Imagine que todos os habitantes da Região Sul e do Estado de São Paulo, juntos, não podem enxergar. É mais ou menos esse o tamanho da população cega em todo o mundo, em 2021, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para evitar que esses quase 76 milhões de pessoas cresçam ainda mais, em 10 de julho é celebrado o Dia Mundial da Saúde Ocular, data que se propõe a chamar a atenção para os cuidados a tomar com os olhos, minimizando os riscos de perda parcial ou total da visão.
— Nos relacionamos com o mundo exterior pelos cinco sentidos, mas 85% do que recebemos é pela visão. Notamos que as pessoas só percebem a importância dela quando falta. Portanto, essa data serve para que possamos lembrar que os cuidados são fundamentais para o nosso relacionamento com o mundo — argumenta Fausto Stangler, oftalmologista do Hospital Banco de Olhos (HBO) de Porto Alegre.
Confira, a seguir, um guia da saúde ocular:
A cegueira
A cegueira legal, conforme definição da OMS, ocorre quando o indivíduo tem uma acuidade visual de 20/400 ou menos, o que representa uma visão de 1/20 ( um vigésimo) do normal com correção, ou tem campo visual restrito a 10 graus de amplitude. Acima disso, até visão de 20/70 (cerca de um terço da visão normal) ou campo visual limitado a 20 graus de amplitude considera-se como visão subnormal, explica o presidente da Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul (Sorigs), Marcos Brunstein.
A cegueira pode ser total, quando a pessoa não enxerga nada, ou funcional, no momento em que a visão é tão baixa que não permite o indivíduo exercer suas atividades. No país, a população estimada de cegos é de mais de 1,5 milhão, ou 0,75% dos cidadão, de acordo com o guia As Condições de Saúde Ocular no Brasil 2019, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).
Causas
A principal causa de cegueira reversível é a catarata, com 51% dos casos. Aqui no país, afeta 30% das pessoas acima de 60 anos. Surgem cerca de 550 mil novos casos por ano.
A cegueira irreversível é provocada, na maioria dos casos, pelo glaucoma, que afeta de 2% a 3% da população acima de 40 anos. Estima-se que haja um milhão de brasileiros com glaucoma.
A DMRI, degeneração macular relacionada à idade, é outra importante causa de baixa visão e cegueira no mundo, apresentando maior incidência nos países do hemisfério norte. Soma-se à lista a retinopatia diabética, que tem maior incidência em países menos desenvolvidos.
— A principal forma de cegueira de origem infecciosa no mundo chama-se trachoma e é causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, mais encontrada quando piores são as condições sanitárias. Sendo assim, é a principal causa de cegueira passível de prevenção no planeta. A OMS acredita que existam 5,5 milhões de cegos em razão dessa doença — diz o presidente da Sorigs.
E a deficiência visual?
Ocorre quando a visão é abaixo de 2/3 do normal. As corrigíveis mais comuns são miopia, astigmatismo e hipermetropia.
Problemas mais comuns*
Existem mais de 3 mil doenças oculares registradas. Muitas delas, silenciosas. Problemas de grau podem vir acompanhados de vários outros males, portanto, consultas para revisões preventivas ou prescrição de óculos são grandes oportunidades para que um exame completo, realizado pelo médico oftalmologista, possa identificar doenças tratáveis a fim de preservar sua saúde visual.
Catarata
- O que é: quando a lente interna dos olhos, o cristalino, fica opaca, deixando a visão embaçada.
- Causas: geralmente, tem relação com o envelhecimento dessa estrutura, porém, pode ocorrer de forma congênita em crianças expostas a infecções na gestação como toxoplasmose, sífilis e rubéola. Também pode ser provocada pelo diabetes, inflamações intraoculares ou uso de determinadas medicações.
- Tratamento: cirúrgico, no qual a lente opaca é trocada por uma artificial.
- Evite: tabagismo e consumo excessivo de álcool. Não se exponha ao sol sem óculos de proteção UV.
Conjuntivite
- O que é: toda inflamação da membrana que reveste a área branca dos olhos e a face interna das pálpebras. Pode ser infecciosa ou não-infecciosa.
