Mais do que nunca, a felicidade parece estar distante para muitas pessoas. Em 2020, o governo federal registrou recorde de concessões de auxílios-doença e aposentadorias por invalidez devido a transtornos mentais e comportamentais, como depressão e ansiedade.
Em meio ao luto coletivo vivido pela sociedade na atual pandemia, encontrar uma forma de fugir do medo e da tristeza torna-se desafiador. O segredo para ter uma vida mais feliz, porém, pode ser mais simples do que parece. Segundo a psicóloga e antropóloga norte-americana Susan Andrews, a felicidade está ligada aos bons relacionamentos que mantemos. Na entrevista a seguir, a pensadora relata que práticas como parar e apenas respirar por alguns minutos, entre os momentos de estresse, ajuda a deixar emoções como a raiva e o medo mais distantes e a combater a “pandemia secundária e silenciosa” – a dos problemas de saúde mental. Ela baseia seus ensinamentos em estudos como a ciência hedônica, que indica que a felicidade é uma habilidade que pode ser aprendida.
Susan, que tem 75 anos e mora há quase 30 anos no Brasil, é autora de 12 livros, incluindo A Ciência de Ser Feliz, O Stress a Seu Favor e Por uma Vida de Verdade. Formada na Universidade de Harvard (EUA), coordena o Instituto Visão Futuro, que fica em uma ecovila no interior de São Paulo. Durante a pandemia, o grupo tem espalhado “ilhas de pausa” em projetos voluntários nas universidades, nos quais os alunos são capacitados para ensinar a pessoas que sofram de ansiedade e depressão exercícios de respiração, relaxamento e meditação.
A psicóloga estará no segundo dia de programação do Conecta Saúde, que ocorrerá nos próximos dias 21, 22 e 23. Promovido pelo Serviço Social da Indústria do Rio Grande do Sul (Sesi-RS), o evento será online e gratuito, abordando temáticas relativas à saúde no ambiente de trabalho. O dia 22 será destinado a painéis sobre saúde mental. Susan ministrará a palestra Gerenciamento do Estresse e Equilíbrio Emocional. Além dela, nomes como o médico Drauzio Varella e o economista Ricardo Amorim, entre outros também estarão presentes. Veja mais informações sobre os painelistas e as inscrições ao final da entrevista.
De que forma o medo age no nosso corpo?
Essa é uma questão muito pertinente, uma vez que organizações mundiais de saúde declaram estar ocorrendo agora uma “pandemia secundária e silenciosa” de problemas de saúde mental. Medo e ansiedade são prevalentes na sociedade, e, com o tempo, esses sentimentos negativos são muito prejudiciais à nossa saúde. Estresse de longo prazo mobiliza uma alta secreção do hormônio cortisol, das glândulas suprarrenais, que em excesso torna-se tóxico no corpo e suprime o sistema imunológico. O cortisol inibe as células “assassinas naturais”, a linha de defesa do nosso organismo contra vírus e bactérias. E não só o medo e o estresse, mas também a raiva é tóxica para o nosso organismo. As pessoas irritadas e agressivas – aquelas que os cardiologistas chamam de “personalidade do tipo A” – secretam um excesso de cortisol e, segundo o cardiologista Redford Williams, da Universidade de Duke (EUA), têm uma probabilidade cinco vezes maior de morrer antes dos 50 anos. Como Williams diz, “a raiva mata”. Mas, além disso, a secreção excessiva do cortisol a longo prazo pode matar até 25% dos neurônios do hipocampo, a parte do cérebro responsável pela memória e pelo aprendizado. Por isso, quando estamos muito estressados e ansiosos, ficamos confusos, distraídos e esquecidos. Grande parte da perda de memória que as pessoas normalmente relacionam ao envelhecimento pode ser causada pelo banho tóxico do cortisol no cérebro.
Como lidar com o medo em um momento de pandemia, tão propenso a esse sentimento?
De fato, os múltiplos estressores aos quais estamos submetidos atualmente podem se tornar uma oportunidade proativa para a nossa própria transformação. Conforme diversos pesquisadores já aprenderam, ter dificuldades e desafios na vida é o segredo para maximizar nosso desenvolvimento pessoal e nossa produtividade. Como disse o psicólogo americano James Loehr, “a simples exposição ao estresse não tem impacto negativo – pelo contrário, é o mais poderoso estímulo ao crescimento pessoal”. O que nos desgasta é a resposta emocional que damos a esses eventos – e o estresse de longo prazo, sem pausas para a recuperação. O truque é contrabalançar a hiperativação do nosso organismo estressado com o relaxamento. Precisamos saber como “esfriar a cabeça” e “dar um tempo” rapidamente, até mesmo em meio àquelas situações extremamente estressantes das nossas vidas. Necessitamos de um tempo para nos restaurar entre os estressores. Uma das maneiras mais eficazes é simplesmente dar uma pausa por alguns minutos para respirar profundamente, relaxar o corpo e meditar por alguns minutos. Essas práticas simples e universais foram provadas cientificamente eficientes na diminuição da hiperativação do sistema nervoso agitada, na redução da secreção excessiva de cortisol e dos hormônios de estresse e em acalmar a mente.
