Em conversa particular com Alexandra Dougokenski, 33 anos, no final da tarde do dia 18 de junho, poucos minutos antes da reconstituição da morte de Rafael Mateus Winques, 11 anos, em Planalto, o irmão mais velho do menino disse à mãe que deveria falar a verdade aos policiais. O pedido do adolescente de 17 anos está transcrito na decisão de segunda-feira (13) da juíza de Planalto Marilene Parizotto Campagna que torna a mãe ré por assassinato, ocultação de cadáver, falsidade ideológica e fraude processual.
No encontro na Delegacia de Polícia de Planalto, o adolescente se dirige à Alexandra: "Não pela justiça de Deus, mãe! Mãe, tem que falar a verdade, por favor! Por mim e pelo Rafa, mãe!" Na mesma oportunidade, Alexandra conversou com o namorado, que reforça o apelo: "Eles vão descobrir e você vai ter que contar a verdade. É uma injustiça com a vida deste anjo que tá lá em cima. Se tu realmente amava teu filho…" Ele faz um alerta à namorada: "Porque eu te falo, quanto mais tu mentir, mais tu vai te afundar."
Mesmo com o pedido de ambos, nesta conversa, Alexandra tentou convencê-los de que não tinha responsabilidade pela morte, indicando outras pessoas como possíveis autores do assassinato. Delegados e promotores que trabalharam no caso destacaram, em diversas entrevistas, o poder persuasivo e sedutor de Alexandra ao contar diferentes versões da morte de Rafael aos familiares.
Até aquela data, Alexandra sustentava em depoimento à polícia – inclusive durante a reconstituição do crime –, que havia dado dois comprimidos de Diazepam ao filho e que escondeu o corpo de Rafael na casa vizinha, pois achava que ele havia morrido pela medicação. Alegava que o menino estava com a boca roxa e que não apresentava mais sinais vitais. Mais tarde, laudos do Instituto-geral de Perícias (IGP) comprovaram que aquela dosagem do medicamento não seria suficiente para tirar a vida do garoto de 11 anos e sequer alterar a coloração dos lábios do menino. Alexandra só viria a mudar a versão nove dias depois do pedido do filho mais velho, em depoimento em 27 de junho no Palácio da Polícia, em Porto Alegre. Nesta data, a mãe admitiu que matou o menino com uma corda de varal, quando ele estava acordado no quarto, devido à desobediência do garoto.
A juíza também argumenta que, durante a investigação, Alexandra tentou direcionar a responsabilidade do fato ao seu irmão – e tio do menino – e ao pai de Rafael, Rodrigo Winques – possibilidades que foram descartadas pela polícia por provas técnicas e testemunhais. A promotora do caso Michele Kufner diz ter convicção de que a mãe agiu sozinha.
A magistrada utiliza argumentos do MP na mesma decisão em que também converte a prisão temporária em preventiva: "a denunciada deu notórios indicativos do ânimo em dificultar a investigação criminal, na medida em que buscou convencer, na oportunidade que teve para conversar com o namorado e o filho antes da reprodução simulada dos fatos, da sua inocência, apresentando-lhes uma versão sobre a morte de Rafael completamente dissociada dos elementos indiciários, sendo certo que influenciaria negativamente as testemunhas que lhes fossem próximas se solta estivesse, circunstância que poderia atrapalhar ou até mesmo inviabilizar a instrução processual".
Na decisão, a magistrada detalha os fatos usados de argumentos para cada um dos crimes que Alexandra terá de responder. A juíza aponta que o homicídio qualificado aconteceu entre as 23h do dia 14 de maio e as 2h do dia 15 de maio, período em que Alexandra teria matado Rafael mediante asfixia mecânica provocada por estrangulamento. A ocultação de cadáver, de acordo com o texto, ocorreu entre as 2h e as 4h do dia 15 de maio, quando a mãe escondeu o corpo do menino na garagem da casa vizinha.
A falsidade ideológica é atribuída à mãe pois, em 15 de maio, às 11h36min, Alexandra registrou na delegacia a informação falsa de que o menino havia desaparecido, "com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante". Já a responsabilização por fraude processual está fundamentada na conduta da mãe entre os dias 14 e 23 de maio, período em que a mãe atrapalhou as investigações enquanto sabia que o corpo do menino estava em uma caixa de papelão na casa ao lado da sua, inclusive indicando um círculo artificial feito na data de 14 de maio em um calendário que, segundo ela, poderia ter sido feito pelo filho como indicativo de que ele pudesse fugir naquela data.
Na decisão, a juíza também destaca o trabalho da polícia em 1,4 mil páginas do inquérito: "a investigação foi profunda e extensa e a autoridade policial não descartou nenhuma linha de investigação sem antes fazer minuciosas diligências, algumas fora do Estado." Segundo ela, a apuração utilizou interceptações autorizadas de "comunicações telefônicas, quebra de sigilo telefônico, de dados (em locais como Facebook, WhatsApp e Google), fiscais e bancárias, não apenas da denunciada, mas também de pessoas que não foram indiciadas pela autoridade policial e tampouco denunciadas pelo Ministério Público."
Detida desde 25 de maio, Alexandra está presa na Penitenciária Feminina de Guaíba.
Contraponto
Em relação ao acolhimento por parte da Justiça da denúncia do Ministério Público, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do defensor público e dirigente do Núcleo de Defesa Criminal, Andrey Régis de Melo, informa que aguardará a citação e a remessa do processo à Instituição. Posteriormente, será apresentada a manifestação defensiva. A Defensoria salienta que ainda não foi possível conversar com a investigada sobre detalhes do caso penal, já que ela permanece, desde o dia 29 de junho, internada em um hospital da Grande Porto Alegre para tratamento de saúde.