- Causas: na maioria dos casos, é provocada por vírus, bactérias e, mais raramente, por fungos. A viral é a mais transmissível entre pessoas. As não infecciosas podem ter origem alérgica (exposição ao pólen ou ácaros, por exemplo), química (em decorrência da não proteção dos olhos ao mexer com produtos químicos) e autoimune.
- Tratamento: o tratamento é individualizado a cada caso, sendo normalmente prescritos antimicrobianos, anti-inflamatórios e lubrificantes.
- Evite: tocar nos olhos com a mão não lavada e não compartilhe toalhas de rosto e travesseiros com pessoas contaminadas, usar proteção ocular ao manipular produtos químicos, trocar e lavar com frequência roupas de cama, cortinas e evitar carpetes.
DMRI
- O que é: a degeneração macular relacionada à idade é o envelhecimento e falência de células da área central da retina, chamada mácula. Os principais indícios são falhas na visão dos detalhes.
- Causas: tem origem, principalmente, genética, sendo mais comum em pessoas de raça branca. Além disso, alimentação pobre em carotenoides, exposição excessiva aos raios UV, tabagismo e sedentarismo podem ter impacto na doença.
- Tratamento: normalmente, é feita a suplementação de carotenoides (luteína e zeaxantina) e minerais antioxidantes; proteção UV com óculos e nos casos de hemorragias e edema na retina, com aplicação intraocular de medicações. Também existe um tratamento com injeções intraoculares.
Glaucoma
- O que é: perda gradativa das fibras do nervo óptico que reduz, progressivamente, o campo visual. Casos mais graves e não tratados resultam na perda total e irreversível da visão. "É uma doença traiçoeira, que não se manifesta até estar bem avançada", diz Fausto Stangler.
- Causas: principal fator de risco é a pressão intraocular. Tem origem, principalmente genética. Pessoas afrodescendentes costumam ter casos mais graves.
- Tratamento: é feito com medicamentos, a maioria em forma de colírios, a fim de controlar a pressão. Casos de difícil controle podem exigir procedimento cirúrgico.
- Previna: a melhor prevenção é consultar um oftalmologista regularmente, especialmente após os 40 anos.
Olho seco
- O que é: redução de quantidade ou qualidade da lágrima.
- Causas: multifatoriais. Pode ocorrer por doenças autoimunes que afetem as glândulas lacrimais, problemas nutricionais, desidratação, doenças na superfície ocular, inflamações palpebrais, piscar incompleto, exposição excessiva às telas e a ambientes fechados com ar-condicionado.
- Tratamento: é personalizado para cada caso e gravidade. Pode-se usar colírios lubrificantes, antibióticos, alguns procedimentos cirúrgicos e, mais recentemente, aplicação de luz pulsada sobre as glândulas sebáceas palpebrais.
Terçol
- O que é: infecção das glândulas palpebrais produtoras da oleosidade da lágrima, cujas saídas são poros localizados logo atrás dos cílios.
- Causas: falta de higiene palpebral, excesso de oleosidade, maquiagem sobre os poros, trauma causado pelo ato de coçar.
- Tratamento: compressas mornas, higiene local e medicamentos prescritos pelo oftalmologista.
- Evite: coçar as pálpebras, aplicar maquiagem atrás da linha dos cílios.
Uveíte
- O que é: são doenças inflamatórias intraoculares.
- Causas: relacionadas a causas infecciosas (toxoplasmose, sífilis e tuberculose, por exemplo) ou inflamatórias autoimunes (artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, psoríase, entre outras). Pode acarretar catarata, glaucoma e também descolamento e cicatrizes na retina.
- Tratamento: com medicamentos anti-inflamatórios corticoides, antibióticos, imunossupressores e hipotensores oculares adequados a cada diagnóstico.
* Fontes: Marcos Brunstein, presidente da Sorigs, e Fausto Stangler, oftalmologista do HBO de Porto Alegre
Os erros/vícios de refração
Para compreender o que são os erros/vícios de refração, é preciso entender minimamente a estrutura do olho humano. Nossos olhos têm duas lentes naturais. A mais externa, à frente da íris (colorido do olho), chama-se córnea, e a mais interna, atrás da íris, é o cristalino. No fundo do olho, fica a retina, região responsável por transformar estímulos luminosos em estímulos nervosos, que vão, a grosso modo, ser convertidos em imagens.
