Na internet, clínicas estéticas divulgam cardápios com uma série de protocolos de soroterapia. O tratamento, que consiste em administrar um composto personalizado por via intravenosa, promete ajudar a fortalecer as unhas, melhorar a aparência da pele, diminuir o cansaço e aumentar a imunidade, entre outros supostos benefícios. Os soros costumam ter concentrações diferentes de vitaminas, minerais e antioxidantes, a depender do objetivo.
Para os especialistas, o soro da beleza, como é chamado online, é vendido como uma solução imediata para queixas comuns da população, e isso pode ser apelativo. Injetar vitaminas e minerais diretamente na veia pode garantir uma ingestão mais rápida desses nutrientes, mas a prática é mais benéfica para pacientes hospitalizados, anêmicos, recém-operados, com desnutrição grave ou com alguma dificuldade de absorção. Para pessoas saudáveis, os efeitos positivos são pouco conhecidos e, em alguns casos, o resultado pode ser prejudicial.
— Não tem evidência científica consistente que comprove a eficácia da suplementação endovenosa em adultos saudáveis. Não há estudos que comprovem que a reposição dessa forma seja superior à via oral, muito menos que evidenciem a segurança desse método. A pessoa estará ou jogando dinheiro fora, ou colocando a própria saúde em risco — pontua Marianna Lins de Souza Salerno, endocrinologista do Centro de Tratamento de Obesidade da Santa Casa de Porto Alegre.
Em algumas clínicas, são pedidos exames de sangue para identificar as deficiências nutricionais do paciente. Depois de escolher o protocolo desejado, inicia-se o tratamento. De acordo com Eduardo Camargo, endocrinologista e professor do curso de medicina da Universidade Feevale, os pacientes recebem a infusão preparada, e o procedimento, que pode durar uma hora, é repetido com certa periodicidade. Na Capital, uma sessão de soroterapia pode variar entre R$ 250 e R$ 1 mil.
— Além de ser uma prática não ética e sem eficácia clínica, é importante ressaltar que toda medicação administrada por via intravenosa tem riscos locais, como trombose, extravasamento, ruptura e esclerose da veia, e até problemas mais sistêmicos, dependendo da velocidade (em que o nutriente chega na corrente sanguínea). Por exemplo, se aplicamos potássio muito rapidamente, pode ter risco de arritmia — afirma Camargo.
Segundo os especialistas, também estão entre os riscos a possibilidade de o paciente ter cálculo renal, reações alérgicas severas e até mesmo choque anafilático. Para Fabiano Nagel, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) e coordenador da Ouvidoria do Cremers, a prática apresenta mais chance de efeitos adversos do que benefícios e, por isso, não é recomendada.
— As pessoas, e isso é compreensível, querem uma saída fácil para os problemas que as atormentam. O soro da beleza seria uma forma rápida, indolor e sem esforço de resolver essas questões. Mas não existe nenhum soro mágico que vá solucionar todas essas queixas. É uma falácia que não deve ser divulgada — defende Nagel.
É comum, também, que as clínicas criem protocolos para condições de saúde inexistentes, como a fadiga adrenal. Marianna explica que o termo, derivado de uma doença chamada insuficiência adrenal, é utilizado para descrever situações em que os pacientes apresentam sintomas como estresse, cansaço e indisposição.
Efeito placebo
Nos vídeos divulgados por influenciadores, os adeptos ao soro da beleza relatam melhorias instantâneas. Aqueles que tomam o composto para aumentar a disposição divulgam que saem da clínica se sentindo menos cansados e mais energizados. Já os que consomem o protocolo para diminuir os sintomas de ansiedade e depressão alegam que o sentimento de calma vem com rapidez.
Para a endocrinologista Marianna, da Santa Casa de Porto Alegre, essas percepções são efeito placebo. Ou seja, por acreditar que o composto funciona, os pacientes notam os resultados esperados. Ela explica que não há estudos que mostrem que a reposição de suplementos via intravenosa ou via oral apresenta melhora imediata. Contudo, dias depois da aplicação, as queixas podem voltar a aparecer.
— Esses profissionais vendem um soro para melhorar sintomas quando, normalmente, o que a pessoa fazendo o protocolo precisa é de alimentação saudável, sono de qualidade, uma rotina de exercícios físicos, tempo de lazer e bons relacionamentos. Se o paciente fizer tudo isso, em algumas semanas ou meses ele vai sentir uma melhora verdadeira — acrescenta.
*Produção: Yasmim Girardi