Saúde

Saúde mental

Vida de Lucas ganhou novo ritmo depois da covid-19

Daquela experiência da internação, garante ter tirado lições, mas carrega também sequelas físicas e psicológicas

Aline Custódio

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Marco Favero / Agencia RBS
Lucas mudou a própria rotina para recuperar a saúde mental depois de ficar mais de um mês internado por conta da covid-19

O primeiro paciente a ser internado com covid-19 no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, viu a vida ganhar novo ritmo nos 12 meses mais recentes. Gerente financeiro, Lucas Santos, 31 anos, completará em 18 de março um ano desde que contraiu a doença. Daquela experiência, garante ter tirado lições, mas carrega também sequelas físicas e psicológicas.

Foram 45 dias internado, 33 deles em coma induzido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No período, teve uma parada cardiorrespiratória, uma trombose na virilha esquerda, 80% do pulmão comprometido e passou por cinco pronações (posição de bruços para aumentar a quantidade de oxigênio que entra nos pulmões) durante o tempo no qual esteve entubado.

Logo depois de deixar o hospital, dedicou-se por quatro meses a recuperar a capacidade física e mental para seguir em frente. Fez tratamento com osteopata, fisioterapeuta, fonoaudióloga, psiquiatra e psicólogo – deste profissionais, apenas a terapia já fazia parte da vida do rapaz antes da covid-19. A primeira consequência foi conseguir dispensar os medicamentos com os quais havia saído do hospital: antipsicótico, ansiolítico, anticoagulante (para tratar a trombose na virilha esquerda, ocorrida no coma) e metadona (opioide com eficácia analgésica).

Se antes da covid-19 ele dividia o tempo entre a academia, onde praticava musculação e jiu-jítsu, o trabalho e os relacionamentos passageiros, agora ele quer profundidade em tudo o que faz. Todos os dias, pratica 30 minutos de exercícios físicos em casa. Também abandonou alimentos industrializados e passou a consumir mais frutas e verduras. Garante estar aproveitando melhor a companhia das pessoas que gosta e acredita ter se tornado um melhor escutador. Antes ávido por redes sociais, desinstalou todas do celular. A navegação só ocorre de vez em quando. Desde setembro do ano passado, tem um novo hobby: colecionar plantas. Já tem nove no apartamento que divide com o cão Tobias, o melhor amigo, o primeiro a ter o nome lembrado quando abriu os olhos na UTI e que, há uma semana, foi tatuado na pele de Lucas.

Apesar das mudanças positivas no dia a dia, o gerente financeiro confessa ter ficado com fobia de doença. Certa vez, teve ardência na garganta e ficou levemente febril. Foi o suficiente para voltar a ficar ansioso.

Marco Favero / Agencia RBS
O cão Tobias, que já era um grande amigo, tornou-se ainda mais parceiro para Lucas e virou tauagem no braço do dono

— Fiquei com medo de estar com covid-19, quase um ataque de ansiedade. Me isolei por um dia. No dia seguinte, melhorei e voltei a trabalhar. Outra crise ocorreu quando tive uma dor de cabeça. Suei frio por cinco minutos. Parei de trabalhar e foquei na minha respiração. A crise passou e voltei ao ritmo de antes — conta.

Lucas revela ter reconhecido que, num momento de fragilidade, é possível ter pensamentos que não condizem com o que se é no dia a dia e que tirar qualquer conclusão naquele momento não é o caminho para ele.

— Para seguir a vida, tenho respeitado o meu próprio ritmo, mantendo o pensamento de que tudo vai passar e os fatos são só fatos. O que é bom ou ruim dependerá da minha interpretação sobre eles. O hospital foi uma experiência prática para mim — conta.

Outra sequela da covid-19, acredita Lucas, está no processo cognitivo.

Marco Favero / Agencia RBS
Depois que voltou do hospital, Lucas passou a colecionar plantas

— Não tenho como medir, mas senti que as atividades que antes desenvolvia rápido, agora preciso parar e pensar duas vezes. Por exemplo, interpretar um texto mais complexo, fazer um cálculo ou definir um processo novo no trabalho. Antes, pensava todas as etapas do processo de maneira ágil. Agora, preciso anotar e ir etapa por etapa. Estou bem indignado por me sentir atrasado. Tenho procurado fazer leituras difíceis e consumir um material mais denso para estimular o meu cérebro — explica.

Logo que deixou o hospital, ele aproveitou para rever familiares, visitar e receber amigos porque confiava na própria imunidade. Depois de alguns meses, voltou a recusar encontros pessoalmente. Sabia da possibilidade de ser reinfectado pela doença. Hoje, ele apenas vê a mãe, uma tia e uma prima. E está trabalhando em home office, enquanto o Estado seguir em bandeira preta.

Dos pontos positivos deste período, confidencia ter voltado a se apaixonar depois de nove anos. E se na entrevista anterior a GZH, em junho de 2020, Lucas havia dito que queria voltar a gerar lembranças, agora atualizou a frase:

— Hoje, o Lucas é aquele que gera lembranças.

 

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