Boas relações protegem nossa saúde mais do que remédios. Foi provado que pessoas com relações carinhosas sofrem menos dor física, são quatro vezes menos vulneráveis a pegar gripes e têm mais anos de vida.
Como fazer esse “balanceamento” na prática?
Nestes tempos cheios de desafios, todo mundo tem que fazer uma “mini-pausa” todos os dias para equilibrar sua própria bioquímica. Nosso organismo é uma via de mão dupla. O corpo afeta a mente, e a mente afeta o corpo. As pessoas tentam melhorar fazendo anos de terapia, mas, muitas vezes, se fizerem um mínimo de práticas diárias para transformar sua bioquímica, sua terapia será muito mais eficaz. Precisamos aprender como dar uma pausa entre os estressores. Em um experimento, ratos foram colocados numa jaula eletrificada e submetidos a choques moderados em intervalos aleatórios. Não havia necessidade de elevar os choques a um nível letal para matar os ratos. Depois de alguns dias desse estresse, os ratos morreram – de estresse. Mas, quando foi dado um certo tempo para que eles se recuperassem entre os choques, todos sobreviveram. E não apenas sobreviveram: seus pelos se tornaram mais vistosos e sua destreza nos labirintos aumentou consideravelmente. Precisamos aprender a criar “ilhas” de pausa, de tranquilidade e positividade, no meio do mar turbulento e estressante da vida atual, e não ser afeitados por essa “pandemia silenciosa” à qual me referi no início. O Instituto Visão Futuro, do qual sou a coordenadora, está espalhando essas “ilhas de pausa” em vários projetos voluntários de saúde mental nas universidades, capacitando jovens alunos para ensinar exercícios simples de respiração, relaxamento e meditação a outros alunos que estão sofrendo de ansiedade e depressão. Os resultados são impressionantes, conforme os depoimentos de alguns dos participantes: “Estou simplesmente encantado com todos exercícios”; “Finalmente consegui me acalmar bastante”; “Meus pensamentos estão fluindo normalmente, sua aceleração diminuiu muito”; “Percebi a importância de separar um momento só para mim e me concentrar na minha respiração – o quanto algo que parece simples pode afetar tantas coisas”; “Eu era muito ansiosa, mas, quando comecei a fazer a meditação com maior frequência, auxiliou bastante meu sono e meus problemas de saúde mental”; “É surreal esse momento, ainda estou bem nas nuvens. Não sabia que conseguia relaxar tanto...”. Logo, não precisamos tirar duas semanas de férias em um spa para acalmar nossas mentes e restaurar nosso equilíbrio emocional e nossa saúde integral – só precisamos dedicar alguns minutos a cada dia para ativar o que a Escola de Medicina de Harvard chama de “a resposta de relaxamento” – o oposto de estresse, ansiedade e medo. Precisamos aprender a usar o estresse a nosso favor.
Do que se trata a ciência hedônica, a ciência da felicidade?
O termo “ciência hedônica”, que foi cunhado pelo ganhador do Prêmio Nobel em economia Daniel Kahnemann, é algo muito diferente do que simplesmente hedonismo – a busca por prazer temporário. Felicidade significa a capacidade de suportar os infortúnios com equilíbrio e perspectiva, e isso às vezes significa confrontar nossos demônios internos para purifica-los. A palavra grega para “felicidade” é eudaimonia: “eu” significa “bem” e “daimon” se refere a uma “divindade ou espírito guardião”. Eudaimonia, portanto, significa literalmente alcançar um estado de sentir-se protegido e guiado por uma divindade benevolente. E isso, para os filósofos gregos como Aristóteles, é considerado o estado mais positivo da vida humana.
Obtemos maior prazer e sensação de bem-estar mais duradoura ao ajudarmos os outros do que ao comprar um vestido novo ou um carro zero. O que está acontecendo atualmente é um grande chamado por um despertar coletivo, para percebermos o valor daquilo que é de fato essencial.
Dinheiro traz felicidade?
Definitivamente não. O bombardeio do marketing nos martela com o mantra americano more is better (“mais é melhor”). Mais dinheiro, mais bens materiais e mais luxo, pressupõem mais felicidade. Mas esse é um grande mito que está causando uma infelicidade incalculável em nossa sociedade. O psicólogo Tim Kasser descobriu que existem dois tipos de motivações: extrínsecas e materialistas, por dinheiro, fama e status; e intrínsecas, por conexão com outros, altruísmo, e paz interior. Segundo a pesquisa de Kasser, pessoas com valores extrínsecos são mais ansiosas, irritadas e deprimidas, têm sono perturbado e relações interpessoais conflituosas. Essas pessoas são menos empáticas, menos altruístas, mais manipulativas e não se preocupam com a sustentabilidade do planeta. Então, definitivamente, mais não é melhor.
Mas o que então nos traz felicidade?
