Problema de saúde grave em qualquer idade, a obesidade é especialmente preocupante na infância – pode determinar, desde cedo, uma vida cercada de ameaças de doenças, pobreza nutricional e limitações, comprometendo todo o desenvolvimento, até a idade adulta.
O número crescente de crianças acima do peso motivou o governo federal a lançar a 1ª Campanha Nacional de Prevenção da Obesidade Infantil no último dia 13. Uma nova versão do Guia Alimentar Para Menores de 2 Anos, disponível gratuitamente na internet, também foi divulgada. O objetivo é conscientizar famílias e cuidadores sobre a importância de hábitos saudáveis desde o nascimento.
O cenário é alarmante. Entre crianças de até cinco anos, 15,9% estão acima do peso ideal. Alimentos ultraprocessados – produzidos com adição de sal, açúcar, óleos, gorduras e substâncias sintetizadas em laboratório –, diretamente associados ao aumento de peso, são os grandes vilões da alimentação saudável. De acordo com o Ministério da Saúde, o consumo desses produtos é cada vez mais precoce no país. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) de 2018 demonstram que praticamente a metade (49%) das crianças entre seis e 23 meses havia ingerido produtos desse tipo no dia anterior ao do levantamento. Quanto a bebidas adoçadas, na mesma faixa etária, um terço (33%) das crianças consumira algum produto desse tipo; o número dobrou no grupo dos cinco aos 10 anos: 68% das crianças tinham tomado algo com açúcar na véspera da pesquisa. Macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos estavam presentes na alimentação de 62% das crianças de cinco a 10 anos, no dia anterior ao da enquete, conforme o Sisvan.
A criança obesa vai virar um adulto obeso, e o adulto é mais difícil de manipular do que a criança. Todos precisam aprender a ter responsabilidade com a sua saúde. A obesidade é uma doença genética. Não tem excesso de peso quem quer, e sim quem pode, e isso facilita a perpetuação do problema. O obeso é um azarado com uma genética determinada.
MÁRIO KEHDI CARRA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA (ABESO)
Com inserções na TV e no rádio, outdoors, banners e cards para internet e anúncios em revistas, a campanha, que será veiculada até 31 de dezembro, está centrada em três pontos: promoção da alimentação adequada e saudável, mais atividade física e menos tempo de tela (televisão, celular, computador, videogame). A regra de ouro da iniciativa é "descasque mais e desembale menos", ou seja, pais e responsáveis devem preferir oferecer opções in natura, como uma fruta na sobremesa, a algo pobre em termos nutricionais (um chocolate ou um pacote de biscoitos recheados). Exercícios devem ser incentivados desde cedo. Engatinhar, para quem nunca parou para pensar sobre isso, já é uma das primeiras possíveis atividades físicas. E brincadeiras que acabaram sendo deixadas de lado, devido à violência das ruas ou ao apelo irresistível dos eletrônicos, precisam ser retomadas. Dessa forma, o benefício é de mão dupla, pois o envolvimento em jogos com bola, passeios de bicicleta ou patins acaba também contribuindo para a diminuição do tempo que suga a atenção na internet.
O azar da genética e os fatores ambientais
Presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), o endocrinologista Mário Kehdi Carra comemora o esforço em prol de um problema tão sério e subestimado.
— A criança obesa vai virar um adulto obeso, e o adulto é mais difícil de manipular do que a criança. Todos precisam aprender a ter responsabilidade com a sua saúde — afirma Carra. — A obesidade é uma doença genética. Não tem excesso de peso quem quer, e sim quem pode, e isso facilita a perpetuação do problema. O obeso é um azarado com uma genética determinada.
Fatores ambientais contribuem para que o indivíduo sofra com pouco ou muito excesso de peso. O índice de massa corporal (IMC), que considera peso e altura, é uma medida internacional de classificação para os adultos, em uma escala que vai desde a desnutrição até a obesidade mórbida. Quando os pais são obesos, alerta o médico, o risco de que o filho também seja é de 70%.
— O jeito de cuidar é com informação. Criança, se você educar, aprende. O adulto dificilmente muda o comportamento — observa Carra.
Se os pais são obesos, o risco de que o filho também seja é de 70%. A criança obesa vai virar um adulto obeso, e o adulto é mais difícil de manipular do que a criança. Criança, se você educar, aprende. O adulto dificilmente muda o comportamento.
MÁRIO KEHDI CARRA
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E DA SÍNDROME METABÓLICA (ABESO)
Resistir a tentações em uma sociedade extremamente consumista, bombardeada por convites gordurosos e açucarados de todo ordem, não é simples. A comida propagandeada por aí tem sabor bom, admite Carra, do contrário não venderia tanto. O problema é o comprometimento do organismo com escolhas tão precárias – ou até mesmo nulas – em nutrientes.
— Antigamente, a mãe preparava arroz, feijão, bife, saladinha e uma laranja de sobremesa. Hoje, ela compra pizza ou lasanha congeladas — atesta o médico.
Zuleika Halpern, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), lida há anos com obesidade infantil. Trata-se de uma luta contínua. A médica acredita ser fundamental focar na qualidade alimentar, especialmente, durante a primeira infância (até os seis anos). O estímulo à amamentação também é louvável, ainda que ela duvide do alcance de uma campanha institucional nesses moldes. Para a especialista, a TV, e mais especificamente as novelas, seriam o melhor canal de veiculação.
— As pessoas não sabem como comer bem, e ninguém as ensina. A indústria alimentícia é cruel, não faz nada pensando no bem-estar de quem quer que seja. A indústria quer vender, vender, vender. A mãe, achando que se trata de um produto saudável que pode facilitar a vida dela, acaba optando por uma papinha pronta, mas é um alimento industrializado. As crianças estão sendo expostas a isso desde muito cedo — lamenta Zuleika.
Classificação dos alimentos
- In natura: originários diretamente de plantas ou animais, esses alimentos não sofrem alterações na indústria antes do consumo.
- Minimamente processados: passam por mínimas interferências, como processos de limpeza para remoção de partes não comestíveis ou indesejáveis, fracionamento, moagem, secagem, fermentação, pasteurização, refrigeração, congelamento e processos similares que não envolvam agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento original.
- Processados: alimentos in natura ou minimamente processados que recebem adição de sal, açúcar, óleo ou vinagre para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar. Exemplo: conservas em salmoura, frutas preservadas em açúcar, carnes salgadas ou defumadas, queijos e pães.
- Ultraprocessados: produtos com acréscimo de sal, açúcar, óleos, gorduras, proteínas de soja, do leite, extratos de carne, além de substâncias sintetizadas em laboratório a partir de alimentos e de outras fontes orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e aditivos para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes). Exemplos: refrigerantes, pó para refresco, bebidas adoçadas, sorvetes, chocolates, cereais matinais, iogurtes com sabor e do tipo petit suisse, temperos instantâneos para carnes, congelados prontos para aquecer, empanados, macarrão instantâneo.