Quando tinha 13 anos, o hoje psiquiatra, psicoterapeuta, palestrante e escritor Nelio Tombini, de Porto Alegre, precisou suportar a dor de perder o pai, aos 47, e os dois tios paternos no mesmo dia, num acidente quando se deslocavam para os funerais do irmão. Quando fez 47 anos, buscou forças para superar um câncer. Aos 52, viu a mãe morrer num acidente de trânsito durante uma viagem ao litoral estimulada por ele. E apesar dos traumas, diz ter superado todas as dificuldades, aprendido e crescido com elas. Ele está com 72 anos e se considera um ser humano resiliente.
— Sempre aceitei as limitações que a vida me ofereceu. O resiliente tem a habilidade de reconhecer a dor que enfrenta, absorvê-la, elaborá-la, sem buscar vitimizar-se. Mas resiliência não é uma qualidade que a pessoa tem permanentemente, precisa ser trabalhada diariamente — ressalta Tombini.
Para o psiquiatra Vitor Calegaro, professor da Universidade Federal de Santa Maria e idealizador da iniciativa RESILIEIGHT, a resiliência é a capacidade que temos de nos adaptar a situações adversas que ocorrem na vida. É uma forma de enfrentar as situações e, depois de um tempo, conseguir manter um estado de equilíbrio. Ela pode ser compreendida de duas formas: como um processo dinâmico e como características da personalidade.
Calegaro destaca que equivoca-se quem acredita que a resiliência é a pessoa passar por uma situação difícil e voltar ao que era antes. O tempo não volta:
— Resiliência é uma adaptação que ocorre depois de determinado evento de estresse. O tempo para esta recuperação, a rigor, seria breve, de dias ou semanas. Mas é impossível prever, porque depende de cada pessoa. Há quem se recupere rápido, mesmo enfrentando uma adversidade grave. Outros demoram. Alguns nunca se recuperam. Há pessoas, inclusive, que mesmo em sofrimento podem ser resilientes. Neste caso, se elas não fossem, sofreriam ainda mais.
Os dois especialistas afirmam que todo o ser humano já nasce com certa capacidade de resiliência, que pode ser moldada e reforçada ao longo da vida. A mudança, o fortalecimento e o amadurecimento surgem conforme os eventos vão ocorrendo. E eles, fundamentalmente, apontam os psiquiatras, precisam provocar desconforto no indivíduo, trazer certo incômodo — nada em demasia. Se os eventos na vida são pouco estressantes, quem os enfrenta pode não amadurecer com essas experiências.
— Não tem como viver a vida sem estresses. Passaremos por eles e aprenderemos a lidar com eles. E, justamente, esse lidar é que ajudará no amadurecimento. Freud já dizia que a frustração dá origem ao pensamento. As frustrações ao longo da vida nos provocam e fazem com que a gente tenha que achar saídas e encontrar maneiras adaptativas para lidar com as situações. Isso é resiliência — justifica Calegaro.
Tombini alerta também para o que ele chama de "resiliência fake". São pessoas que aceitam submeter-se, são concordinas, passivas, assumem tarefa dos outros, são “pau para toda obra”, com o objetivo de serem queridas e levarem vantagens nos ambientes em que circulam.
— Estes sujeitos correm um risco de adoecerem emocionalmente, através de somatizações, como, dor de cabeça, insônia, dores nas costas, abatimento, desânimo, absenteísmo etc. O imaginário acusa a falsidade e a conta chega para o resiliente fake. Ser resiliente é ser verdadeiro, antes de tudo — salienta Tombini.
Durante a pandemia de coronavírus, Calegaro ensina que é possível trocar a palavra resiliência por manter o equilíbrio na vida. Isso envolve, por exemplo, não se desgastar em conversas longas ou discussões sobre temas que não serão resolvidos em grupos de redes sociais. Para ele, é preciso, desde já, desenvolver a aceitação da situação e a compreensão de que isso faz parte do momento de introspecção e de reclusão.
— É um tempo para cuidarmos mais do interno, da nossa vida, da nossa saúde e dos nossos familiares. Isso tudo passará e outro momento poderá ser frutífero para viagens e conquistas. Agora, é preciso aceitar e não ficar lutando contra. É aquela frase: "aceita que dói menos" — finaliza Calegaro.
Fique atento!
