As grades baixas ou inexistentes dão uma pista sobre como é a vida em Cristal, no sul do Estado. O município distante 155 quilômetros de Porto Alegre, com pouco mais de 7 mil habitantes, mal dormiu na madrugada desta quarta-feira (17) depois que um tiroteio deixou duas mulheres mortas, um homem e uma criança feridos. A ação fazia parte de uma operação da Polícia Federal (PF), que há dias investigava um grupo suspeito de envolvimento com o resgate de assaltantes que participaram de um ataque a banco no último dia 6, em Dom Feliciano.
A ofensiva foi montada, conforme relatos dos moradores, por volta das 23h30min, quando caminhonetes discretas fizeram barreiras na RS-354, também conhecida como Rua do Palanque. Armados, os policiais se posicionaram em vias que cruzam a rodovia. Uma viatura ficou estacionada em frente a um comércio. O proprietário, que prefere não se identificar, contou que saiu para ver do que se tratava e se deparou com os carros e os agentes.
— Os cachorros deram alarme. Eu sai para olhar e vi a caminhonete atravessada com miguelitos (pregos retorcidos) do outro lado. Estranhei que estavam armados. Depois, que vi que estavam com fuzil. Liguei para meu vizinho da frente para combinarmos de falarmos com eles e ver se dava tempo de sairmos. Quando voltei para a rua, nem deu tempo. Já começou uma correria e gritos: “tão vindo, tão vindo”. Voltei para dentro de casa, fiquei na área, e eles começaram a gritar: “pára o carro, pára o carro”. Um tentou fugir e aí começou o tiroteio — descreveu.
— O motorista do Civic, que foi atingido mais para frente, saiu do carro gritando, baleado na cabeça e na mão — completou.
Em frente à residência da professora Carla Rosane Gomes, as marcas do tiroteio permaneciam nesta manhã: a rua estava repleta de sangue. Ela contou que ouviu os tiros e pensou que fossem bombas ou fogos de artifício.
— Ouvi uma pessoa gritando: “tu baleou meu filho, deixa eu voltar para o carro e ver meu filho” — relatou.
Morador há oito anos do bairro Panorama, onde aconteceu o tiroteio, o motorista Cristiano Lilge relatou os momentos apreensão vividos durante a madrugada:
— Estava todo mundo em pânico. A polícia estava dando voltas na cidade dizendo para os moradores ficarem dentro das casas. A gente nunca tinha passado por isso.
Pelas ruas do entorno do local onde houve a troca de tiros, o assunto era o mesmo: a quantidade de disparos ouvidos, em número que, segundo eles, ultrapassou 50. Nos grupos de WhatsApp, fotos e vídeos da operação circulavam na manhã desta quarta-feira (17). Alguns curiosos chegaram a se deslocar de outras áreas do município para ver o local da operação. Muitos contaram ter passado a madrugada em claro, pois a mobilização policial só terminou pela manhã.
Mais de 12 horas depois do susto, os moradores seguiam abalados.
— Minha filha de cinco anos está assustada. Ontem, ela tremia e chorava — afirmou o empresário, acrescentando que não sabia se levaria a menina à escola na tarde desta quarta-feira por ela estar com medo.
— Tomara que peguem quem tem de pegar para que nós tenhamos tranquilidade — finalizou Carla.