Com participação em 1,4 mil júris, o promotor de Justiça Eugênio Amorim é conhecido duelista nos tribunais. E tem feito nas mídias sociais a defesa veemente de um novo julgamento dos quatro acusados de matar o médico Marco Antônio Becker. Como o leitor sabe, o júri acabou com a absolvição dos réus, abrindo uma polêmica sobre o veredito.
Assim como ouvimos defensores dos réus que vibraram com a absolvição e como o Ministério Público Federal até agora não apresentou suas razões para querer realizar de novo o júri, damos espaço aqui a um experiente acusador dos tribunais. Amorim chegou a participar das investigações do assassinato de Becker, que foi com quatro tiros na noite de 4 de dezembro de 2008. Na época, ele era vice-presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers). O inquérito da Polícia Civil concluiu que ele foi morto num complô armado por outro médico, Bayard Fischer dos Santos, que considerava Becker responsável pela cassação do seu diploma de Medicina.
Bayard teria contratado um traficante que era cliente dele, Juraci da Silva, o Jura, para organizar uma emboscada, feita por dois capangas dele: Michael Noroaldo Garcia Câmara e um atirador (que não virou réu, por falta de provas). Um assessor de Bayard, Moisés Gugel, foi apontado como intermediário na encomenda do crime.
A etapa judicial do caso começou na esfera estadual (inclusive o promotor Amorim atuou nos trabalhos), mas passou para a federal, porque o crime estaria vinculado à atividade desempenhada pela vítima junto ao Conselho Federal de Medicina (CFM). Ao fim de seis dias de júri, os jurados absolveram os quatro acusados. Pesou muito no veredito a alegação da defesa dos réus, de que Becker tinha diversas inimizades, de quem vinha sofrendo ameaças, e foi morto a mando dessas pessoas. Uma das alegações das defesas é de que os autores da morte seriam dois policiais militares que teriam agenciado pessoas com as quais a vítima mantinha relacionamento. Os PMs o estariam chantageando e, ao se recusar a continuar cedendo às pressões, Becker teria sido morto, indicam os advogados. Uma suposta dívida de Becker junto a casas de aposta, do Brasil e do Uruguai, também foi levantada como uma das possíveis motivações para sua morte.
O promotor Amorim mantém a mesma convicção do início do caso: a de que os quatro réus foram os responsáveis pelo assassinato. E torce para que o Tribunal Regional Federal (TRF-4) anule o veredito, julgando os réus novamente.
Mas Amorim admite que alguns fatores contribuíram para a absolvição dos acusados. Um deles é o tempo transcorrido desde o assassinato, quase 15 anos, suficientes para amornar convicções. O deslocamento da competência do júri, da Justiça Estadual para a Federal, ajudou a distanciar o julgamento do clamor que o crime provocou na época dos fatos.
O promotor também tem dúvidas se usaria a réplica durante os debates, como costuma usar (mas o Ministério Público Federal não o fez, talvez para acelerar os trabalhos num júri exaustivo). Amorim considera ainda que a Justiça Federal está pouco acostumada a júris por homicídio, o que pode ter levado a muitas dúvidas.
Ele admite que testemunhas de acusação esqueceram de fatos (o que se mostrou decisivo no veredito), mas defende que seja feito novo júri, sob alegação de que as partes foram impedidas de mostrar documentos, além de os debates terem sido controlados com rigor pelo juiz, “talvez de forma demasiada”.