Quando Abel Braga atendeu à ligação de Zero Hora, estava em casa, no Rio de Janeiro, com a netinha Maria Antônia, de três meses. Curtir a rotina ao lado da pequena foi um dos motivos que manteve o profissional multicampeão em casa ao longo de 2024.
Contudo, um ano após deixar a coordenação técnica do Vasco, Abel está de mangas arregaçadas para voltar ao trabalho em 2025, novamente nos bastidores. O futuro está em aberto, mas o fato é que o ex-treinador e zagueiro, aos 72 anos, ainda quer colocar o seu conhecimento à disposição do mundo da bola.
Na tarde de quinta-feira (18), Abel Braga conversou sobre a vida pessoal, a retomada da carreira, a possibilidade de retornar ao Inter e deixou sua opinião sobre temas como Seleção Brasileira, SAFs e gestão no futebol. Leia a entrevista completa, abaixo.
ZH — Como foi passar o ano de 2024 em casa?
Abel Braga — Fiz a cirurgia do ciático no ano passado. Ficou legal. Ainda tem algumas coisinhas. (A dor) Reflete um pouquinho na perna, como um choque, mas está sendo tratado. Depois, tive o nascimento na minha neta. Foi um recomeço superespecial para mim, minha mulher e minha família. Nada substitui a perda que nós tivemos (João Pedro Braga, falecido em 2017, aos 18 anos), mas o surgimento da netinha foi, sim, algo incrível.
Agora, no ano que vem, eu quero voltar a trabalhar. O que eu espero é poder passar tudo o que vivenciei no futebol. Tenho boa relação com todos os clubes.
Agora, no ano que vem, eu quero voltar a trabalhar.
No que o nascimento da neta mudou a sua vida?
Tenho muitos amigos que dizem abertamente que ser avô é melhor do que ser pai. Eu não sei o porquê, como pai, a gente tem a obrigação de formar, orientar, botar no caminho. E, como avô, a gente normalmente desarruma tudo.
Eu já falei. Se vier aqui para a minha casa e disser que não é para dar doce, eu vou dar. Ah, não pode tomar sorvete? Vai tomar. Não deixa entrar na piscina? Vai entrar.
Está sendo incrível. Mas jamais vão escutar de mim que é melhor ser avô do que ser pai. São sentimentos e formas de agir completamente diferentes.
Chegou a conversar com algum clubes para voltar em 2025?
Eu tenho alguns clubes que eu torço. Todo mundo sabe quais são. Inter e Fluminense. A minha relação com ambos é fortíssima. Estou sempre disposto. Em alguns momentos, fui chamado para ir, mas não deu para eu ir. Em outros momentos, pensei em ir, mas não consegui. É assim o futebol.
Recebeu proposta do Inter para ser coordenador técnico?
Eu tive uma conversa muito boa com o presidente Barcellos. Inclusive, todo mundo diz que eu saí brigado com ele. Não saí, não. Eu saí chateado pela maneira que a situação foi colocada, depois que aconteceu aquele, desculpa o termo, roubo. Tiraram um título do Inter em 2021.
Em julho (de 2024), se não me engano, ele esteve no Rio, conversando comigo, pessoalmente. Ele estava indo para a Argentina em um jogo desses de Sul-Americana. Conversamos de forma muito amigável.
Expliquei para ele que a logística não estava legal ainda, que eu ia ter que fazer outro procedimento (médico). A minha nora poderia ir para o hospital (para ganhar Maria Antônia) e eu poderia não chegar. Teria que ir de carro para Florianópolis ou Canoas. Os voos estavam escassos.
Você não me vê falar sobre isso porque tudo que se relaciona a uma pessoa como eu, que o torcedor tem esse carinho, se torna muito grande.
Ficou um papo assim: ó, ano que vem, se você tiver interesse, a gente conversa. Aí vai ser outro tipo de conversa, porque eu não estou, agora, passando por aquela situação que eu estava em junho, julho e agosto.
Então essa conversa, para retornar, pode acontecer agora?
Eu não posso falar que vai acontecer. Pode acontecer, óbvio. Isso tu tens que perguntar mais para o presidente do Inter, né? O que eu quero que fique claro é que não tem absolutamente nada.
Qual a sua avaliação sobre o time do Inter?
Conversei com o presidente lá em Caxias (no Lance de Craque), na beira do campo. Dei os parabéns pelo momento que o Inter passou com o Roger. Os jogadores que não vinham rendendo passaram a render, também depois da chegada do D'Ale. Foi tudo muito redondo.
Pena que, no início, foi muito difícil para o Roger. Se o time tivesse encaixado um pouquinho antes, o final do campeonato teria sido outro. O Inter conseguiu empolgar com a forma de jogar.
Estou feliz pelo D'Ale, pelo (Paulo) Paixão, pelo Roger. Espero que o presidente possa superar esse momento complicado. Ele fala abertamente que vai ter que negociar. O problema não é negociar. O problema é você se reencontrar.
