Apesar do diagnóstico causar impacto, especialistas garantem: o câncer, hoje, é muito mais fácil de curar do que foi no passado. Se nos anos 1970 apenas dois entre cinco pacientes conseguiam sobreviver, o avanço dos tratamentos e até a detecção precoce da doença reverteram o cenário.
Agora, duas em cada três pessoas estarão vivas e bem, informa o médico oncologista André Borba Reiriz, professor de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e diretor de ensino do Hospital Geral de Caxias do Sul e integrante da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM).
— Nossa estimativa é de que até metade dos pacientes vão atingir a cura. Já temos tratamentos disponíveis para isso — garante Reiriz, que há 22 anos lida com pacientes oncológicos.
Mas é importante que as pessoas encarem a doença. Ela já é o principal problema de saúde pública no mundo e está entre as quatro principais causas de morte prematura, que ocorre antes dos 70 anos. No Brasil, dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que, para o triênio 2020-2022, devem ocorrer 625 mil novos casos, incluindo o câncer de pele não melanoma, considerado menos grave. É uma taxa de incidência de 293,9 casos para 100 mil habitantes.
Hoje, o leque de possibilidades faz com que nosso discurso com os pacientes seja muito mais promissor. É possível conviver com o câncer como uma doença crônica.
ANDRÉ BORBA REIRIZ
Oncologista, professor de Medicina da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e integrante do Programa Novos Talentos da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)
Ao ganharem as redes sociais, campanhas como Outubro Rosa, que alerta para o câncer de mama, e Novembro Azul, que informa sobre o câncer de próstata, tiram a doença do escopo do consultório e ajudam a difundir as informações necessárias, estimulando a população a marcar uma consulta médica.
Fazer visitas regulares ao médico e procurar realizar exames periódicos é uma postura fundamental para que o câncer seja reconhecido antes que chegue a um estágio avançado. Mamografia, colonoscopia, tomografia do tórax, preventivo de colo de útero, conhecido como Papanicolau, entre outros procedimentos importantes para o diagnóstico, devem ser feitos sem temor.
O empecilho, diz Reiriz, é a resistência das pessoas, que evitam se submeter ao escrutínio das novas tecnologias justamente porque não querem descobrir nada que possa ser desagradável.
— Elas entendem que, ao realizar esses exames, estão se aproximando de uma ameaça de morte. Quando, na verdade, o grande risco que se corre é o de encontrar soluções e tratamentos menos agressivos — observa o médico.
Colega de Reiriz no Hospital Geral de Caxias do Sul e seu tutor no Programa Novos Talentos da Academia Rio-Grandense de Medicina, o cirurgião torácico Darcy Ribeiro Pinto Filho, professor de cirurgia da UCS, é um especialista em câncer de pulmão, doença que tem uma estreita relação com o tabagismo. São casos que envolvem dependência química, o que dificulta o enfrentamento da doença.
— As pessoas negam os sintomas, não querem ir adiante na investigação do câncer, porque não querem perder o benefício que o cigarro traz — diz Darcy.
A hora da verdade
Receber a notícia do câncer pode ser o pior momento da vida de alguém. Planos com a família, objetivos profissionais, a viagem que estava marcada — bate o medo de ter que interromper a conquista de alguns sonhos para iniciar uma etapa que pode ser dramática.
— Para a imensa maioria das pessoas, o diagnóstico é algo desestruturante. Normalmente, elas dizem: “Perdi meu chão”. Porque não sabem quais são suas perspectivas de vida, como vão poder seguir com o planejamento familiar, profissional e financeiro — diz Reiriz.
É nessa hora que o médico precisa mostrar-se atento e disponível para explicar os tipos de tratamento e as formas de combate ao câncer. Tudo deve ser deixado às claras, para que o paciente se sinta confortável e de fato amparado.
— Se a gente disser simplesmente que o remédio é A, B ou C, não vai resolver — afirma o oncologista.
Na avaliação de Reiriz, o paciente só vai buscar uma segunda opinião se, na consulta com o primeiro médico, suas dúvidas não tiverem sido sanadas. Quando recebe detalhes do que será feito, sabendo dos cenários positivos e até negativos, a pessoa tende a sentir que está em boas mãos e que pode iniciar de forma segura o tratamento.
