Na primeira vez que retornou ao local do crime desde que foi presa por confessar a morte do filho, durante a reconstituição do assassinato de Rafael Mateus Winques, no dia 18 de junho, em Planalto, Alexandra Dougokenski, 33 anos, entrou em desespero. Ao entrar na residência, chorou ao observar tudo que estava fora do lugar. Antes de seguir os trabalhos, delegados e peritos precisaram esperar que Alexandra se ambientasse. A mãe ajeitou uma fotografia que não estava do jeito que havia deixado e perguntou sobre a ausência de objetos que seus olhos não alcançavam.
— Durante as buscas, muita coisa foi revirada, retirada do lugar. Quando fomos fazer a reprodução, precisamos arrumar a casa para recriar o cenário do crime. Ela entrou em pânico porque a casa estava fora da organização que tinha deixado. Imaginávamos que ela entraria em pânico por reviver o momento da morte do filho, mas foi porque no primeiro contato visual com a casa percebeu que as coisas estavam fora da ordem dela — conta o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Eibert Moreira Neto.
Detalhes como esse evidenciaram o que os investigadores já desconfiavam e deram contornos mais definidos ao perfil da mulher que admitiu matar o próprio filho por desobediência. Alexandra, segundo o delegado, é perfeccionista, detalhista e metódica. Conforme a investigação, a criação dos filhos era com disciplina e não admitia ter as ordens descumpridas. A intolerância a contrariedade teriam levado a mulher a asfixiar o filho com uma corda de varal na madrugada de 15 maio.
A nova versão foi dada em depoimento no último sábado (27), no Palácio da Polícia, em Porto Alegre: ela diz que por volta da meia-noite deu dois comprimidos de Diazepam ao filho, após tê-lo repreendido por passar diversas noites em claro mexendo no celular, para que dormisse. Alexandra foi para cama. Por volta das 2h, acordou, retornou ao quarto e Rafael ainda estava no celular, mesmo após a ingestão do medicamento. Nessa hora, conforme o testemunho, foi quando decidiu matá-lo. Traçar as características da mãe foi peça fundamental para a polícia montar o quebra-cabeça que explicasse a motivação do crime.
— Ficou evidente desde o primeiro dia que ela teve intenção. Vi o corpo do Rafael, tinha certeza, só não tinha o motivo. A forma como ele tinha sido morto, como estava visualmente, jamais iríamos confundir uma morte acidental com uma morte provocada por vontade. Se não fosse morte por dolo, não caberia nem mesmo a prisão temporária dela —afirma o delegado de Planalto, Ercilio Carletti.
Alexandra conduzia a família dentro de regras de comportamento e conduta muito restritas, o que ficou claro desde o início das investigações, aponta Carletti. Todos os depoimentos reunidos no inquérito que descrevem a mãe são unânimes ao apontar seu rigor:
Ficou evidente desde o primeiro dia que ela teve intenção. Vi o corpo do Rafael, tinha certeza, só não tinha o motivo. A forma como ele tinha sido morto, como estava visualmente, jamais iríamos confundir uma morte acidental com uma morte provocada por vontade. Se não fosse morte por dolo, não caberia nem mesmo a prisão temporária dela.
ERCILIO CARLETTI
Delegado de Planalto
— É difícil acreditar em uma motivação como essa, mas reunimos elementos para demonstrar que ela cometeu o crime por indisciplina do Rafael. É uma pessoa com algum tipo de fixação com organização, disciplina e limpeza. Tudo que ela falou sábado se encaixa muito bem no que estávamos construindo.
Na noite da reconstituição, a forma cuidadosa como Alexandra dobrou uma peça de roupa também chamou atenção dos investigadores.
— Nunca vi algo assim. Ela dobrava com perfeição — afirma Eibert.
