A desobrigação do uso de máscara em espaços abertos e onde haja possibilidade de distanciamento, anunciada pelo gabinete de crise para o enfrentamento à covid-19 no Rio Grande do Sul, trouxe à tona uma discussão: depois de dois anos numa rotina onde uma parcela da população manteve o distanciamento, como voltar a andar sem máscara, frequentar locais públicos com mais pessoas, retornar ao trabalho ou aos estudos de forma presencial?
O psiquiatra Vitor Calegaro, professor da Universidade Federal de Santa Maria e idealizador da iniciativa RESILIEIGHT, destaca que as mudanças drásticas na rotina ocorridas ainda no início da pandemia de coronavírus ensinaram aos seres humanos a necessidade de se adaptarem às situações.
— De uma maneira geral, houve uma adaptação. Um "novo normal". Agora, estamos indo em direção a isso novamente. Teremos que retornar às atividades presenciais, o que gerará uma necessidade de adaptação da rotina e isso poderá causar um aumento de ansiedade —explica.
Calegaro destaca que não há uma recomendação geral que se aplique a todos, mas ressalta a importância de praticar exercícios físicos e frequentar áreas abertas como recomendação anti-estresse.
— A pessoa precisa ver como se sente. Se é alguém com receio, talvez, seja melhor ir tirando a máscara aos poucos, por exemplo. O que não pode é ficar recluso — alerta.
Para a psicóloga Samantha Sittart, especialista em psicoterapia psicanalítica e membro do grupo de pesquisa Envelhecimento e Saúde Mental (GPESM-CNPq), cada pessoa sentiu de uma forma a pandemia.
— Não adianta baixar uma portaria para todos voltarem, de uma hora para outra, à rotina anterior ao período pandêmico. Dentro do estabelecimento de trabalho surgiram novas demandas. Estamos falando sobre saúde mental laboral. Por isso, é preciso este olhar atento ao trabalhador. Esta volta precisa ser gradual. Por exemplo, começar com meio turno. É um trabalho de formiguinha. Soube de uma escola onde alguns professores apresentavam dificuldade para falar alto usando máscara. Então, a instituição disponibilizou microfone. Isso é um olhar atento para a saúde mental do colaborador — comenta a psicóloga.
Segundo Samantha, é preciso analisar caso a caso.
— O que ainda impera é bom senso. Continuando com protocolos que surgiram durante a pandemia, buscando locais abertos e ir a locais públicos fora de horários de pico, fazer escolhas mais conscientes. Quando a gente se cuida, estamos cuidando do outro — acrescenta.
Samantha destaca que o ser humano precisa socializar e que a saúde mental também está vinculada à importância da troca, de saber lidar com a limitação do outro e com a própria, poder conversar, trocar ideias e lidar com as diferentes opiniões.
— Há pessoas que vão se libertar da máscara e outras enfrentarão maior dificuldade, inclusive, de frequentar espaços públicos. Minha sugestão é que, se sentir medo de ir ao cinema, vá usando máscara e sente o mais próximo da porta ou afastado de outras pessoas ou em horários alternativos. A ideia é que esta dessensibilização seja feita aos poucos — aconselha.
É preciso entender, aponta Calegaro, que a ansiedade causada pelo medo, em última análise, surge porque o cérebro identifica um perigo potencial relacionado ao coronavírus, como o contágio ou levar o vírus para casa. Mesmo que, involuntariamente, o cérebro procurará estes perigos para identificá-los, e isso causará ansiedade. Uma vez que se vê o ambiente tranquilo e, racionalmente, a pessoa consiga pensar que há pouco risco e, ainda assim, não tire a máscara porque a ansiedade não deixa, é preciso entender que, para reduzir esta ansiedade, é preciso se expor.
— Evitar estas situações ansiogênicas para quem tem mais dificuldade pode ser um comportamento fóbico, uma esquiva fóbica. Ou seja, com a identificação de uma possível ameaça, a pessoa ansiosa tende a lidar evitando este perigo em potencial. Mas o evitar a situação aumenta ainda mais os sintomas de ansiedade. Este é um mecanismo presente em diversos transtornos fóbico-ansiosos, como transtorno de ansiedade social, transtorno do pânico e agorafobia (medo de lugares e situações que possam causar pânico) — esclarece.
Calegaro afirma que o caminho é enfrentar, se expondo à ansiedade, não de uma forma que seja muito intensa. Tudo deve ser aos poucos, até que chegará a uma hora em que a mente entenderá que não há este perigo com tal intensidade.
— Vale lembrar que a pandemia não terminou e que isso é um passo dentro do processo de volta à realidade anterior ao coronavírus. A liberação da máscara em locais abertos, flexibilizada pelo governo, não significa que não devemos manter os cuidados contra a covid-19 — finaliza.