Com a segurança pública mergulhada na crise do Estado, a contenção de gastos do governo José Ivo Sartori não poupou as polícias no início do governo. Em janeiro de 2015, foram cortadas as horas extras de militares e civis. Na sequência, foram suspensas as diárias dos policiais e, em abril, reduzida a verba para combustível de viaturas. A gota d'água veio em julho daquele ano, quando, pela primeira vez na gestão, os salários do funcionalismo estadual foram parcelados.
Nos quartéis da Brigada Militar e nas delegacias da Polícia Civil, viaturas paradas, e nas ruas, quase não havia policiamento. O corte de verba provocou inevitável racionamento no trabalho de contenção e repressão ao crime.
Sem PMs fardados à mostra e com investigações precarizadas, o crime, como nunca, mostrou sua cara. As execuções, constantes nas periferias, passaram a ocorrer também à luz do dia e em locais até então considerados seguros em Porto Alegre e em cidades da Região Metropolitana.
Avenida Sertório esquina com Assis Brasil, em frente a um restaurante lotado, no bairro Sarandi, na zona norte da Capital, ao meio-dia de 27 de abril, e Avenida Bento Gonçalves, bairro Partenon, na zona leste, às 17h de 6 de maio, foram alguns dos locais e horários de crimes com dezenas de tiros, perante muitas testemunhas.
O primeiro ano do governo Sartori, na área da segurança pública, foi marcado também por ataques de vandalismo no transporte coletivo de Porto Alegre, como resposta às ações policiais. Entre ônibus e lotações, foram queimados 10 veículos, após suspeitos de crimes terem sido mortos pela Brigada Militar.
No sistema penitenciário, com a falta de vagas em presídios e penitenciárias, as carceragens de delegacias de polícia, em condições precárias, passaram a abrigar presos.
Morte de mãe derrubou Jacini
Mas o que mais atemorizava a população eram os latrocínios. E a gota d'água foi a morte, no dia 25 de agosto, de Cristine Fonseca Fagundes, 44 anos. Em seu carro, um Fit, por volta de 17h, a representante comercial aguardava o filho de 12 anos que estava por sair do Colégio Dom Bosco, em um movimentado ponto do bairro Higienópolis, na zona norte de Porto Alegre, quando foi atingida por um tiro na cabeça, disparado por um assaltante. Era o 25º roubo com morte do ano, apenas na Capital.
A repercussão do crime exigiu decisões imediatas do governo estadual. A primeira consequência foi a queda do então secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, que pediu exoneração naquele mesmo dia — dias depois, o cargo seria assumido por Cezar Schirmer. Sartori constituiu, então, um gabinete da crise, coordenado pelo vice-governador, José Paulo Cairoli. Dias depois, chegava ao Estado o primeiro contingente da Força Nacional.
Enquanto isso, no sistema prisional, houve a comprovação de que o fundo do poço parecia inatingível, pois sempre podia piorar. Se a manutenção de presos em delegacias já era alvo de críticas, agora, viaturas, corrimãos, ônibus sucata e até uma lixeira passaram a ser meios de aprisionamento.
Mutilações e facções medindo poder
Sem qualquer medida para reverter o quadro negativo, os gaúchos presenciaram a situação piorar em 2016. O número de homicídios disparava na Capital, tendo como ingrediente principal as disputas entre a mais violenta das facções criminosas, do bairro Bom Jesus, e uma aliança de quadrilhas criada para combatê-la.
Os assassinatos, naquele momento, não se resumiam a execuções com dezenas de tiros. Os crimes receberam requintes de crueldade, com corpos esquartejados e decapitados tornando-se o marco de terror provocado pela guerra do tráfico na Região Metropolitana. Ao todo, no ano, foram 16 casos de mortes com mutilações.
O crime seguiu acontecendo sem escolher lugar e hora. O terminal 2 do Aeroporto Internacional Salgado Filho e o Largo da Estação Rodoviária de Porto Alegre foram alguns dos palcos de execuções, à luz do dia. Na zona norte da Capital, uma médica foi assassinada durante um assalto ao seu carro em uma sinaleira.
Também antes do anoitecer, um empresário foi morto a tiros, perante a filha de quatro anos, no estacionamento de um hipermercado, na zona sul de Porto Alegre, ao ter o carro confundido com o de um traficante.
Início da reação
Em 2017, depois de um janeiro recordista em casos de homicídios e latrocínio na Capital, e seis meses após as mudanças na Secretaria da Segurança, começaram a aparecer os primeiros sinais de reação. Pelo menos em Porto Alegre. Na metade do mês de março, a Capital recebeu reforços no policiamento, com o deslocamento de 350 PMs do Interior.
Mas o cobertor mostrou-se curto e, enquanto os números de homicídios e latrocínios caíam na Capital, aumentavam na Região Metropolitana. Cidades como Gravataí, Alvorada e Viamão, na Grande Porto Alegre, e São Leopoldo, no Vale do Sinos, presenciaram o recrudescimento dos assassinatos, principalmente mediante chacinas.
Por outro lado, as forças da segurança pública demonstravam que o setor de inteligência estava atento e atuante. No sistema prisional, a descoberta de um túnel pelo Denarc, antes que a obra, que iria ligar uma casa dos arredores ao Presídio Central, fosse concluída, evitou fuga em massa que poderia chegar, segundo estimativas, a mil presos. Da mesma forma, cresceu o número de operações de combate ao tráfico de drogas e à lavagem de dinheiro contra as facções.
O Departamento de Inteligência da SSP também concluiu que, por trás da guerra envolvendo os assassinatos violentos estavam dois líderes de facções rivais, presos entre o final de 2016 e o início de 2017 no Paraguai. Ambos foram enviados para penitenciárias federais, mesmo destino dado, meses depois, a outros 27 detentos de presídios gaúchos, apontados como do primeiro escalão das organizações criminosas. Foi na Operação Pulso Firme, saudada pelas autoridades da segurança pública como a maior ação de combate ao crime organizado no Estado.
Números em queda
Em 2018, último ano do atual governo, com os efetivos da Brigada Militar, Polícia Civil e Instituto-Geral de Perícias reforçados por milhares de novos servidores (cerca de 3,5 mil), a maior parte dos indicadores criminais entrou em baixa constante (veja abaixo). Homicídios e latrocínios caíram nas maiores cidades. Houve alta nas ocorrências de posse e de tráfico de drogas, mas isso pode ser decorrente do aumento do trabalho policial. A pedra no sapato fica por conta dos cinematográficos assaltos a banco na modalidade conhecida como novo cangaço — assim chamada porque os ladrões sitiam cidades do Interior, com reféns formando cordão humano.
No início do último mês do ano e do governo, a BM reprimiu com rigor os responsáveis por um crime deste tipo em Ibiraiaras, matando seis criminosos — um refém também foi assassinado. Até sexta-feira, 22 ladrões haviam sido mortos em confrontos com a Brigada neste mês.