Um duelo de interpretações de peritos marcou a tarde do terceiro dia de júri dos acusados de assassinar o médico Marco Antônio Becker, que morreu numa emboscada em 4 de dezembro de 2008, em Porto Alegre. Em nome da acusação, o Ministério Público Federal (MPF) convocou para depor o perito federal Marco Antônio Zatta, que atuou na investigação e testemunhou por videoconferência, desde Brasília. Pela defesa depôs o também perito Joel Ribeiro Fernandes, aposentado do Instituto-Geral de Perícias (IGP, estadual) e que elaborou laudos que serviram para defesa dos réus. Ambos divergiram nas análises de vozes e imagens de suspeitos de envolvimento no crime.
Quatro homens respondem pela morte do médico: o ex-andrologista Bayard Olle Fischer dos Santos (acusado de ser o mandante do crime), um assessor dele na clínica de andrologia, Moisés Gugel, e dois condenados por formação de quadrilha e tráfico de drogas, Juraci Oliveira da Silva (o Jura, apontado como chefe criminoso no bairro Campo da Tuca, na Capital) e o então cunhado de Juraci, Michael Noroaldo Câmara (que seria condutor da moto usada pelos assassinos).
O júri acontece na 11ª Vara Federal de Porto Alegre porque Becker era ligado ao Conselho Federal de Medicina e teria sido morto em decorrência da função de julgar colegas de profissão. Bayard Olle Fischer dos Santos é acusado de ser o mandante do crime e os outros três, de tramar detalhes do assassinato, até concretizá-lo. O motivo seria vingança: Becker teria sido o responsável pela cassação do diploma de médico de Bayard, por práticas incompatíveis com o exercício da Medicina. O andrologista teria induzido pacientes a fazerem cirurgias desnecessárias (e acabou com o diploma cassado).
Duas questões se sobressaíram no testemunho dos peritos: a voz num telefonema interceptado pela Polícia (há dúvidas se seria de um quadrilheiro ou de um policial civil) e, sobretudo, as imagens dos assassinos de Becker, que tripulavam uma motocicleta flagrada em câmeras de videomonitoramento. Os dois especialistas divergiram nesses pontos, num interrogatório que levou a tarde inteira de quinta-feira (29).
Joel Fernandes, por exemplo, disse que não dá para afirmar que a motocicleta apreendida pela Polícia Civil como pertencente a um dos assassinos é mesmo a que foi utilizada no crime.
— De sã consciência, não tem. Ainda mais se a roda foi pintada. As rodas estão de cores diferentes.
Fernandes também afirmou que os vídeos apreendidos pela Polícia Civil, com imagens da moto, foram editados. O perito ainda não dá certeza se o atirador (caroneiro da motocicleta) é homem ou mulher, já que numa das imagens o suspeito parece ter cabelos compridos.
— Todas características são de uma pessoa do sexo feminino, inclusive a caixa torácica. Inclusive segurava na cintura do piloto, ato não muito comum em caroneiros homens afiançou Fernandes.
As dúvidas apontadas pelo perito Fernandes são decisivas para a defesa de um dos réus, Michael Noroaldo Câmara, o Tôxa, apontado como proprietário e condutor da moto apreendida.
Já o perito federal Zatta assegurou que a moto apreendida é da mesma marca e modelo da usada pelos matadores - reforçando a tese da acusação, do MPF. Ele considera provável que seja o veículo dos assassinos, até por não ter carenagem (como a dos matadores) e rodas semelhantes à dos suspeitos.
— Para dar 100% de certeza seria necessário enxergar as placas, que não estavam nítidas, mas as motos são muito similares — ponderou Zatta.
Ele não comentou a possibilidade de que o caroneiro fosse uma mulher.
Outro ponto foi o confronto de locutores. A defesa insinua que um policial civil pode ter sido autor de um telefonema a um dos réus, Moisés Gugel (para fazê-lo cair em contradição e falar sobre o assassinato). Já a acusação acredita que a ligação foi feita por um integrante da quadrilha de Juraci e, sim, tratava da execução do médico.
O interrogatório teve momentos de discussão, de tal forma que o juiz Roberto Schaan Ferreira chegou a determinar que um dos procuradores da República calasse a boca — por ter interrompido questões, na hora destinada a perguntas da defesa (veja vídeo acima).
Júri até o fim de semana
O júri é marcado por bate-bocas intensos entre acusação e defesa, que acabam levando à vagarosidade dos trabalhos. A previsão inicial é que testemunhas falassem no primeiro e segundo dia. Já transcorreu o terceiro dia e, até as 19 horas, ainda faltavam nove testemunhas de defesa para falar. Até para acelerar, o juiz não deu hora para acabarem os trabalhos nesta quinta-feira (29).
A previsão mais otimista, agora, é que o julgamento termine sábado, 1º de julho (e não na sexta-feira, como era previsto). Mas há quem fale em mais tempo para conclusões. Afinal, depois das testemunhas é preciso ouvir os quatro réus (cada um deve falar por horas, conforme a perspectiva atual) e só então começarão os debates entre acusação e defesa. Que podem ter réplica e tréplica. Muitos jurados, a boca pequena, se queixam de exaustão.