Astrid Müller Ribeiro, Ian Nathasje e Siana Pessin Cerri (*)
Uma pandemia tão prolongada desperta mais fortemente sentimentos de incerteza e de temor para com o futuro. O medo da morte, o isolamento social, as perdas econômicas e de entes queridos agravam os sentimentos de desvalia e de insegurança, gerando sensações de desânimo e de desesperança. As dores e angústias vividas na atualidade encontram muitas vezes ressonâncias com aquelas dos primeiros tempos da nossa existência, tempos de nosso ser enquanto bebê ou criança. Alguns sentem-se mais desamparados e entram em profundo sofrimento. Outros, tendo uma estrutura interna mais fortalecida, conseguem lidar com resiliência e força criativa, inventando novas formas de viver em tempos difíceis e limitadores.
No dia a dia, as pessoas tendem a repetir atitudes e emoções sem se darem conta da relação com suas vivências infantis. Repetem com as impressões de seu infantil interno, tanto em seus aspectos bem sucedidos, quanto em seus aspectos traumáticos. O sujeito em tratamento analítico terá a escuta do infantil que o habita. Espaço de acolhimento do sofrimento da criança no adolescente e no adulto. Acessar as dores subjetivas e suas marcas, criando a dois novos significados e narrativas, é da essência do trabalho do analista com seu analisando.
Na pandemia, a angústia e o medo da morte estão muito acentuados e acionam nosso sistema de defesas frente às ameaças. Desconfiança, agressividade, irritabilidade, tristeza, insônia, tédio, vazio e desesperança são apenas alguns dos vários estados emocionais que podem surgir ou intensificar. Também pode-se negar a realidade e, em estados eufóricos, colocar-se em risco quanto ao vírus. Temer que outra pessoa faça mal, como no medo da contaminação, pode deixar a pessoa ainda mais isolada e sozinha.
O verbo "esperançar"
Desde o início da pandemia, em março de 2020, observamos que aumentou a demanda por consultas no Centro de Atendimento Psicanalítico da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (CAP - SBPdePA), com a busca de tratamento analítico. A intensificação do sofrimento individual, coletivo e social e as exigências de lockdown levaram os atendimentos para o formato online. A facilitação de acesso possibilitou uma maior procura por ajuda psíquica. Constatamos que o perfil das pessoas que vem procurando este serviço foi, em sua maioria, de mulheres, entre 30 a 40 anos, mas também crianças, adolescentes e casais. Por ser online, puderam chegar pacientes do nosso Estado, do Brasil e do Exterior.
O número de infectados e de mortes por covid segue aumentando, atingindo diretamente a saúde mental de todos. Este grande sofrimento nos faz questionar por onde anda a esperança. Torna-se importante manter a esperança de que tudo passará e de que a vida voltará a ser menos sofrida e mais livre. Manter, conforme Paulo Freire, o uso do verbo “esperançar”: “É preciso ter esperança, mas ter esperança no verbo esperançar… Esperança é se levantar, esperança é ir atrás, esperança é construir, esperança é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.
Nota-se que, para desenvolver esse sentimento, é necessário ter vivido esta experiência de superar desafios e de resolver problemas. As possibilidades de luta pela manutenção da vida já vêm desde a infância através das experiências familiares e do ambiente. Sempre precisaremos do outro para sobreviver e dar sentido à vida.
A busca de ajuda e a troca com o outro (familiar, vizinho, amigo, colega, analista e outros) são fundamentais para manter a melhor saúde psíquica possível, principalmente em períodos tão desafiadores como o que estamos vivendo.
(*) Respectivamente, psicanalista, psiquiatra e psicóloga da SBPdePA (Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA), fones 51-99252-2959 e 99237-5510