Creio que posso responder essa pergunta descrevendo o estudo mais longo sobre a vida adulta que já foi feito, O Estudo de Desenvolvimento Adulto, da Universidade de Harvard (EUA). Ao longo dos últimos 75 anos, especialistas têm conduzido uma enorme pesquisa sobre o que traz felicidade e bem-estar – um estudo com mais de 700 pessoas, que custou US$ 20 milhões. Quase todos os projetos desse tipo se encerram dentro de uma década, porque os pesquisadores abandonam o estudo ou morrem – ou o dinheiro para a pesquisa acaba. Mas, devido à persistência de várias gerações de pesquisadores, o estudo sobrevive. Os participantes foram observados desde a juventude, ano após ano, à medida que envelheciam, alguns até a faixa dos 90 anos. Alguns desses participantes eram alunos de Harvard, jovens que viviam vidas confortáveis e privilegiadas, e outros eram garotos dos bairros mais pobres da cidade, das famílias mais problemáticas e desfavorecidas, e viviam em locais precários. Os pesquisadores aplicaram questionários, tiraram o sangue dos participantes e escancearam seus cérebros. O que eles descobriram deve nos fazer pensar duas vezes. Será que a riqueza foi o fator determinante na sua saúde e felicidade? Não. Nem fama, nem um bom trabalho foram determinantes. O pesquisador Robert Waldinger disse: “A mensagem mais clara que tiramos desse estudo de 75 anos é esta: bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis. O bem-estar vem do amor que você sente pelas outras pessoas. Ponto final”. Boas relações protegem nossa saúde mais do que remédios, porque baixam o hormônio do estresse cortisol e fortalecem nosso sistema imunológico. Foi provado que pessoas com relações carinhosas sofrem menos dor física, são quatro vezes menos vulneráveis a pegar gripes ou resfriados e têm mais anos de vida, com menos deterioração no cérebro e melhor memória.
Quais habilidades são importantes de serem desenvolvidas por todos nós para enfrentarmos este momento difícil?
Uma das mais importantes atitudes é exercitar a gratidão. Essa crise está nos fazendo perceber a grande importância da nossa família e dos nossos amigos – cujo valor muitas vezes antes esquecemos – e que agora tanto apreciamos. Estamos percebendo dia após dia que aquilo que nos mantêm felizes e saudáveis – como comprovou a pesquisa de Harvard – são nossos bons relacionamentos, o carinho que sentimos por outras pessoas. E outra é o sentimento de altruísmo, que é uma das nossas mais poderosas fontes para o bem-estar e a felicidade. Um estudo com mais de 1,7 mil pessoas feito pelo Instituto para o Avanço da Saúde dos EUA concluiu que comportamentos e emoções altruístas produzem uma espécie de helper’s high (“barato de quem ajuda”), que alivia não somente a ansiedade e a depressão, mas também desordens relacionadas ao estresse, tais como enxaquecas, e até mesmo as dores que acompanham transtornos mais sérios como lúpus e esclerose múltipla. O serviço desinteressado, assim como os exercícios físicos, estimulam a produção de endorfinas, as substâncias corporais analgésicas. Os nossos próprios opiáceos naturais produzem prazerosas sensações que surgem por meio do altruísmo. Na verdade, obtemos um maior prazer e uma sensação de bem-estar mais duradoura ao ajudarmos os outros do que quando compramos um vestido novo ou um carro zero. No final das contas, acho que o que está acontecendo atualmente é um grande chamado por um despertar coletivo, uma enorme oportunidade para percebermos o valor daquilo que é de fato e realmente essencial para a humanidade, isto é, desfrutar de relacionamentos afetivos, ajudar os outros e encontrar harmonia e força dentro de nós – o “bem Supremo” da eudaimonia. Mas, acima de tudo, é um “campo de treinamento” para que possamos atingir aquele estado de ser ausente de medo, porque sabemos, em nosso coração que estamos sendo protegidos e guiados por um poder superior. Lembro-me das palavras do escritor Mark Twain, proferidas mais de um século atrás: “Não há tempo, tão curta é a vida, para discussões banais, desculpas, amarguras, tirar satisfações. Só há tempo para amar, e mesmo para isso, é só um instante”.
O evento
- Conecta Saúde é uma promoção do Sesi-RS, com diversas palestras a serem realizadas online nos dias 21, 22 e 23 deste mês. As inscrições são gratuitas para quem quiser assistir de qualquer lugar do Brasil e podem ser realizadas em sesiconectasaude.com.br.
- Susan Andrews é destaque no dia 22, dedicado à saúde mental e no qual também falam os psiquiatras Diogo Lara e Daniel de Barros e a psicóloga Carla Furtado.
- No dia 21, o tema é segurança e saúde no trabalho e os destaques são o economista Ricardo Amorim, o médico do trabalho Marcos Mendanha e o especialista em saúde pública Chia-Chia Chang. No dia 23, sob o tema “promoção da saúde”, os convidados são o médico e colunista de GZH Drauzio Varella, o futurista Tiago Mattos, o neurologista Pedro Schestatsky e o geriatra Emílio Moriguchi.