O primeiro réu a depor no júri que trata do assassinato do oftalmologista Marco Antônio Becker é o acusado de ser mandante da morte, o médico cassado Bayard Olle Fischer dos Santos. Os outros três réus também devem ser ouvidos nesta sexta-feira (30). O caso, um dos mais rumorosos da história gaúcha, deve ser encerrado no domingo (2), quando os jurados irão traçar o destino dos acusados.
No depoimento, o ex-andrologista de 73 anos nega envolvimento na morte e sustenta que não tinha motivos para ordenar o assassinato de Becker. Em relação à vítima, Bayard disse que eram colegas de turma, que nunca tiveram "inimizades" e que só foram "adversários políticos" por poucos meses, durante uma eleição no Conselho Federal de Medicina (CFM).
Conforme a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), Bayard teria mandado matar Becker por vingança, pelo fato de a vítima ter sido responsável pela cassação do diploma de médico do réu.
Bayard afirma, no entanto, que foi apontado como o cabeça do caso para não prejudicar a imagem de Becker após a morte:
— (A acusação) É um absurdo e uma injustiça muito grande. Eu era a pessoa politicamente correta para se apontar, a pessoa mais compatível para se manter a imagem dele. Ficaria muito feio apontar os reais autores da morte — disse ele logo no começo de sua fala.
Bayard se refere à tese levantada pelas defesas dos réus de que Becker foi morto por outras desavenças. Entre elas, travestis com quem a vítima teria envolvimento extraconjugal, e a quem estaria devendo.
Em momentos anteriores do júri, advogados também alegaram que Becker foi morto por policiais militares que agenciariam pessoas com as quais o médico mantinha relacionamento. Sustentaram ainda que a vítima teria ameaçado e sofrido ameaças desses PMs.
Bayard respondeu a perguntas do magistrado, o juiz federal Roberto Schaan Ferreira, e de defesas. Ele se negou a responder questionamentos do MPF, responsável pela denúncia.
O médico deu sua explicação sobre uma informação trazida pela acusação, de que a Polícia Civil encontrou recortes de reportagens sobre o crime em seu consultório, ao cumprir mandados de busca no local. Uma pasta também reunia detalhes do que ele diria em um eventual depoimento à polícia sobre o que fez no dia do crime, segundo a investigação feita na época.
Explicou que passou a ler sobre o caso porque percebeu que seria chamado para depor durante a investigação:
— Repórteres começaram a ligar para mim perguntando a minha manifestação sobre o crime. Então era notório que iria ser chamado pela polícia, era óbvio. Procurei me inteirar e guardei (o material sobre o crime). Não tinha nada a esconder. Chamei a minha secretária e perguntei o que fiz no dia do crime. Imprimi e levei para o depoimento.
Ele definiu como uma "suposição cruel e covarde" o fato de o material ter sido usado pela acusação no processo.
— Se não tem outra (prova do crime), tem de inventar. Desculpe minha indignação, doutor, mas a gente fica surpreso — disse ao responder questionamentos do magistrado.
Atendimento a Jura
Bayard disse que, antes do caso, havia atendido o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, algumas vezes. Disse que, em quase todas as consultas, estava acompanhado por uma secretária, que preparava o atendimento, e foi ouvida como testemunhas de defesa — a pedido dela, seu relato foi tomado apenas na presença das partes e dos jurados.
Segundo o médico, foram feitos dois preenchimentos e vasectomia em Jura, por questões estéticas, mas as intervenções resultaram em complicações. Um tempo depois dos procedimentos, Jura teve uma infecção respiratória aguda.
— É um quadro gravíssimo, com risco de vida. Na ideia dele (Jura), foi consequência da aplicação. Pelo que a secretária (que atendeu telefonemas do paciente) disse, ele estaria bastante revoltado — disse Bayard, sustentando que o traficante não lhe devia nenhum tipo de favor, como apontado pelo MPF.
Consequências
O réu falou sobre efeitos que teve, na vida pessoal, em razão da acusação e do tempo que ficou preso. Disse que, apesar de ter um consultório na Espanha, não atua há anos e perdeu a vontade pela "injustiça" sofrida. Pediu ao juiz para mostrar ao júri um vídeo que preparou, com "aspectos da vida anterior" ao caso, porque "tem coisas que as palavras não conseguem explicar". Mas o pedido foi negado.
— Eu era uma pessoa que trabalhava dia e noite, essa não era a comunidade que eu frequentava (se referindo ao mundo do crime). Vivia em outro mundo, era um médico que trabalhava e tinha envolvimentos com questões políticas, pesquisas de universidades, ganhava dinheiro e o investia em ciência. Era convidado para tudo que é congresso. Aquilo me pegou de surpresa. Hoje sou um pária da sociedade — afirmou, complementando que sua cassação médica "correu a revelia" e foi definida por "um voto".
Disse que familiares também foram prejudicados, como o filho, à época com 11 anos:
— Ele sofreu muito bullying por isso. Ainda bem que sabia suportar, não ficou com maiores sequelas.
Júri deve ir até domingo
Como alguns depoimentos, de testemunhas de acusação e defesa, foram mais longos do que o previsto, a nova estimativa é que o júri seja encerrado no domingo (2). A sessão deve ser iniciada às 9h, no auditório da Justiça Federal. Inicialmente, o julgamento iria até esta sexta. O rito começou na terça-feira (27).
Estão sendo julgados, além de Bayard, acusado de ser o mandante do crime, um ex-assistente dele, Moisés Gugel, que teria intermediado negociações para matar Becker; o traficante Juraci Oliveira da Silva, o Jura, acusado de planejar o assassinato; e Michael Noroaldo Garcia Câmara, que teria sido contratado para executar o homicídio. As defesas dos quatro negam envolvimento no caso.