Por seis horas, Alexandra Dougokenski, 33 anos, narrou e mostrou a peritos e delegados qual a sua versão para a morte do filho. Rafael Mateus Winques desapareceu em 15 de maio em Planalto, no Norte, e foi encontrado dez dias depois, em uma caixa de papelão na garagem da casa vizinha.
Os delegados do caso dizem já ter alguns elementos que comprovariam a motivação da ação da mãe. Questionado por GaúchaZH no término da reconstituição, o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, Eibert Moreira Neto, no entanto, adianta que as possíveis razões pelas quais Alexandra matou o filho caçula serão divulgadas apenas na conclusão do inquérito:
— Este período de silêncio da polícia nos últimos dias foi porque estávamos coletando diversas informações que serão apresentadas ao final do inquérito. A motivação começa a se tornar transparente para gente, a gente começa a enxergar a motivação mas isso só vai ser realmente divulgado ao final do inquérito policial. Nossa linha de investigação segue de que a morte foi de forma intencional.
Alexandra deve ser ouvida mais uma vez pelos investigadores assim que o IGP concluir todas as perícias. Este é inclusive um pedido da defesa da mãe, para que ela só seja confrontada novamente quando o advogado Jean Severo tiver acesso aos laudos técnicos.
Meio-dia
Escoltada pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Alexandra chega à Delegacia de Polícia e sofre uma crise de ansiedade. É atendida por uma ambulância do Serviço Móvel de Urgência (Samu). Medicada e dorme por cerca de três horas. Antes de iniciar os trabalhos da reconstituição, Alexandra se encontrou com familiares na DP. Mãe da suspeita, Isailde Batista, 58 anos, disse, na quarta-feira, que esperava ver a filha em algum momento da reconstituição e lembrou do aniversário da primogênita. Alexandra completou 33 anos na terça-feira.
18h
Os trabalhos da reprodução simulada dos fatos iniciam com entrevista dos peritos criminais e delegados. Alexandra fala por quase três horas. Em outra sala, acompanhado do Conselho Tutelar, irmão de Rafael, adolescente de 17 anos, também é entrevistado. Após a fala dele, a Polícia Civil decide que ele não vai participar da reprodução na casa por entender que não seria relevante para a perícia.
Segundo o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, Eibert Moreira Neto, a versão do adolescente não implica em reprodução pois, no seu relato, ele diz que apenas ouviu sons.
— Ele alega ter ouvido muita movimentação na casa desde a meia-noite. Ouvia passos de alguém caminhando na casa, na cozinha, no banheiro, na porta. Viu a luz acender. Ele já tinha esclarecido que se omitiu. Mas a forma que ele relata, essa omissão é irrelevante. Precisamos esclarecer se de fato foi nestes termos. Existe uma relação de respeito entre mãe e filho. Como a mãe já havia repreendido o Rafael naquela noite (pelo uso do celular), ele ficou receoso de fazer algo e também ser repreendido. Nestes termos que ele conta, a princípio a omissão é irrelevante. Nós escolhemos não trazer ele. Ele esclareceu o que tinha de ser esclarecido na conversa. Pelo relato dele, ele não viu efetivamente como foi a morte.
19h15
Advogado de defesa, Jean Severo chega ao local da reprodução para verificar a área em que a suspeita terá de fazer o trajeto com o boneco que representará Rafael.
— Alexandra vem dando depoimentos muito coerentes durante todo inquérito. Hoje novamente, apesar de estar muito desgastada, ter desmaiado ao chegar. Foi homicídio culposo, ela não teve intenção de matar e agiu sozinha — diz Severo à imprensa, já posicionada em área reservada em frente à casa.
20h30
Peritos criminais e fotógrafos do IGP chegam na casa antes de Alexandra. Um deles coloca a caixa de papelão onde o corpo foi encontrado na garagem da residência vizinha. Ambiente é recriado para ser o mais semelhante possível ao da noite do crime.
20h48
Após quase três horas do início da entrevista com os peritos criminais, Alexandra finalmente chega à casa. Ela é transportada em uma Pajero da Polícia Civil, está no banco de trás com touca ninja, usa abrigo moletom cinza e colete à provas de balas da polícia.
Sob forte aparato policial, a suspeita está entre dois agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a força tática da Policia Civil, vestidos com uniforme camuflado — um padrão internacional para este tipo de operação. Em movimentos calculados, os agentes escoltam Alexandra no trajeto entre o veículo e a porta da casa de modo que não expõem o rosto da suspeita às câmeras da imprensa.
21h40
Alexandra se emociona diversas vezes dentro da casa, especialmente quando precisa manusear o boneco que representa o filho, com mesmo peso e estatura da criança. Chora, interrompe o trabalho para tomar água e recomeça novamente. Isso ocorre repetidas vezes durante a reprodução na casa. Agentes do Core vistoriam a área externa da casa dos vizinhos para checar se não há ameaças para próxima fase do trabalho: a mãe irá para a rua mostrar como arrastou o filho.
23h15
Agentes da Polícia Civil fizeram um cordão humano para proteger a lateral da casa, no trajeto que Alexandra passaria. A imprensa, além de silêncio total, precisou apagar as luzes de câmeras e celulares. Era um pedido da defesa para que Alexandra não se sentisse intimidada.
Após mais de uma hora dentro da casa, chega um dos momentos mais sensíveis do trabalho. É quando Alexandra sai da residência e mostra como arrastou o filho pela grama até a garagem do pátio do vizinho.
23h17
Na fase externa da reconstituição, delegado Eibert segura o boneco enquanto a mãe narra a forma como fez o transporte do filho. Segundo a polícia, Alexandra estava fraca e debilitada, sem condições de carregar o boneco de 40kg, que vestia uma camisa do Grêmio, mesma roupa que Rafael usava na noite da morte.
— Nós auxiliamos, fizemos o transporte do boneco, mas não resta dúvida que ela teria condição de carregar, ela mostrou a forma que fez, deixou bem claro para nós. E fomos conduzindo a reprodução enquanto ela foi demonstrando como fazia — explica Eibert.
23h21
Após fazer o trajeto pelo pátio da casa vizinha, Alexandra chega na garagem da casa e demonstra como escondeu o corpo. Delegado Eibert conta o modo como ela narrou:
— É estranho dizer isso, mas ela fala com carinho: “eu botei ele deitadinho na caixa, tapei ele”. Ela guardou ele ali, com retalhos de tecido em cima dele.
00h15
Encerrada a reconstituição, agentes do Core levam Alexandra para delegacia. A mãe de Rafael retornou ainda na madrugada para o Presídio de Guaíba. Delegados e peritos atendem a imprensa após o fim dos trabalhos. IGP deve concluir laudo da reprodução em 30 dias — mas prazo poderá ser postergado devido a complexidade da perícia.