A guerra, afirmam as autoridades policiais, é do tráfico. Mas os resultados dela não estão restritos aos pontos em disputa por quadrilhas de Gravataí. No último final de semana, nove pessoas foram assassinadas no município ampliando a sensação de medo na cidade que ainda tem um suposto toque de recolher imposto por criminosos.
Os três dias de violência foram o ápice de um ano que já contabiliza, conforme o levantamento da editoria de Segurança dos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora, pelo menos 115 homicídios e outros quatro latrocínios espalhados por praticamente todas as regiões da cidade. O aumento dos homicídios chega a mais de 40% em relação ao mesmo período do ano passado.
— Está horrível isso aqui. Até nas ruas principais, só se vê gente nas ruas depois das 20h se realmente precisa. Todos os dias convivemos com a violência, mortes e assaltos. E cada dia em um lugar diferente, onde nem daria para imaginar — desabafa Rosa Maria Souza Alves, 52 anos.
Na noite da última sexta, um homem foi assassinado na parada de ônibus em frente à oficina que Rosa Maria mantém com o marido há 25 anos, na Avenida Ely Corrêa, no bairro Parque dos Anjos. O local fica a apenas 500 metros da Delegacia de Homicídios da cidade.
Horas depois, na madrugada do último sábado, três jovens foram executados a tiros dentro de um carro na Avenida Bento Gonçalves, no bairro São Geraldo, a cinco metros da Avenida Dorival de Oliveira, a mais movimentada do município, e a apenas uma quadra da 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí.
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Na madrugada seguinte, outras três pessoas foram baleadas dentro de outro carro em pleno centro da cidade, na Rua Doutor Luiz Bastos do Prado, a apenas 400 metros do batalhão da Brigada Militar e a menos de 200 metros do prédio da prefeitura.
— A impressão que a gente tem é de que a polícia ainda não entendeu o que está acontecendo. Todos os dias chegam pessoas na nossa oficina dizendo que estão vendendo tudo e saindo daqui. Da minha casa, na parada 69, que fica quase do lado da delegacia, é tiroteio quase todas as noites. E de pensar que aquela região já foi o lugar mais movimentado das noites de Gravataí — comenta Rosa Maria.
Na segunda-feira, depois da matança do final de semana, o secretário estadual da Segurança Pública, Cezar Schirmer, garantiu policiamento reforçado na cidade desde as primeiras horas desta terça-feira. A reportagem percorreu a região central, e a Avenida Dorival de Oliveira durante mais de duas horas entre o final da manhã e o começo da tarde, e não cruzou com nenhuma viatura da Brigada Militar.
Perigo na área central
Na parada 87, da Avenida Ely Corrêa, justamente onde a série de mortes começou na noite de sexta, a auxiliar de atendimento, Fernanda Oriques, 38 anos, era uma das pessoas que esperava o ônibus para trabalhar em Porto Alegre ontem de manhã.
— Quando soube o que aconteceu, me apavorei, porque não tem muito como escapar. Como vamos adivinhar se alguém que está esperando o ônibus, na hora de voltar do trabalho, não vai ser atacado? _ diz.
Moradora do bairro, chega de ônibus todos as noites vinda da Capital. Sempre tem algum familiar a esperando na parada.
Tensão semelhante vive quem trabalha ou depende dos serviços do centro de Gravataí. Somente nessa área, pelo menos cinco pessoas já foram assassinadas em 2017. A região também concentra, pelo fluxo de pessoas, a maior parcela da alta de 5,2% nos roubos registrada no primeiro semestre deste ano na cidade.
— Já fui assaltada duas vezes, mesmo saindo da loja sempre em grupo. O problema é que antes a nossa preocupação era só com a saída à noite aqui do Centro. Agora, temos de ter estratégias também para chegar em casa, no bairro. Nunca se sabe quando alguém pode estar na rua e atirar — diz a vendedora Paula Pivetta, 23 anos.
Um dos vizinhos do local onde Rodrigo Dias da Silveira, 23 anos, Tomas William dos Santos Pinto, 18 anos, e Matheus Ferreira Correia, 18 anos, foram assassinados na madrugada de sábado, o comerciante João Ferreira dos Santos, 76 anos, vê da grade do seu armazém a transformação entre os bairros Barnabé e São Geraldo, de classe média.
— Cada vez mais a gente vê essa gurizada morrendo. Dessa vez, esses que mataram parece que nem eram aqui do bairro. Para nós, que estamos de fora dessa guerra, só resta fechar as grades às 18h e tentar ficar atento a todo movimento — lamenta.
Fazem 50 anos que Santos trabalha no bairro. Desde segunda-feira, os moradores da região, mesmo os mais próximos da Avenida Dorival de Oliveira, relatam toque de recolher imposto por traficantes.