Cortinas até nas paredes internas
Na casa onde vivia com Rafael e o filho mais velho, de 17 anos, Alexandra mantinha uma organização criteriosa. No guarda-roupa, as peças estão dispostas por cores. Cabides vermelhos de um lado, cabides brancos para outro. Sapatos igualmente arrumados por cores e tipo. Na porta dos armários, havia uma lista dos itens e a quantidade de cada alimento armazenado. Dentro da geladeira, tudo era cuidadosamente dividido em potes e caixas. Também chamou atenção que dentro da casa, há cortinas nas paredes. Os investigadores acreditam que, por ser uma casa de tijolo à vista, o acessório esconde a falta de simetria das paredes.
Ela gostava de estabelecer a ordem da coisa e ditar as regras, tanto com os filhos quanto com a família. Quando associamos isso ao fato de que Rafael vinha desobedecendo uma dessas ordens, ali encontramos a resposta da motivação. O motivo pode parecer pequeno para nós, mas na cabeça dela, não era.
EIBERT MOREIRA NETO
Diretor de investigações do Departamento de Homicídios
A obsessão por limpeza da mãe impedia também que Rafael levasse o gato Lucky e a galinha garnisé Felipa para brincar no pátio. O menino só tinha contato com animais de estimação na casa da avó Isailde Batista, 58 anos, que mora em frente à residência.
— Ela gostava de estabelecer a ordem da coisa e ditar as regras, tanto com os filhos quanto com a família. Quando associamos isso ao fato de que Rafael vinha desobedecendo uma dessas ordens, ali encontramos a resposta da motivação. O motivo pode parecer pequeno para nós, mas na cabeça dela, não era — considera Eibert.
Ao se dar conta do que poderia ser a razão do crime, os próprios delegados passaram a questionar, durante o trabalho, como uma desobediência poderia fazer Alexandra tirar a vida do caçula.
— Aquilo virou um problemão do qual era precisava resolver. E ela agiu para estancar o problema. Não que justifique, mas na cabeça dela, sim. A gente se colocou no lugar dela para entender o que aconteceu. E foi exatamente isso que ela nos disse — diz Eibert.
Mergulhar no estilo de vida de Alexandra foi fundamental para os investigadores entenderem que Rafael estava transgredindo as regras estabelecidas pela mãe. Especialmente desde o início da pandemia, Alexandra alega, nos depoimentos, que o filho ficava muito tempo no celular e não convivia mais da mesma forma com a família.
— Em todos os depoimentos ela vinha falando, sábado deixou ainda mais claro, que Rafael vinha desobedecendo ela no uso do celular. Isso passou a incomodá-la cada vez mais e foi tirando ela do controle. Era algo muito difícil de administrar na cabeça dela — conclui Eibert.
Quando características representam risco
Psiquiatra da Santa Casa de Misericórdia, André Moura Kohmann afirma que o caso de Alexandra necessita de uma avaliação psiquiátrica especializada para a construção de um laudo detalhado. As características citadas pelos policiais podem ser sinais de algo que não está bem e, em casos de comportamentos mais obsessivos, indicar sintomas presentes em doenças psicóticas.
— Obviamente que não é porque uma pessoa é detalhista e organizada, ou com mania de limpeza, que será assassina ou agressiva. Ou será uma pessoa imprevisível a ponto de tirar a vida de uma pessoa. A primeira condição psiquiátrica que se pensa é a do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), porque é mais a mais famosa — analisa.
O TOC, explica o médico, não representa nenhum perigo às pessoas e está relacionado a uma ansiedade muito grande, diferente de outros casos:
— Agora, sintomas obsessivos de grande organização, com hábitos muito regrados, pode estar presentes na família de doenças psicóticas, como a esquizofrenia. Isso faz a pessoa sair da realidade, ter alteração de pensamento. Oferece riscos para si e os outros porque faz a pessoa cometer coisas que não é para cometer.
Contraponto
Desde sábado, quando Alexandra deu nova versão para o assassinato do filho, a Defensoria Pública do Estado cuida da defesa da autora confessa. Nesta segunda-feira (29), em entrevista coletiva, o dirigente do Núcleo de Defesa Criminal (Nudecrim), defensor público Andrey Regis de Melo disse que aguarda o inquérito para fazer análise dos elementos de investigação e que ainda nesta semana deve ter uma conversa técnica com a investigada.