não se manifestar. Ela alega inocência do seu cliente.
O que diz a defesa de Moisés Gugel
O advogado Marcos Vinícius Barrios afirma que o cliente é "vítima de um erro judicial sem precedentes" e confia que a sociedade de Porto Alegre saberá "depurar a acusação injusta e absolvê-lo ao final".
O que diz a defesa de Michael Noroaldo Garcia Câmara
A Defensoria Pública da União (DPU), que o atende, informa que está convicta da ausência de provas contra ele no processo.
O que diz a defesa de Bayard Olle Fischer Santos
O defensor João Olímpio de Souza reafirma convicção na inocência do réu, mas prefere não falar no momento.