Resistir, persistir e variar. Esse foi o lema da psicóloga Ana Brum, 43 anos, para convencer seu filho, León Brum Scherbaum, de três anos, a comer de forma mais saudável. Atingir esse objetivo não foi fácil. Principalmente quando ele, com um ano e oito meses, começou a rejeitar arroz, feijão e batata – alimentos aos quais já estava acostumado. A tentação de servir lanche ou algo que fosse mais agradável ao paladar dele foi forte, mas Ana não se dobrou.
— Alimentação é algo muito angustiante para os pais. Chega uma hora em que a gente quer que os filhos comam qualquer coisa, desde que comam. Esse é o pior momento. O importante é resistir e não substituir a comida por lanche. Não se pode dar só o que a criança gosta, aí eles tomam conta — aconselha.
Oferecer alimentos saudáveis, como frutas, vegetais e legumes, é fundamental para desenvolver o paladar infantil. Pode ser necessário colocá-los no prato até 10 vezes para que sejam notados pelas crianças. Sobretudo para quem ainda está na primeira infância (até os seis anos de idade). Trata-se, basicamente, de um hábito – tanto para pais quanto para filhos. E é preciso desenvolver estratégias. No caso de Ana, a solução foi introduzir novas opções de forma discreta.
— Fiquei uma semana tentando as mesmas coisas, mas ele não aceitava. Até que um dia começou a comer bife e massa. Ele desenvolveu essa preferência e aí comecei a misturar. Passei a fazer pratos como almôndega com cenoura, torta de espinafre e bolo de cenoura. Não é esconder os legumes, mas sim enriquecer a alimentação — explica.
Quando completou dois anos, León começou a frequentar uma escola no bairro Menino Deus, na Capital. Foi lá que seu paladar se expandiu. Sob supervisão da nutricionista Mariana Brito, ele passou a experimentar e consumir uma variedade maior de alimentos, o que contribuiu em seu desenvolvimento.
— Uma alimentação inadequada pode interferir no crescimento infantil, além de prejudicar o aprendizado — comenta Mariana (clique aqui para ler entrevista e mais dicas).
Dieta fraca em nutrientes impacta na vida adulta
Com um ano e 11 meses, Henrique Lemos também passou a comer melhor desde que ingressou na escola. Sua mãe, a também nutricionista Manuela Lemos, 35, lembra que, mesmo que ele rejeitasse algum alimento novo no prato, o importante era persistir com a exposição. Também é fundamental aos pais não demonstrar nervosismo quando algo for recusado. Agir naturalmente, neste caso, faz com que a criança não tenha na refeição uma experiência negativa.
— Se ele não aceita legumes ou frutas, ao menos tento oferecer alimentos caseiros. Nada industrializado ou fritura. Isso ele já comeu e acaba provando na rua, só que tento evitar ao máximo. É o caso do chocolate. Ele experimentou e adorou, mas não ofereço — comenta Manuela.
É importante não expor as crianças a doces e a alimentos gordurosos nos dois primeiros anos de vida. A nutróloga e pediatra do Hospital Moinhos de Vento Patrícia Piccoli de Mello explica que uma dieta fraca em nutrientes pode ter consequências na vida adulta.
— Cabe aos pais estimular o consumo de diversos alimentos e sabores, além de colocar limites na quantidade de açúcar. Se isso não acontece ou se a criança é muito seletiva, ela se torna um adulto que tem preferência por alimentos muito doces, salgados e gordurosos. Esses alimentos geralmente têm boa apresentação, bom paladar, custo baixo e podem ser ingeridos em qualquer lugar. Porém, estão associados com risco aumentado de obesidade, elevação de colesterol, diabetes e hipertensão arterial — alerta Patrícia.
Pais devem dar o exemplo
O exemplo também é uma ferramenta poderosa para convencer as crianças. Afinal, ao ver o pai ou a mãe consumindo frutas ou legumes, existe uma maior probabilidade destes alimentos serem mais aceitos. Outra estratégia para a aceitação de sabores é variá-los sempre que possível. A nutricionista do Hospital da Criança Santo Antônio Caroline Ayres diz que isso é importante para diminuir o risco de se acostumar a uma dieta pobre em nutrientes.
— A janela para a habituação aos sabores é estreita, começando a fechar-se pelos dois anos de idade e encerrando aos três. Uma criança com um portfólio alimentar reduzido tende a manter essa monotonia até à adolescência, consumindo geralmente uma dieta rica em calorias, mas pobre em nutrientes. Existem janelas de oportunidade para o treino da aceitação de alimentos mais sólidos e de paladares e texturas diferentes. A ausência deste treino, que deverá ocorrer entre oito e 10 meses de idade, poderá comprometer o processo de diversificação alimentar — observa.
Mas quando uma criança adquire discernimento o suficiente para escolher o que comer? É importante estimulá-las desde o primeiro ano de vida ao hábito de selecionar opções saudáveis. A proatividade, segundo Patrícia Mello, ajuda a consolidar um paladar mais abrangente.
— Quando a criança já for capaz de se servir à mesa e de comer sozinha, geralmente na idade pré-escolar, essa iniciativa deverá ser permitida e estimulada. A partir dos sete ou oito anos, todos devem receber educação nutricional para fazer a escolha correta dos alimentos e adquirir melhor qualidade de vida. A escola pode contribuir muito nesse processo — diz.
Os pais, contudo, não devem atrelar a boa alimentação a prêmios. Ao oferecerem alguma recompensa, como doces, ao filho que comer frutas e legumes, acabam trazendo ao hábito uma necessidade de compensação.
— A paciência, a criatividade e a persistência são essenciais para o manejo dessa fase. Mas nunca deve-se forçar, ameaçar ou associar eventos negativos ao ato de comer. Também não se deve premiar a criança com ofertas extras do alimento ou com presentes. O papel dos pais é oferecer a melhor combinação possível de alimentos, dentro da realidade de cada família — explica Patrícia Mello.
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