Os vícios de refração, esclarece o oftalmologista Fausto Stangler, ocorrem basicamente pelo desequilíbrio entre o comprimento do globo ocular e os graus de suas lentes naturais. Esses vícios/erros são: miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia.
— Se o olho é muito grande, gera dificuldade para ver de longe, o que é a miopia. O olho pequeno acarreta dificuldade para enxergar de perto, a chamada hipermetropia. Há quem diga que tem miopia e hipermetropia, mas elas são lados opostos de uma mesma moeda, ou seja, não podem aparecer ao mesmo tempo — ensina o médico do HBO.
- Miopia: prejudica a visão para longe, especialmente em razão do crescimento exagerado do globo ocular.
- Hipermetropia: reduz a visão para perto , especialmente, em razão do globo ocular menor que o ideal;
- Astigmatismo: ocorre quando as lentes naturais, especialmente a córnea, têm curvaturas desiguais em suas superfícies, gerando dificuldades visuais para qualquer distância.
- Presbiopia: perda progressiva da capacidade de acomodar o foco para a visão de perto, mesmo sem a presença de erros de refração prévios. Ocorre em todas as pessoas após os 40 anos.
O efeito da pandemia
A pandemia de coronavírus provocou o afastamento compulsório do convívio social e também trouxe mudanças para a rotina de trabalho e de estudos. Parte desse processo de distanciamento foi observado nos consultórios médicos, onde as consultas de rotina ou de acompanhamento de doenças crônicas caíram notavelmente.
Sérgio Fernandes, 1º secretário da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), destaca que um dos aspectos mais preocupantes foi a interrupção de tratamentos, sobretudo do glaucoma, no qual o paciente precisa visitar o médico até quatro vezes ao ano.
— São pessoas que deveriam fazer exames, mas, com receio de estar em locais com muita gente, se afastaram do tratamento. O abandono pode levar a pessoa com o glaucoma controlado a ter uma doença descontrolada sem que ela perceba. É um problema que exige vigilância — afirma Fernandes.
Fora isso, o dia a dia em frente às telas aumentou as queixas de desconforto ocular por olho seco e ardência, após o uso dos eletrônicos (leia mais logo abaixo).
Dados do Conselho Brasileiro de Oftalmologia revelam queda de 27% no total de exames diagnósticos de glaucoma durante a pandemia. Segundo estimativas, as cirurgias para tratar a doença também foram impactadas: ao menos 6,7 mil deixaram de ser realizadas em 2020. No Rio Grande do Sul, a redução foi de 41%.
— Um dos grandes desafios no diagnóstico do glaucoma é que nem sempre apresenta sintomas. Por isso, alertar sobre o assunto é sempre muito importante e buscar um oftalmologista para examinar os olhos é fundamental — destaca José Beniz Neto, presidente do CBO.
O efeito das telas
Com a adoção de trabalho e aulas remotas, o uso de computadores e celulares aumentou consideravelmente. O problema, segundo Sérgio Fernandes, secretário da SBO, é que a exposição a esses equipamentos por tempo prolongado prejudica os olhos. Além do olho seco, provocado pela diminuição no piscar, a utilização excessiva desses dispositivos pode induzir o desenvolvimento de miopia, especialmente em crianças, adolescentes e adultos jovens.
— Normalmente, nós piscamos de 18 a 19 vezes por minuto. Porém, em frente às telas, esse número cai pela metade, para oito a nove vezes por minuto. Daí a origem das reclamações de olho seco, cansaço e ardência — observa Sérgio Fernandes.
Portanto, a recomendação é fazer um intervalo de três a cinco minutos a cada uma hora e meia em frente aos equipamentos e atentar para as crianças:
— Recomendo que elas usem, no máximo, duas horas pela manhã e outras duas à tarde. Nem sempre é possível, pois as aulas levam quatro horas seguidas, mas, então, que a diversão dessas crianças após essas atividades não seja com tablet ou televisão. Isso é um fator de indução à miopia bem importante.