Criativas, as combinações agradaram à maioria dos pequenos aspirantes a chef de cozinha: cenoura com kiwi, brócolis com morango, ovo de codorna com bergamota. Quer dizer, em alguns casos, nem tanto.
— Tá com gosto de ovo! — reclamou Laura Martins, seis anos, interrompendo a mordida em uma uva.
Oficinas culinárias como a da última quinta-feira (30), que incentivou a montagem de palitinhos de frutas e legumes, são parte da rotina dos alunos da Educação Infantil do Colégio La Salle São João, em Porto Alegre. As sessões de "mãos à obra" já permitiram a produção de pães e bolos integrais, saladas de frutas e sucos e se integram ao que é trabalhado em sala de aula, proporcionando a sintonia que passa uma mensagem essencial para esta fase do desenvolvimento: a da importância de uma alimentação equilibrada e nutritiva.
O projeto Supersaudáveis: Por Um Futuro Mais Feliz sagrou-se vencedor na categoria Práticas Ecorresponsáveis do 13º Prêmio de Responsabilidade Social, promovido pelo Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) em 2018. Iniciativas como esta chamam a atenção para a importância desta segunda-feira, 3 de junho, Dia da Conscientização Contra a Obesidade Mórbida Infantil.
Depois que todos estavam sentados às mesas e com toucas cobrindo os cabelos, a nutricionista Samantha Mallmann Lessa orientou:
— Vamos montar espetinhos bem coloridos. É um espetinho, então, não pode ficar brincando porque pode se machucar. Não pode furar o dedo! Combinado?
As crianças de cinco e seis anos estavam diante de potes com os ingredientes já previamente higienizados, cozidos e cortados. Antes de começar, cantou-se uma música pedindo silêncio, ritmada por palmas — que de nada adiantou, a propósito, para acalmar a euforia do grupo. Cada um teve liberdade para escolher os itens que quisesse, ainda que as professoras sempre incentivem que provem de tudo. Manipular os alimentos e comer de tudo, mesmo que nas combinações incomuns surgidas naquele início de tarde no refeitório, são exercícios fundamentais para despertar o paladar.
— Cenoura não! — protestou Olívia Krause, cinco anos.
— Eu gosto, mas não assim — justificou.
— Tá meio azedo meu morango — constatou Isabella Scaff, cinco anos, fechando os olhos com um arrepio.
— Eu gosto desse, desse, desse, desse, desse... todos! — apontou Francesco Machado, cinco anos, o primeiro a provar os quitutes.
Laura, que achou que a uva estava com gosto de ovo, confessou à professora Jéssica Andrade, 28 anos, não gostar de ovo de codorna. Mesmo assim, foi em frente e deu uma mordida. Não mudou de ideia. Deixou a sobra em um canto da mesa e voltou para as uvas enfileiradas em seu espeto.
"Cuidar do corpo é cuidar de mim"
Camila Bueno, 30 anos, uma das professoras da Educação Infantil do São João, contou que a iniciativa surgiu a partir da preocupação do corpo docente em relação aos produtos que os estudantes traziam nas lancheiras. Com frequência, apareciam iogurtes açucarados, salgadinhos industrializados ou fritos, bolachas recheadas e sucos artificiais. Criaram-se três personagens para dar cara ao projeto, encarnando as identidades de movimento, alimento e água. As crianças, então, foram convidadas a se tornar, elas próprias, super-heroínas, a partir de desafios, com tarefas desenvolvidas em casa e na escola, envolvendo alimentação adequada e atividade física. Os resultados logo apareceram.
— Hoje elas trazem manga, abacate, bolinho caseiro — enumerou a educadora Jéssica.
O Supersaudáveis também teve um componente de solidariedade: as famílias participaram do preparo de um sopão que depois foi oferecido a moradores de rua.
— Tivemos muitos relatos dos pais sobre mudança de valores: colocar-se no lugar do outro, "cuidar do corpo é cuidar de mim" — relatou Camila.
