Ives Cavalcante Passos (*) e Flávio Kapczinski (**)
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que menos da metade das pessoas com depressão no mundo têm acesso ao tratamento. Esse é um dado alarmante, sobretudo em países em desenvolvimento, como o nosso, onde a prevalência de depressão está em torno de 15%.
Apesar de termos avançado nas últimas décadas, ainda há muitos desafios no sentido de facilitar e democratizar o acesso aos cuidados em saúde mental. Em virtude disso, novas plataforma digitais vem sendo desenvolvidas e ganhando espaço. O maior acesso à internet e o uso disseminado de smartphones apresentam um cenário de oportunidades para o uso dos aplicativos de smartphones e dos chatbots no campo da saúde mental. Esses temas foram abordados em um recente livro publicado por nosso grupo de pesquisa, intitulado Digital Mental Health: A Practitioner's Guide. O livro foi publicado pela editora Springer Nature.
Via aplicativos
As intervenções digitais em saúde mental por aplicativos de smartphones utilizam principalmente estratégias de automonitoramento e são baseadas em terapia cognitivo-comportamental, incluindo psicoeducação, estratégias comportamentais e mindfulness.
A Food and Drug Administration (FDA), agência de vigilância sanitária dos EUA, recentemente liberou a prescrição médica deles para doenças psiquiátricas, como o transtorno por uso de substâncias e a insônia. Além disso, um número crescente de estudos científicos mostrou a eficácia desse tipo de intervenção para transtornos ansiosos, depressivos e bipolares. Intervenções por aplicativos não substituem a consulta clínica, mas podem ser úteis em circunstâncias relacionadas ao baixo acesso aos serviços de saúde mental. Os aplicativos também auxiliam aqueles que já estão em atendimento clínico com estratégias complementares ao cuidado realizado pelo profissional de saúde.
Assistente virtual
Um outro tipo de abordagem digital também vem ganhando força na promoção da saúde mental: os chatbots. Um chatbot é um tipo de programa de computador que utiliza linguagem natural para conversar com as pessoas. É como se fosse um assistente virtual que pode responder a perguntas e fornecer informações. Eles oferecem uma abordagem prática e acessível para indivíduos que precisam de suporte emocional, permitindo que obtenham ajuda imediata, 24 horas por dia. Os chatbots também podem ser úteis para aqueles que preferem o anonimato ou que têm dificuldades em expressar suas emoções para outras pessoas. Além disso, o uso de chatbots assim como o de aplicativos de smartphones, podem ajudar a combater o estigma associado à doença psiquiátrica.
Como um chatbot baseado em uma das arquiteturas mais avançadas de linguagem natural, o ChatGPT chamou a atenção por suas respostas detalhadas e articuladas e pode desempenhar um papel na promoção da saúde mental. Ele pode ajudar as pessoas a expressar suas emoções, fornecer informações e suporte emocional, orientar o encaminhamento para profissionais de saúde mental, além de fornecer recursos e informações para a prevenção e cuidado da saúde mental.
Cautela e segurança
São tempos excitantes os que estamos vivenciando no campo da saúde mental digital, mas esses avanços devem ser realizados com cautela e segurança para que de fato possamos prover valor à comunidade e aos nossos pacientes. Além disso, é importante que fiquemos atentos a questões relacionadas à privacidade de dados, embasamento científico e usabilidade. Recentemente, a American Psychiatric Association publicou uma série de orientações sobre como avaliar um aplicativo para saúde mental levando esses aspectos em conta.
Com relação aos chatbots, eles não são uma alternativa à interação humana. A avaliação e tratamento dos transtornos de saúde mental, incluindo as situações de risco, como a ideação suicida, devem ser abordadas por profissionais de saúde mental qualificados. Além disso, alguns questionamentos têm sido levantados em relação à precisão das informações apresentadas no ChatGPT, que não foi desenvolvido para atuar especificamente no campo da saúde mental.
(*) Psiquiatra, professor da UFRGS e integrante do Programa Novos Talentos da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) e da Academia Nacional de Medicina
(**) Psiquiatra, professor da UFRGS e membro da ASRM e da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre ZH, GZH e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM). A estreia foi em março de 2022, com a reportagem "Câncer: do diagnóstico ao tratamento", e agora foi renovada para mais uma temporada. Uma vez por mês, o caderno Vida vai publicar conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos integrantes da entidade, que completou 30 anos em 2020 e atualmente conta com cerca de 90 membros e é presidida pelo otorrinolaringologista Luiz Lavinsky. De diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia etc), esses profissionais fazem parte do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação de Rogério Sarmento Leite e no qual são acompanhados por um tutor com larga experiência na área.