A discussão sobre aborto, que voltou à pauta da Câmara dos Deputados na semana passada por conta do Projeto de Lei (PL) 1904/24, conta com diferentes matizes, regras e limitações em cada país. O acesso ou não ao procedimento é influenciado por aspectos históricos, culturais, religiosos e de saúde.
No Brasil, o aborto é permitido por lei desde 1940 em casos de gravidez decorrente de estupro e caso haja risco à vida da gestante, excepcionalmente, conforme o Decreto-Lei nº 2.848, artigo 128. Por entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2012, o aborto também é autorizado em casos de anencefalia fetal – quando não há formação do cérebro do feto, incompatível com a vida fora do útero.
Nos últimos 30 anos, cerca de 60 países e territórios flexibilizaram as regras em relação ao aborto, de acordo com o Center for Reproductive Rights, que acompanha as mudanças nas leis de aborto no mundo. Conforme a instituição, atualmente, a prática é totalmente proibida em 21 países, e autorizada em algumas circunstâncias, com limitações, em mais de 180.
De Moçambique ao Peru, há diferentes instrumentos legais adotados pelos países para controlar ou restringir o direito ao aborto. Há casos em que a prática é totalmente legalizada (a depender da etapa da gestação), caso seja desejo da mulher, e outros que permitem o procedimento conforme a condição socioeconômica da gestante, ou somente em caso de estupro ou risco à vida da mulher, ainda.
Restrição total ao aborto
O aborto é totalmente proibido em 21 países no mundo, sendo a maioria deles na América Central e no continente africano. O procedimento é considerado ilegal em Andorra, Aruba, Congo, Curaçao, República Dominicana, Egito, El Salvador, Haiti, Honduras, Iraque, Jamaica, Laos, Madagascar, Malta, Mauritânia, Nicarágua, Filipinas, Senegal, Serra Leoa, Suriname e Tonga.
Em somente dois países no mundo as leis variam conforme o Estado – México e Estados Unidos. Nestes casos, há diferentes regras para cada território. Conforme a Abortion Finder, plataforma que reúne informações sobre serviços de saúde sexual e reprodutiva nos EUA, 14 dos 50 Estados proíbem completamente o aborto. Os demais permitem a prática em determinadas circunstâncias.
Em maio deste ano, entrou em vigor uma lei que proíbe o aborto após seis semanas de gestação na Flórida. A medida é mais rigorosa do que a anterior, que permitia interromper a gravidez até a 15ª semana. Em 2022, foi revogada nos EUA a decisão histórica que ficou conhecida como Roe v. Wade. A medida de 1973 estabeleceu o direito à interrupção da gravidez. A revogação da lei deixou a decisão a cargo dos Estados.
Mudanças recentes na lei
Nos mais de 180 países onde as mulheres têm acesso ao aborto legal, há diferentes critérios e restrições. O tema tem sido muito discutido na América Latina, por exemplo, onde a proibição total é um entendimento minoritário. A lei de interrupção voluntária da gestação foi aprovada em 2020 na Argentina, vigente desde 2021, após intensificação do cenário de polarização política no país.
A decisão permite interromper a gravidez até a 14ª semana de gestação sem ter a necessidade de explicar o motivo da decisão. A interrupção também é permitida em caso de estupro ou de risco para a vida ou saúde da mulher. Deputados aliados do atual presidente argentino, Javier Milei, enviaram ao Congresso um projeto de lei para tentar revogar a medida e restaurar a proibição.
No início do mês de junho, o presidente do Chile, Gabriel Boric, anunciou que enviará um projeto de lei para ampliar as condições sob as quais o aborto é permitido no país, conforme informações da AFP. O projeto será discutido no Congresso chileno até o final de 2024. O governo não especificou quais serão as modificações a esse direito. O aborto é autorizado desde 2017 no Chile, mas somente por três razões – risco à vida da gestante, inviabilidade do feto e estupro, semelhante à norma vigente no Brasil.
Já a Dinamarca pretende aumentar o prazo legal para a interrupção da gravidez de 12 para 18 semanas de gestação, conforme anúncio do Ministério da Saúde em maio. O aborto até as 12 primeiras semanas da gestação é legal na Dinamarca desde 1973. As informações são da AFP. A proposta também prevê permitir que jovens entre os 15 e 17 anos possam abortar sem precisar de autorização dos pais. Caso aprovado pelo parlamento, o projeto de lei entrará em vigor em junho de 2025.
Na Europa Ocidental, os países que permitem os abortos mais tardios são o Reino Unido e os Países Baixos, locais em que é possível interromper a gestação até 24 semanas, e a Islândia, com 22 semanas.
Na Alemanha, onde o aborto é tolerado até a 12ª semana de gestação, embora seja considerado ilegal, o atual governo promete alterar a legislação. A pressão é de uma coalizão formada pelos sociais-democratas do chanceler Olaf Scholz, liberais e ambientalistas. Uma comissão formada pelo governo lançou, em abril, um relatório recomendando a flexibilização da lei. O parágrafo 218 do Código Penal, adotado há 153 anos, estabelece exceções para as mulheres que foram estupradas ou que correm risco de vida.