Com a escalada de casos de covid-19 gerados pela variante Ômicron, a grande velocidade na demanda por internações hospitalares no Rio Grande do Sul acendeu o alerta em autoridades e especialistas em saúde, que pedem ao Poder Público ações concretas para frear a transmissão.
Ninguém defende fechamentos, mas especialistas consideram o cenário atual favorável à piora da pandemia e pedem obrigatoriedade da apresentação do passaporte vacinal, expansão da testagem, exame negativo para entrada em eventos, incentivo ao trabalho remoto e limite na ocupação de bares e restaurantes. O governo do Estado, responsável pelo modelo 3As de gestão da epidemia, afirma que, neste momento, cabe a prefeitos impor restrições.
Hoje, o número de pacientes com coronavírus em hospitais não é grande porque estava em baixíssimo patamar até dezembro (veja no gráfico), mas é o maior desde julho do ano passado – e a velocidade de crescimento acende o alarme sobre o cenário que se desenha nos próximos dias.
O Rio Grande do Sul tem 7,1 mil leitos clínicos, dos quais 931 estavam ocupados por pacientes com coronavírus nesta sexta-feira (21) – no ápice, 5.435 estavam em uso. O número atual é baixo, mas aumentou 86% em apenas uma semana, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde analisados por GZH.
Pra analisar tendências, olha-se para a variação dos últimos dias, não somente a fotografia do dia. Se seguisse este mesmo ritmo de crescimento, seriam 1.482 gaúchos internados em leitos clínicos na semana que vem, 2.549 em duas semanas e 4.385 daqui a três semanas.
Há ainda 3.095 vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) no Estado, das quais 361 estão em uso por gaúchos com covid-19 – crescimento de 53% nos últimos sete dias.
O aumento das hospitalizações não ocorre na mesma proporção dos casos novos graças à vacinação e à aparente menor letalidade da Ômicron. Todavia, a perspectiva é de que internações mantenham crescimento, já que o Rio Grande do Sul vivencia recordes diários de infecções – em média, 12,5 mil gaúchos apresentam resultado positivo a cada dia.
A maior parte dos internados são pessoas com calendário vacinal atrasado (nenhuma dose, uma dose quando deveriam ter duas ou duas doses quando deveriam ter três) e pessoas com comorbidades. Estudo da prefeitura de Porto Alegre mostrou que o risco de ir para a UTI é 16,5 vezes maior entre não vacinados.
Especialistas não temem o colapso do sistema hospitalar, como registrado no ano passado, mas receiam que um grande aumento na demanda prejudique o atendimento a outras doenças, cause cancelamento de cirurgias eletivas, como já registrado no Hospital de Clínicas e no Presidente Vargas, e culmine em aumento de mortes.
— Estamos preocupados. Nas últimas duas semanas, o aumento foi bastante rápido. Se seguir aumentando, poderemos novamente não atender outros pacientes por precisarmos de leitos para pessoas com covid. Temos grande população com duas doses, mas temos que avançar na terceira. Não precisamos de lockdown, mas mais medidas restritivas. Parece que a pandemia acabou, mas estamos em momento crítico — afirma a médica Vanessa Schultz, infectologista no Hospital Moinhos de Vento e integrante da diretoria da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI).
GZH mostrou na quinta-feira (21) que, em países nos quais a onda de coronavírus causada pela Ômicron já chegou ao pico, como África do Sul, Reino Unido e França, o resultado foi uma média de mortes representando cerca de 25% do registrado no pior momento da epidemia em cada nação. No Brasil, isso culminaria em uma média de 1 mil mortes diárias e, no Rio Grande do Sul, cerca de 80.
A ocupação hospitalar de março não deve ser considerada como margem possível de expansão de leitos porque isso implicaria grande aumento de mortalidade, afirma Alexandre Zavascki, médico infectologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— A situação de março do ano passado nunca deveria ter acontecido, era um cenário de guerra, ocorreram muitas mortes porque havia colapso do sistema hospitalar, portanto aquela época não pode ser parâmetro. Mesmo que ainda não tenhamos número de hospitalizações comparável ao de outros momentos, a velocidade de aumento está muito grande. Certamente vamos ultrapassar o pior momento de 2020 — afirma Zavascki.
Respostas cabem às prefeituras
Até o momento, a resposta à nova onda cabe aos prefeitos – ao implementar o modelo 3As, o governador Eduardo Leite (PSDB) decidiu que as prefeituras teriam protagonismo no enfrentamento à covid.