Estou feliz pelo D'Ale, pelo (Paulo) Paixão, pelo Roger. Espero que o presidente possa superar esse momento complicado
Pode ter a possibilidade de perder um lado esquerdo com o Inter tem hoje. O Inter hoje, é forte como um todo. Você vê a felicidade do Roger de lançar o (Bruno) Gomes como lateral-direito. Ele era volante.
Agora, o lado esquerdo do Inter, com o Bernabei e o Wesley, não tem lado esquerdo tão forte no Brasil como esses.
Eu, como estou de fora, fico pensando nisso tudo. Mas eu não estou no Inter. Não preciso estar no Inter para pensar nisso tudo. Eu gosto do Inter. Eu vivo o Inter no dia a dia.
Eu gosto do Inter. Eu vivo o Inter no dia a dia.
Sobre o futebol em geral, qual é a sua opinião sobre a tendência de os clubes aderirem ao modelo SAF?
O Flamengo ainda não é SAF. Eu acho que o Inter, por exemplo, está batendo na trave a todo momento e não é SAF. O Botafogo virou SAF porque tinha que virar e está sendo uma SAF extraordinária.
Não importa se você vai virar SAF ou não. Eu acho que tem que competir de uma forma melhor. Você não pode começar um campeonato (o Brasileirão), que é muito difícil, com somente três clubes favoritos. Por que isso? Acho que não pode ser assim.
Fora de campo, nós continuamos muito mal organizados, em relação ao calendário, à tabela. Um clube solicita para transferir um jogo de data, de quinta para quarta, pensando na logística, na parte fisiológica, por exemplo, e não consegue as mudanças.
Tem mais algo que pode melhorar?
Qualquer clube aí vai ter 15 dias e olhe lá (de pré-temporada) para começar a jogar um estadual. Você começa o estadual com um time reserva. Legal. Bota os garotos, um time jovem. Daqui a pouco, você vai ter cobrança de que tem que ser campeão. É surreal, cara. Vamos passar um pente fino e pensar naquilo que podemos melhorar.
E a arbitragem?
O futebol está ficando chato. Eu não estou falando da qualidade dos árbitros não. Nós temos que se colocar no lugar dos árbitros. Falei com o Rafael (Klein), que apitou o Lance de Craque. O cara é muito bom. Fui dar os parabéns a ele pela carreira. E falei: não deixa os caras te engolirem. O cara vem, dá uma porrada, faz uma falta feia, e reclama que o árbitro marcou falta. O negócio está escandaloso.
Por parte dos jogadores?
Exatamente. É jogador, é treinador. Eu posso falar porque fui jogador e treinador. Também fui chato. Mas não era assim como está agora. A cada ano fica pior. É porque tem cobrança na rede social? Para mim não importa. Tem muito programa esportivo? Para mim não importa. Temos que melhorar a nossa educação profissional, a educação esportiva. Olha quantos milhares de pessoas o futebol emprega. O futebol tem que virar espetáculo.
Qual é a sua opinião sobre o VAR?
É uma vantagem. Mas eu vejo a participação do VAR nos jogos lá fora e, quando tem participação, é muito rápido. Parece que os caras daqui não veem. É muita dúvida. Cria muita parada no jogo. Para mim, pausas no jogo, são a pior coisa. Como eu assisto muito pela televisão, fico irritado, sabe? Às vezes, teu clube tá perdendo, tá precisando fazer um gol, e a bola para, para, para.
Para fechar, qual é a sua opinião sobre a Seleção Brasileira?
Há perspectiva de melhorar, principalmente porque tem grandes jogadores e um ótimo treinador. Os grandes jogadores, como Ronaldinho Gaúcho, o Fenômeno, o Romário, o Edmundo, todos esses caras demoraram para ir para a Europa. Aqui, o cara sai com 15, com 17, 18 anos.
O Vinicius Junior agora virou o melhor jogador do mundo. Legal. Mas vê como ele chegou. Agora, chega aqui e não consegue jogar. Tem algo que precisamos descobrir. O Dorival diz isso, ele não está satisfeito.
A Seleção não está muito boa não. Está muito abaixo do que se espera. Isso preocupa muito. A forma como saem jovens jogadores daqui para fora hoje, isso é um absurdo.
A primeira coisa que nós tínhamos quando nós vestíamos uma camisa de Seleção, e eu posso te falar porque fui campeão em Cannes (Torneio Internacional Junior, em 1971), era orgulho. Era capitão da equipe.
A Seleção não está muito boa não. Está muito abaixo do que se espera. Isso preocupa muito.
Fui capitão na conquista do pré-olímpico na Colômbia, participei de uma Olimpíada e de uma Copa do Mundo. Eu joguei na Europa. Mas não se pensava em outra coisa a não ser o orgulho de vestir aquela camisa. Era amor.
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