- De acordo com os especialistas, ser resiliente não significa apenas passar pelas experiências, sem vivê-las de fato. Um exemplo: ocorre uma situação séria e a pessoa não se abala. Isso não é considerado resiliência, mas resistência. A resistência é protetiva e a pessoa resistente não se modifica positivamente com as experiências. Conforme os especialistas, o ser humano precisa sentir o evento para conseguir ter um amadurecimento a partir do que acontece.
- Para ser uma pessoa resiliente é preciso, primeiramente, perceber o que estamos sentindo diante de uma situação traumática ou desagradável que foge ao nosso controle. Avaliar o que se passa no nosso entorno e tentar não se deixar impregnar com emoções ou palavras vomitadas sobre nós.
Os oito passos da resiliência
O RESILIEIGTH foi criado a partir da pesquisa COVIDPsiq, desenvolvido pela UFSM, que entrevistou mais de 3 mil pessoas durante a pandemia de coronavírus. É um programa de reforço da resiliência a fim de promover a saúde mental e prevenir transtornos mentais decorrentes de situações de estresse e trauma.
As recomendações são embasadas em diversos estudos sobre a resiliência em desastres, incluindo a experiência a partir do incêndio da boate Kiss, e são da tese de doutorado do psiquiatra Vitor Calegaro.
1) Mantenha o corpo sadio
Tenha hábitos saudáveis e pratique exercícios físicos. As pessoas que praticam exercícios tendem a ser mais resilientes. Consuma produtos naturais. Evite o consumo de substâncias, lícitas ou ilícitas. Não deixe de fazer os tratamentos médicos em razão da pandemia.
2) Respeite os seus ritmos
É preciso organizar a rotina, inclusive, para as atividades de lazer e para descanso. Temos os ritmos biológicos, como a alimentação, o sono, o ciclo menstrual e o sexo, que exigem determinado tempo para cada atividade. Também existem os ritmos sociais, como finais de semana e períodos de férias. Não se deve trocar a noite pelo dia, por exemplo.
3) Foque em emoções e pensamentos positivos – reconhecer as emoções
Pare. Relaxe. Contemple. Pode ser feito em qualquer lugar, basta estar atento ao que está ocorrendo no presente, dentro e fora de si. As nossas emoções colorem as experiências. Os pensamentos dão significado a elas. Foque nas emoções positivas. Lembre-se que tudo tem dois lados, procure ver o lado bom, mesmo nas experiências mais difíceis. Tudo passa. Evite as distorções de pensamentos: leitura mental ("eu sei o que estão pensando de mim"), generalização ("vai dar tudo errado, sempre"), catastrofização ("se eu pegar aquele avião, ele vai cair") e culpabilização ("foi tudo culpa minha").
4) Tenha um propósito de vida
Propósito é algo mais do que ter objetivos. Se ainda não há um propósito definido na vida, invente, tente, tenha sonhos e metas claras e realistas. Se errar, aceite os erros e procure acertar na próxima vez. Planeje e execute as ações porque ninguém fará por você. É preciso ter iniciativa e persistência.
5) Cultive relacionamentos saudáveis
É preciso ser tolerante e empático. Procure perceber as necessidades dos outros. Evite julgar. Conheça pessoas diferentes. Tenha compaixão e tolerância. Livre-se de relacionamentos tóxicos. Não se isole e amplie as suas relações.
6) Invista em recursos internos
Tenha uma mente limpa, ativa, atenta e preparada. Alimente o cérebro, desenvolva habilidades, evite a sobrecarga de informações, restrinja o uso do celular, limite o uso das redes sociais, invista em conhecimento e prepare-se para as adversidades da vida, mesmo que elas não ocorram.
7) Aceite e agradeça
Viva um dia depois do outro. Agradeça por quem você é, não se recrimine por não ser tão amado como gostaria, aceite os seus defeitos, mas conheça as suas qualidades, aceite o que não pode ser mudado e mude o que é possível. Você é único e especial. Em algum momento, é preciso aceitar e seguir adiante. O passado é uma memória, e do futuro nada sabemos. Viva o momento presente, que é o único que existe. Quando houver perdas, agradeça pelo que ainda tem.
8) Acredite
As crenças nos ajudam a dar sentido à vida e dão suporte, pois nem tudo é compreendido pela razão. Você pode ter fé numa religião, numa crença espiritual ou pessoal, e é preciso ter tolerância com as crenças diferentes. Cada um tem razão para acreditar. Ter uma crença dará força para suportar. Nem toda a crença ajuda, algumas até pioram a situação. Então, como saber se a sua fé te ajuda? Quando ela te dá paz.