A Polícia Civil desencadeou em Rio Grande, na manhã desta sexta-feira (21), operação para prender suspeitos de envolvimento em roubos de veículos que, posteriormente, eram trocados por drogas e armas no Uruguai. A ação mira também quadrilheiros que atuam em Santa Vitória do Palmar e no Chuí, cidades próximas à fronteira uruguaia.
O principal alvo da ofensiva — chamada "Doutorado" — é um detento que está na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). Conforme a investigação, coordenada pela Delegacia Especializada na Repressão ao Crime Organizado (Draco) de Rio Grande, o apenado teria determinado diversos roubos de veículos, mesmo trancafiado.
Em decorrência dos assaltos, um taxista foi morto depois de ter seu carro roubado (latrocínio) e outro motorista de táxi foi espancado e ficou muito ferido. Escutas telefônicas de integrantes da quadrilha, autorizadas pela Justiça, evidenciam que muitos veículos foram levados ao Uruguai para serem trocados por armas. Outros foram trocados por drogas — vendidas a quadrilheiros uruguaios.
Nesta sexta, 50 policiais civis realizam buscas em 13 locais, em execução a ordens de prisões contra 12 suspeitos de envolvimento no esquema. A Justiça também concedeu internação provisória de dois adolescentes que seriam ligados ao grupo.
Até as 8h30min, oito pessoas foram presas e dois adolescentes, apreendidos.
A Polícia Civil não revela nomes, mas GaúchaZH apurou que o homem apontado como líder da quadrilha, Lucian de Souza Oliveira, é conhecido como Doutor ou Mano. Apenado na Pasc, mas com base de atuação em Rio Grande e no Chuí, ele teve diálogos interceptados nos quais ordena roubos e esquematiza a troca dos carros roubados por armas e drogas no Chuy (cidade uruguaia, gêmea da gaúcha Chuí). Os roubos eram feitos em Rio Grande e Pelotas.
Prisão de receptador desvendou esquema
A reportagem descobriu que foi a partir da prisão de um receptador uruguaio, Ariel Maximiliano Rodrigues Dipolito, em 31 de dezembro de 2019, que a atuação da quadrilha começou a ser desvendada. Quando alguns adultos foram presos, o chefe do bando apelou para adolescentes, que passaram a realizar os roubos de veículos.
As investigações apontam que o receptador seguia ordens de Doutor. E que um dos roubos acabou em morte.
Em 1º de fevereiro, o taxista Gilson da Silva Lima, conhecido como "Miagui", foi executado. O corpo dele foi encontrado às margens do canal de acesso ao Porto do Rio Grande, com sinais de espancamento. O táxi, um Classic, foi deixado num pátio que era usado para armazenar veículos roubados.
Os três suspeitos de assassinar o motorista foram presos, após relatos de testemunhas. Os policiais comprovaram o envolvimento deles por meio de reconhecimento fotográfico e também por pistas deixadas no esconderijo do veículo, como a informação de que um deles havia realizado recarga de celular, posteriormente rastreada pelos agentes da Draco.
— Mesmo após a prisão do receptador uruguaio, os roubos de veículos continuaram, de forma ainda mais violenta e brutal. Isto porque as ordens do presídio continuaram vindo e os executores foram substituídos por ladrões jovens e violentos — comenta a delegada regional da Polícia Civil em Rio Grande, Lígia Marques Furlanetto.
Um dos outros roubos praticados pela quadrilha também foi violento e contra um motorista de táxi. Em 29 de janeiro, por volta das 3h40min, a vítima recebeu uma chamada e se deslocou até um endereço em Rio Grande, onde foi abordada por dois assaltantes que tinham feito o falso pedido de corrida. Eles roubaram relógio, dinheiro e colocaram o taxista no porta-malas do veículo. Rodaram com a vítima por cerca de uma hora e a deixaram abandonada e amarrada num terreno baldio. O táxi, um Siena, foi levado.
O taxista recebeu de um homem a informação de que o Siena seria levado para "fora" (Uruguai). O taxista que deu a informação disse que, por R$ 5 mil, ele poderia comprar o veículo de volta junto à quadrilha — valor reduzido, posteriormente, para R$ 2 mil.
O homem envolvido no negócio ilegal foi detido e revelou o número do telefone e o apelido do quadrilheiro que liderava o esquema: Mano, apenado da Pasc. Em combinação com policiais, o taxista vítima do assalto depositou dinheiro numa conta bancária, em duas parcelas. Rastreada, a conta era de uma familiar do apenado.
Outro crime rastreado aconteceu em 1º de fevereiro. Um taxista fez uma corrida no bairro Santa Tereza, em Rio Grande, que se transformou em assalto, praticado por dois homens. A vítima foi agredida com coronhadas no rosto e teve o dedo médio da mão esquerda quebrado. Depois foi colocada no porta-malas, tendo restado desacordada, sendo encaminhada ao Hospital da Santa Casa. Por foto, foram reconhecidos como autores do assalto os três quadrilheiros apontados como autores do roubo com morte de outro taxista, Gilson de Silva Lima.
Esquema foi tema de reportagens em 2019
As investigações identificaram duas células da organização criminosa. Uma delas era formada por três uruguaios, vindos de Santa Vitória do Palmar e Chuí, que praticavam assaltos a veículos e receptação — os carros eram trocados por armas no Uruguai. O segundo núcleo era formado por assaltantes radicados na cidade de Rio Grande.
O esquema de troca de drogas e veículos por armas no Uruguai foi revelado pelo Grupo de Investigação (GDI) da RBS, em reportagens publicadas de 18 a 20 de janeiro de 2019. Os repórteres falaram com policiais, vítimas e quadrilheiros para mostrar como a liberação do consumo de maconha em território uruguaio gerou aumento no número de homicídios e roubos na fronteira brasileiro-uruguaia.
A reportagem também recebeu uma lista de números de registro de fuzis e pistolas adquiridos pelos quadrilheiros, legalmente, em lojas uruguaias. O arsenal foi revendido no Rio Grande do Sul e trocado por maconha, enviada a território uruguaio.