Dramático, o aumento no número de casos de miopia em todo o mundo tem preocupado oftalmologistas. Uma faixa etária, em especial, é mais sensível a esse problema de visão – a criança que desenvolve cedo a dificuldade de enxergar de longe terá mais tempo de vida para a condição evoluir, expondo-se ao risco de doenças mais graves.
O tema foi discutido no 63º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, realizado no Rio de Janeiro, em setembro. Milton Ruiz Alves, membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, respondeu a algumas das principais dúvidas sobre o assunto e chamou a atenção dos pais:
— Toda prevenção deve estar voltada para o momento em que a criança não apresenta miopia. A miopia que surge mais cedo pode determinar alterações graves, levando até mesmo à cegueira.
Por que tem aumentado o número de casos de miopia entre os jovens?
De maneira geral, há um consenso de que existem influências genética, do meio e de comportamento. Estima-se que a genética seja a responsável por 70% dos casos – quando o paciente têm pais míopes ou algum parente próximo com miopia. Entretanto, é possível notar uma alteração importante em relação ao comportamento que tem contribuído para o surgimento de novos casos. Por exemplo, o excesso do uso dos smartphones desde a infância e a falta de atividades ao ar livre.
É possível falar que está ocorrendo o aumento de miopia em outras faixas etárias também?
A miopia acontece quando o olho cresce mais do que o normal. Começa a aparecer na infância, entre os oito e os 12 anos de idade, que é quando o olho está em desenvolvimento. Mas também pode acometer outras idades, como jovens adultos entre 18 e 21 anos. Nessa época, o olho já deveria ter parado de crescer. Chamamos de miopia de aparecimento tardio. A miopia em pessoas nessa faixa etária está relacionada ao excesso de uso de telas digitais. Entretanto, a miopia de aparecimento tardio não tem a mesma importância em saúde pública daquelas que aparecem em crianças, pois a que surge mais cedo pode determinar alterações graves, levando até mesmo à cegueira, que é o que já está acontecendo no mundo. Hoje, no Japão e em outros países do Leste Asiático, a miopia já é considerada a causa número 1 de cegueira no adulto, devido ao surgimento na infância e à progressão para a vida adulta.
Hoje, no Japão e em vários países do Leste Asiático, a miopia já é considerada a causa número 1 de cegueira no adulto, devido ao surgimento na infância e à progressão para a vida adulta.
MILTON RUIZ ALVES
Oftalmologista
Que práticas devem ser estimuladas para evitar a miopia?
Há duas formas bem distintas que podem colaborar para diminuir ou retardar o aparecimento. Uma é a exposição à luz solar, atividades externas. As escolas asiáticas têm hoje paredes de vidro para que entre mais luz. Dentro de casa também tem de se melhorar a iluminação, pois ela provoca a secreção de um hormônio na retina, a dopamina, que impede o crescimento excessivo dos olhos. Outra forma é praticar atividades externas desde cedo, duas horas diárias, e diminuir drasticamente o acesso às telas digitais. Até um ou dois anos de idade, o acesso às telas deve ser zero. Aos dois, três anos, uma hora, com supervisão. E aí entram as atividades escolares de pouco tempo. Ainda assim, não é estimular o uso de telas digitais para isso. Essas telas também emitem uma luz azul, e alguns estudos assinalam que este tipo de luz pode colaborar para o aumento da miopia, mas ainda há muita controvérsia. Aparentemente, as crianças asiáticas, que ficam dois períodos na escola, voltam para casa e vão fazer a lição usando uma luminária com luz LED, ficam mais míopes do que as que usam outro tipo de iluminação, segundo alguns estudos. Um tipo de iluminação que desapareceu é a luz incandescente. Então, a iluminação LED está em todas as telas digitais, na tela da televisão e, às vezes, na luz interna. A Agência Nacional de Saúde e Alimentação francesa lançou um documento sobre cuidados em relação à criança exposta à luz LED, sugerindo que berçários e hospitais não tivessem essa iluminação porque existe a possibilidade de influência no crescimento ocular. Toda atividade de prevenção deve estar voltada para o momento em que a criança não apresenta miopia. Quanto mais cedo a miopia aparecer, mais tempo terá de evolução.
Pode-se dizer que há uma epidemia global de miopia?
Uma epidemia global é um termo muito doce e sereno. O correto é pandemia, é mais do que epidemia. Se considerarmos o Leste Europeu e o Leste Asiático e voltarmos um século atrás, a prevalência de miopia era da ordem de 20%, 30%. Hoje esse número é de 96%. Houve um aumento de três vezes. Estamos falando de metade da população mundial míope em pouco tempo. Não estamos falando só de custos – óculos, exames –, mas também que os olhos que se tornam míopes têm mais glaucoma, uma das principais causas de cegueira irrecuperáveis. Estamos falando de mais catarata, mais descolamento de retina, de uma degeneração miópica, da alta miopia, que esses olhos também têm. O olho míope é um olho doente. Quando falamos de controle da progressão da miopia, estamos falando de prevenção de alta miopia, glaucoma, catarata, descolamento de retina, prevenção de corioretinopatia miópica. Tenho a impressão de que o Brasil hoje equivale, mais ou menos, à década de 1930 desses países. Hoje, entre nós, acende uma luz amarela. Se temos de tomar alguma atitude, tem que ser agora, olhando para a criança pré-escolar e escolar, porque é essa que vai ser a alta míope daqui a 10, 15, 20 anos e vai perder a visão aos 50, 60 anos. Será uma cegueira induzida por complicações da miopia.
Com que idade deve ser feita a primeira consulta oftalmológica?
Logo quando a criança nasce, com o teste do olhinho, obrigatório na rede pública, que pode ajudar a identificar se a criança nasceu com algum problema, como a catarata. Orientamos que os pais procurem um oftalmologista quando seus filhos chegam aos três ou quatro anos e, depois, façam um exame oftalmológico quando começa a alfabetização. Caso os pais percebam algo – qualquer tipo de movimentação diferente, como um olho mais torto do que o outro –, é preciso buscar orientação médica imediata. Principalmente quando a criança apresentar um reflexo chamado “olho de gato”, caracterizado por uma mancha branca na pupila quando exposta à luz. A mancha se torna especialmente visível em fotografias com flash. Trata-se de uma alteração de transparência, ou do cristalino, que pode indicar um tumor maligno, o retinoblastoma.
Que sinais indicam que a criança ou o adolescente podem estar desenvolvendo miopia ou outros problemas de visão?
Até os três anos de idade, os graus vão variando e chegando ao que se chama de grau normal. O normal da criança é ser hipermétrope, ou seja, ter hipermetropia. Hipermetropia é um olho pequeno. A imagem do que ela está vendo é formada atrás dos olhos porque o olho é pequeno. A hipermetropia pequena não atrapalha a visão, não atrapalha o desempenho escolar. Se a hipermetropia for muito grande, pode atrapalhar a visão e o desenvolvimento e fazer com que o olho entorte. Então, criança que tem desvio dos olhos e dificuldade de aprendizado ou não mostra interesse na leitura e na escrita precisa ter avaliação. Os míopes se aproximam das coisas quando não conseguem enxergar de longe, levantam-se e vão para perto do quadro-negro, franzem a testa – são sinais de que está faltando a visão. Já com o hipermétrope é um pouco mais difícil (perceber). Se perde um pouco de interesse, tem sonolência ou desconforto visual e dor de cabeça, pode ser sinal de hipermetropia. Se for uma hipermetropia um pouco maior, precisa de correção para ter um bom rendimento escolar.