Ao verificar indicadores, o Estado emite às prefeituras três mensagens: aviso, alerta e ação. Gestores municipais, então, oferecem planos de resposta, que são debatidos com técnicos do Piratini. Apenas em último estágio, se as medidas são consideradas inadequadas pelo Piratini, o governo estadual estabelece medidas adicionais.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, prefeitos de cidades como Lajeado, Canoas, Novo Hamburgo, Uruguaiana e Capão da Canoa comunicaram medidas semelhantes para frear o avanço da covid-19: compra de mais testes, fortalecimento dos postos de saúde e aumento da fiscalização.
O infectologista Alexandre Zavascki classifica as medidas como brandas e elogia a resposta de Pelotas, onde a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) deixou de orientar e passou a obrigar a apresentação do passaporte vacinal para grandes eventos, além de teste negativo realizado 72 horas antes de festas e boates.
— Foi a restrição mais rígida dos municípios da Região Sul. Pretendo manter isso neste momento e aguardar os demais prefeitos da zona para ver o que farão, porque é importante que a região caminhe unida. Precisamos de regras harmônicas nos municípios, há mobilidade das pessoas — afirmou Mascarenhas.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale e coordenador da Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, destaca que há ações a serem tomadas que não incluem fechamento de atividades, como a expansão da testagem e a limitação de pessoas em festas, shows, bares e restaurantes.
Com a onda de Ômicron, pouquíssimos países adotaram lockdown - caso de Áustria, Holanda e Bélgica. No geral, governos reduziram a ocupação e o horário de funcionamento de bares e restaurantes, passaram a exigir passaporte vacinal para frequentar ambientes públicos, cancelaram grandes eventos e aumentaram a oferta de testes rápidos em locais de grande movimentação, como praças e avenidas.
— A gente viu em outros países ocupação muito intensa de leitos convencionais e perda na qualidade de atendimento pelo comprometimento de saúde das equipes. Esse é o quadro mais possível. Mas, até agora, não tivemos intensificação das campanhas para uso de máscaras e há preocupação com Carnaval enquanto há eventos de grande monta acontecendo. A exigência de passaporte vacinal é fundamental, algo que diversos países da Europa fizeram quando apenas tiveram notícia da Ômicron. Ninguém está falando em fechar nada, mas restringir lotação e aumentar o distanciamento são o primeiro passo. Postergar grandes eventos e grandes espetáculos seria importante também — diz o virologista.
O que diz o governo do Estado
A secretária-adjunta da Saúde do Rio Grande do Sul, Ana Costa, reforça que o modelo 3As implementou uma gestão compartilhada do enfrentamento ao coronavírus, portanto o governo do Estado não toma decisões unilaterais.
Nesta semana, o Piratini emitiu alertas (segundo grau de risco no sistema 3As, depois do aviso) a 13 regiões e aguarda o retorno dos prefeitos com os planos de ação para os próximos dias.
— O governo nunca deixou de agir. O fato de agirmos de forma compartilhada não quer dizer que não há ação. A gente deu alertas, virão os planos de ação, que serão trabalhados com os técnicos da secretaria que conversam com os comitês regionais sobre as medidas a serem tomadas. No inicio da pandemia, o Estado tomava o protagonismo absoluto porque sequer havia informações. Agora, o cenário é de debate porque há informações. A ação, se necessária, será tomada. Mas o Estado confia nos prefeitos — afirma.
Ana Costa acrescenta que, caso a pandemia chegue a níveis de alto risco, o governo do Estado retomará o protagonismo no combate ao coronavírus:
— Se preciso, evidente que o Estado fará o seu papel. Mas, nesta fase em que estamos, acreditamos no protagonismo dos nosso líderes. O Estado apostou no sistema 3As e ele está funcionando, não é o momento de não fazermos o que pactuamos. Uma região mais industrializada pode ter uma conduta específica, uma praia onde tem mais festas pode ter outra conduta. Demos alerta a 13 regiões e vamos acompanhar os planos de ação. Sabemos que uma ordem não fará uma mudança de conduta. Precisamos da colaboração dos prefeitos e da comunidade. As pessoas já sabem o que precisa fazer. A última ponta do sistema 3As é a ação. Acreditamos que não chegaremos a isso — finaliza.