— A revolução foi tão grande que até pediram para a escola mudar o suco. Antes era um suco com 80% de fruta, agora é 100% integral.
Samantha ressaltou que o foco, desde a primeira infância, é retardar o consumo de alimentos ultraprocessados, como salgadinhos e biscoitos doces, e privilegiar a ingestão de alimentos minimamente processados (arroz ou feijão cozidos, por exemplo) e in natura (frutas, legumes e verduras). Na alimentação fornecida pela escola, excluíram-se ingredientes como farinha branca e embutidos das receitas.
— Percebi as crianças mais abertas a provar. Hoje já temos alunos acostumados com os alimentos minimamente processados e in natura e aqueles que inclusive preferem esses alimentos — disse a nutricionista.
— O intuito nunca é obrigar a criança a comer, mas sim apresentar o alimento e variar as apresentações — orientou.
Contra o sobrepeso e a obesidade
Confira dicas para promover hábitos alimentares saudáveis em família:
- Todos devem aderir a bons hábitos. Não adianta entregar um prato com legumes e salada para as crianças e abastecer o seu com um hambúrguer. Evite esconder doces e salgadinhos em casa para comer escondido enquanto elas estiverem dormindo.
- É fundamental que a família estabeleça uma rotina para as refeições, procurando não fugir muito dos horários pré-estabelecidos.
- Na medida do possível, o ideal é que todos se sentem à mesa, juntos, e compartilhem das mesmas opções de alimentos.
- Refeições não devem ser feitas em frente à televisão ou com o celular ou o tablet ao lado do prato. A criança deve se concentrar no que está fazendo, saboreando a comida e evitando ingerir quantias exageradas, sem que perceba, por estar distraída.
- Até os dois anos de idade, não ofereça alimentos ou bebidas com açúcar.
- Quando a criança se recusa a comer determinado alimento, procure apresentá-lo de distintas maneiras em outras refeições. Não desista diante da primeira negativa.
- Muitos pais se sentem culpados por passar pouco tempo com os filhos. Não sucumba à tentação de oferecer lanches repletos de açúcar e gordura como forma de recompensar os pequenos por sua ausência.
- Parte do tempo despendido com jogos e vídeos no computador e no celular pode e deve ser trocado por atividades físicas. É muito importante prevenir o sedentarismo.
- Use o bom senso. Se seus filhos seguem uma alimentação balanceada regularmente, uma escapadela, de vez em quando, não trará grandes problemas. Não viva nos extremos, vetando ou liberando tudo.
- Para quem tem pouco tempo disponível para o preparo do lanche escolar durante a semana, vale investir algumas horas de uma folga para pré-preparar bolos e pães integrais, por exemplo, que podem ser congelados em porções e descongelados no decorrer dos dias. Se até isso ficar difícil, não se esqueça de que frutas como banana e maçã só requerem uma rápida higienização antes de serem colocadas na lancheira.
Fonte: Samantha Mallmann Lessa, nutricionista
Invista na prevenção
Uma revisão de artigos coordenada pelo professor Majid Ezzati, do Imperial College London, e publicada no periódico científico The Lancet comprovou que o número de crianças e adolescentes obesos no mundo aumentou 10 vezes entre 1975 e 2016. Prevenir e reverter o excesso de peso nessa faixa etária é importante por diversas razões:
- O ganho de quilos na balança durante a infância e a adolescência tende a levar ao sobrepeso e à obesidade pelo resto da vida. É fundamental emagrecer e manter o novo peso.
- Nessas fases do desenvolvimento, o sobrepeso está associado com o aumento do risco e o aparecimento precoce de doenças crônicas como o diabetes tipo 2.
- Alunos obesos podem sofrer com o impacto psicossocial dessa condição e ter baixo rendimento escolar.
- Crianças e adolescentes são mais suscetíveis ao apelo do marketing da indústria alimentícia do que os adultos, o que torna imprescindível frear o impulso das compras. Reduza a exposição a alimentos calóricos e não saudáveis e seus consequentes danos à saúde.