Casos fora da curva existem, mas, no geral, morre de câncer quem está chegando tarde para o tratamento.
DARCY RIBEIRO PINTO FILHO
Cirurgião torácico do Hospital Geral de Caxias do Sul e membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM)
Nessa etapa, familiares, amigos e colegas de trabalho também vão querer ajudar. Ter uma rede de apoio é importante, mas é preciso que os envolvidos adotem uma postura adequada. No intuito de ser prestativo, é comum querer dizer ao paciente o que fazer, como pensar, o que sentir.
O caminho é outro: dar o ombro, em vez de rodeá-lo com uma série de estratégias.
— Impor coisas para o paciente é um comportamento a que muitos recorrem. Costuma ser na melhor das intenções, mas a gente precisa entender que um paciente com diagnóstico de câncer carece da presença e da disponibilidade de quem se importa com ele, mas também quer que seja dado tempo para que ele elabore o diagnóstico. Quem sabe ali na frente, quando tiver elaborado melhor a notícia, a pessoa se abra para outros tipos de auxílio — diz Reiriz.
Outro comportamento que deve ser evitado é o de preservar a pessoa de assuntos mais delicados. Não se deve tratar um paciente diagnosticado com câncer como alguém incapaz de lidar com a vida.
Após o diagnóstico, dois caminhos costumam se abrir: se for necessário retirar o tumor o quanto antes, a pessoa será encaminhada a um cirurgião com especialidade em oncologia. Se não, deverá seguir com um especialista que vai analisar o tratamento mais adequado.
É importante, frisa Reiriz, ter agilidade para executar o que o médico solicitou na hora do diagnóstico. No Sistema Único de Saúde (SUS), os pacientes devem ser atendidos em um intervalo que não ultrapasse o prazo de 60 dias, isso para que as chances de cura não fiquem comprometidas.
Os tratamentos costumam ser os seguintes: a retirada completada do tumor, procedimento bastante comum, já que a maior parte dos casos é de câncer de pele, resolvido com cirurgia; a radioterapia, que causa danos ao tumor por meio da radiação, e que também pode ser complementar à cirurgia; e a quimioterapia, que consiste na administração de remédios com poder de destruir as células cancerígenas que estão proliferando rapidamente, mesmo de forma não visível. Também existe a terapia-alvo, que atua contra defeitos específicos do tumor, provocando menos danos às células saudáveis.
Mas há um tratamento considerado revolucionário: a imunoterapia. Diferentemente da quimioterapia, que age direto no tumor, tentando destruir suas células cancerígenas, o novo remédio ativa as células de defesa do paciente, e são elas que vão combater o câncer.
Segundo Reiriz, a imunoterapia causou forte impacto porque foi capaz de curar casos em estágio com metástase, quando o câncer começa a se espalhar para outros órgãos. A esperança aumenta porque o tratamento se mostrou efetivo nos mais variados tipos da doença:
— Esse remédio faz acordar as células de defesa do paciente. É elas que vão combater o câncer. Esse método de despertar o sistema imunológico da pessoa permitiu uma revolução na oncologia: doenças em que a sobrevida era muito curta, como melanoma, câncer de pulmão, câncer de rim, vemos pessoas vivendo por anos com a perspectiva da cura.
Com o avanço da ciência, as perspectivas de um paciente com câncer vão além do “vou me curar” e “vou morrer”: agora, existe a possibilidade de tocar a vida normalmente, muitas vezes por anos, com a administração de remédios. É um cenário muito mais otimista do que décadas atrás, garante Reiriz.
— O leque de possibilidades faz com que nosso discurso com os pacientes seja muito mais promissor. É possível conviver com o câncer como uma doença crônica — diz o médico.
O cirurgião torácico Darcy Ribeiro Pinto Filho viu essa mudança acontecer ao longo de 30 anos de atendimento a pacientes oncológicos. No início, se o câncer tinha o estigma de incurável, de sentença de morte, hoje é possível encará-lo com mais confiança, e inclusive dizer que só corre risco de vida quem não fizer o diagnóstico precoce:
— Casos fora da curva existem, mas, no geral, morre quem está chegando tarde para o tratamento.