Daniel de Freitas G. Soares (*) e Cláudio Telöken (**)
Durante evento em Paris, em 1889, o fisiologista francês Charles Édouard Brown-Séquard publicou os resultados de um curioso experimento. Ao longo de semanas, aplicou nos próprios músculos um composto feito a partir de sêmen e testículos de animais.
Cientista mundialmente respeitado, aos 72 anos sentia-se cansado e improdutivo. Buscava, então, uma solução para "as devastadoras consequências do envelhecimento". Seu experimento resultou, segundo o próprio, em melhora na sua capacidade intelectual e na sua disposição geral, logo nos primeiros dias! Foi o pontapé inicial para diversos pesquisadores se dedicarem à descoberta deste novo "elixir da juventude" extraído dos testículos.
Apenas em 1935 a testosterona foi finalmente descoberta e produzida sinteticamente. Propagandas a descreviam como "mágica", que, além do efeito sexual, aumentava a força, afastava a fadiga, aliviava dores e restaurava a sanidade da meia-idade, levando homens esperançosos a lotarem consultórios médicos.
Para que serve a testosterona
Este hormônio, naturalmente produzido pelos testículos desde a puberdade, é importante para o bem-estar e necessário para o funcionamento do coração, da medula óssea, do cérebro, dos órgãos sexuais e para a manutenção dos músculos e dos ossos. No entanto, diferentemente do que ocorre com as mulheres após a menopausa, quando há uma diminuição abrupta e definitiva na produção de hormônios sexuais, a maior parte dos homens é capaz de manter seus níveis normais ao longo de toda a vida. Menos de 15% dos homens acima de 65 anos que apresentam sintomas supostamente atribuídos a deficiência hormonal têm, de fato, baixos níveis de testosterona.
Popularidade
Interessantemente, o consumo mundial de testosterona segue crescendo. Seus efeitos anabólicos aceleram o ganho muscular e a perda de gordura, tornando-a super popular não só entre homens maduros, mas também entre jovens saudáveis, atletas e mulheres, em busca de vantagens estéticas e de performance. Em academias, são frequentemente utilizadas em doses excessivamente altas e em criativas combinações com outras substâncias.
Sinais de uso abusivo
No entanto a "aparência saudável" pode esconder consequências graves. O uso prolongado ou em altas doses está associado a hipertrofia cardíaca, hipertensão, infarto, transtornos de comportamento, depressão, além de atrofia testicular, infertilidade, diminuição de libido e dificuldade de ereção. Os efeitos masculinizantes, como queda de cabelo, acne, engrossamento da voz e aumento do clitóris, costumam ser mais toleráveis, mas também sinalizam o uso abusivo.
Resolução do CFM
No último mês de abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, após uma forte mobilização de entidades médicas, resolução proibindo a prescrição de tratamentos hormonais com fins estéticos, de ganho de massa muscular ou de aumento de performance. Tratamento com testosterona deve ser, portanto, destinado exclusivamente a pacientes com deficiência hormonal comprovada.
O sonho do rejuvenescimento
A deficiência de testosterona se manifesta através de sintomas físicos, cognitivos e sexuais, às vezes pouco específicos. Logo, é preciso salientar que falta de energia e memória, diminuição de libido e irritabilidade, por exemplo, são comuns a outras condições médicas e comportamentais, como estresse, privação de sono, obesidade e sedentarismo. Nesses casos, quando a testosterona no sangue for normal, a terapia hormonal não resultará em ganho de vitalidade.
O sonho do rejuvenescimento fácil, porém, prospera. Após a descoberta da testosterona, diversos pesquisadores reproduziram o experimento de Brown-Séquard, concluindo que a quantidade de hormônio obtida através da prensa de testículos é irrisória, portanto incapaz de produzir qualquer efeito quando injetada no homem.
A melhora, na ocasião relatada com entusiasmo, não passou de efeito placebo. Mais uma promessa de juventude que acabou virando folclore.
(*) Médico urologista, Titular da Sociedade Brasileira de Urologia, coordenador do ambulatório de uro-oncologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
(**) Professor livre docente de urologia da UFCSPA, coordenador do Ambulatório de Andrologia da Santa Casa e membro titular da ASRM
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento", e agora foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pelo otorrinolaringologista Luiz Lavinsky. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.