Na segunda-feira, 23 de outubro, quem passava por Gravataí era surpreendido por uma mensagem no Facebook que oferecia um check-in de segurança. O pedido era para que o usuário informasse a sua rede de contatos que estava seguro. Medida semelhante foi adotada na rede social após os atentados em Londres e Las Vegas. Era o dia seguinte ao ataque a tiros que matou dois jovens e deixou 33 feridos em uma festa no bairro Morada do Vale II. Mais um capítulo desde que a guerra aberta entre facções criminosas atingiu seu ápice na cidade.
A explosão de violência não aconteceu de uma hora para outra. Como fervura, vinha aquecendo havia pelo menos dois anos, desde que Operação Clivium, que pôs 107 pessoas atrás das grades, foi desencadeada pela Polícia Civil. Como efeito imediato, a facção controlada por Vinícius Otto, o Vini da Ladeira, 38 anos, sofreu baque nos lugares em que dominava o tráfico na cidade. Abriu espaço para os rivais, que até então tinham menor poder bélico e de articulação, mas já atuavam principalmente nas imediações da Avenida Dorival Cândido Luz de Oliveira, a principal da cidade.
Com o braço da facção considerada a mais articulada do Estado enfraquecido, não demorou para que criminosos locais, que não faziam parte do quase monopólio de Vini da Ladeira, recebessem o reforço de aliados de outro grupo. O alerta de que isso poderia acontecer foi feito pela Polícia Civil quando desencadeou a Clivium. Também foram solicitadas à Justiça as prisões dos rivais, mas não foram concedidas.
No ano passado, a Delegacia de Homicídios de Gravataí fez a Operação Palhaço, tendo como principais alvos Michael Franco, o Bozo, 27, e Tomas dos Santos Pinto, o Sapo, 30, apontados como líderes do grupo que tirou proveito da saída de cena dos rivais. Mas aí já era tarde. As articulações com uma facção, que antes eram exclusividade do grupo atacado na Clivium, também estavam solidificadas neste bando.
— Começou como uma disputa por território, por controle de pontos que são lucrativos em uma cidade com um crescente número de usuários de drogas. Depois, se tornou uma questão de demonstração de poder para se sobrepor, pela violência, ao inimigo — explica o comandante do 17º BPM, tenente-coronel Vanderlei Padilha.
O resultado é a guerra aberta que cruza a cidade inteira. Desde o começo do ano, 144 pessoas já foram assassinadas: 43% a mais do que no mesmo período do ano passado. O boom do fenômeno, que agora causa a notoriedade indesejada para a cidade até mesmo nas redes sociais, aconteceu nos últimos três meses. Foi justamente quando a Justiça determinou a soltura de 24 envolvidos na Clivium. A polícia não confirma o envolvimento deles nos assassinatos mais recentes, mas, desde setembro, 10 dos 22 homicídios registrados na cidade aconteceram na região das paradas, controladas, em sua maior parte, pelo bando de Bozo e Sapo. Há poucos dias, o Tribunal de Justiça reviu o habeas corpus e ordenou que todos fossem novamente presos.
Um ataque para demonstrar poder
O atentado do último domingo, que surpreendeu pelo poder de fogo dos atiradores - com fuzis, espingarda e pistola -, atingiu, geograficamente, o centro nevrálgico do comando de Vini da Ladeira. A rua onde acontecia a festa a céu aberto alvo dos disparos é continuação, justamente, da Rua da Ladeira.
—Ao que tudo indica, não foi um ataque com o objetivo de tomar pontos, mas para demonstrar poder. Como se diz entre os criminosos, um ataque de "esculacho" — destalha o delegado Felipe Borba.
Na quarta-feira, a Justiça decretou a preventiva do primeiro suspeito do crime. João Daniel Duarte de Souza, 18 anos, que já tinha ordem de prisão por um latrocínio, e está foragido, é apontado pela polícia como integrante de uma facção do bairro. As duas pessoas mortas na madrugada de domingo não teriam envolvimento com a criminalidade. O simbolismo do ataque contra a base dos Ladeira, porém, deixa as autoridades em alerta para possíveis revides, e os moradores ainda mais apreensivos sobre os próximos capítulos desta guerra.
Foi também para sufocar isso que, desde terça-feira, a Brigada Militar e a investigação da Delegacia de Homicídios estão reforçadas. E os criminosos, sem fazer muita questão de se esconder, também se previnem, pelas redes sociais, de uma resposta.Em um perfil, um integrante da facção considerada a principal suspeita do crime, diz: "Usaram 12 espingardas e 38 e nós só usamos M4, M16 e pistolas 9mm. Tamos pelo certo, não matamos inocentes". Rivais teriam espalhado, via WhatsApp, nota negando a autoria do atentado.
Crise vitaminou o crime na cidade
O Atlas da Violência 2017 relaciona a crise econômica ao aumento da violência. Uma análise que comparou dados desde 1980, chegou à conclusão de que, a cada redução de 1% da taxa de desemprego de homens, o índice de homicídios da cidade reduz 2,1%. No município que tem o terceiro maior PIB do Estado, a crise coincide com a explosão de homicídios.
— Gravataí tem uma área territorial muito grande, com regiões que até bem pouco tempo atrás eram rurais, ambicionadas pelas facções para esconder drogas e armas. A cidade cresceu, e se multiplicaram invasões nessas áreas. Os jovens, sem muitas oportunidades com a crise, logo são cooptados. E nesse meio, eles precisam se afirmar. Daí o aumento tão rápido dos crimes violentos — analisa o tenente-coronel Padilha.