Em meio à pressão de diversas categorias para ter a vacinação contra covid-19 antecipada, o governo do Rio Grande do Sul informa que não é possível alterar a ordem de grupos prioritários. A afirmação ocorre a despeito de outros Estados terem promovido alterações, como São Paulo e Bahia, que já começaram a imunizar professores. Afinal, quem está certo? Veja perguntas e respostas.
Quem define a vacinação no Brasil?
A política de imunização é tradicionalmente definida em conjunto entre governo federal, Estados e municípios. Como resultado da discussão, o Ministério da Saúde orienta a todos em um documento chamado Plano Nacional de Imunização (PNI).
Na outra ponta, Estados e municípios realizam ajustes locais em suas campanhas – podem, por exemplo, vacinar antes ou incluir uma comunidade específica que enfrenta surtos de uma doença.
Algum Estado já alterou a ordem de grupos prioritários?
Sim. São Paulo, Bahia e Espírito Santo começaram antes com professores, por exemplo. A decisão, capitaneada pelo governador paulista João Doria (PSDB), desagradou a outros gestores e resultou no atraso da imunização de pessoas com mais de 60 anos ou com doenças pré-existentes.
Em março, Amazonas, Pará, Goiás e São Paulo imunizaram agentes da segurança (policiais, bombeiros, brigadianos) antes do previsto pelo Ministério da Saúde. Pressionado pela categoria, o governo federal mudou a ordem no PNI e deu o sinal verde para o resto do país fazer o mesmo.
Mudanças ocorrem também em nível municipal: Fortaleza e Rio de Janeiro já vacinam professores, a cidade de São Paulo antecipou a aplicação em trabalhadores de metrô e trem e Salvador imunizou motoristas de ônibus.
No Rio Grande do Sul, Porto Alegre incluiu servidores da Metroplan na categoria de agentes de segurança, Esteio começou nesta quinta-feira (6) a vacinar professores de 40 anos e Bagé incluiu agentes funerários na lista de prioridades, a despeito de não constarem no PNI.
O Rio Grande do Sul já fez alguma mudança na ordem?
Sim, no fim da fila. Compare o Plano Nacional de Vacinação e o Plano Estadual de Vacinação do Rio Grande do Sul. Veja:
Ministério da Saúde
- Forças Armadas
- Trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros
- Metroviários e ferroviários
- Trabalhadores do transporte aéreo
- Trabalhadores do transporte aquaviário
- Caminhoneiros
- Trabalhadores portuários
- Trabalhadores industriais
Rio Grande do Sul
- Forças Armadas
- Caminhoneiros
- Trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros
- Metroviários e ferroviários
- Trabalhadores do transporte aéreo
- Trabalhadores portuários
- Trabalhadores do transporte aquaviário
- Trabalhadores industriais
Estados e municípios podem mudar a ordem de grupos prioritários?
É ponto pacífico entre gestores que é preciso vacinar, agora, apenas os grupos prioritários citados pelo Ministério da Saúde – ou seja, nenhum prefeito ou governador pode imunizar jovens saudáveis em vez de idosos, por exemplo.
Mas não há concordância sobre a possibilidade de alterar a ordem desses grupos prioritários: quem muda a fila alega que tem autonomia, mas quem segue a diretriz do Ministério da Saúde argumenta que é obrigado a fazê-lo.
O que diz o Ministério da Saúde?
A pasta afirma que o PNI dá diretrizes da vacinação e recomenda a gestores seguirem a ordem prevista no documento – mas não diz, textualmente, que é proibido mudar a ordem da fila e que há uma penalidade para quem fizer diferente.
O Ministério da Saúde acrescenta que, conforme a campanha avança, Estados e municípios "têm autonomia para montar seu próprio esquema de vacinação" e "dar vazão à fila de acordo com as características de sua população, demandas específicas de cada região e doses disponibilizadas".
A pasta não acompanha cada alteração da fila em Estados e municípios em virtude do tamanho do Brasil e justamente por conta da liberdade que concede aos entes federados.
O que diz o governo Eduardo Leite?
A Secretaria Estadual da Saúde afirmou a GZH que o RS “não tem autonomia para alterar a ordem dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde”.
O governo do Rio Grande do Sul também diz que municípios “têm autonomia para implementar estratégias de vacinação, a partir das realidades locais”, mas que essa liberdade “deve ser exercida dentro do grupo prioritário que está sendo vacinado no momento, que deve seguir o PNI”. O Piratini orienta os municípios gaúchos a seguirem a ordem estabelecida pelo governo federal.
O que diz o Ministério Público?
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) afirmou, por nota, que não é possível mudar a ordem de vacinação dada pelo PNI. “Dentro desse plano há alguma margem de autonomia aos Estados e municípios, mas não para inversão de grupos prioritários”, diz a instituição.
“Aqueles que fazem a inversão, o fazem por sua conta e risco, de forma ilegal, como foi recentemente reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na decisão do ministro Lewandowski, e, portanto, se sujeitam a sanções criminais e de improbidade administrativa, que serão apuradas dentro do tempo correto”, diz o MP-RS.
O que diz o STF?
O ministro Ricardo Lewandowski emitiu decisão liminar (imediata e provisória) nesta semana que suspendeu a decisão do Estado do Rio de Janeiro de antecipar a vacinação de professores e incluir todos os agentes da segurança neste momento – o Ministério da Saúde só permite quem atua na linha de frente.
A decisão do governo do Rio havia sido derrubada pela Justiça em primeira instância, restaurada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça (TJ-RJ) e, agora, caiu no STF. Policiais cariocas não serão afetados porque já estão todos vacinados no Brasil inteiro, por decisão do Ministério da Saúde, mas a imunização dos professores terá de ser interrompida.
O argumento de Lewandowski é de que governadores e prefeitos podem alterar o PNI para se adaptar às realidades locais, desde que garantam que isso não prejudique a aplicação da segunda dose a quem já recebeu a primeira.
Ao mesmo tempo, Lewandowski defendeu que, ao alterar o PNI, gestores “precisarão, na motivação do ato, explicitar quantitativamente e qualitativamente as pessoas que serão preteridas, estimando o prazo em que serão, afinal, imunizadas”.
Com a decisão do ministro do STF, fica restabelecida a ordem definida no PNI, que prevê a vacinação de pessoas com comorbidades antes de professores. A decisão não afeta municípios, mas pode ser usada como fundamento por órgãos de controle contra prefeituras.
Foi a decisão do STF que fundamentou a prefeitura de Esteio a imunizar professores a partir dos 40 anos, o que começou na quarta-feira (5). A cidade já alcançou o grupo prioritário de pessoas com comorbidades a partir dos 40 anos, conforme definido entre Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul e prefeituras.
— A decisão do ministro Lewandowski é de que Estados e municípios podem fazer alterações, desde que sejam observados parâmetros e haja publicidade. Nossa decisão tem embasamento jurídico e técnico, não é atitude de rebeldia. Antes da decisão do ministro, entendíamos que não havia amparo legal. Agora tem. A opção poderia ser de vacinar abaixo de 40 anos com comorbidades, mas decidimos adentrar no grupo de professores com essa idade. Quando a determinação for reduzir a idade do grupo de comorbidades para chegar aos 39 e 38 anos, vamos voltar a eles e, se sobrarem doses novamente, vacinaremos professores com 39 e 38 — diz o prefeito Leonardo Pascoal (Progressistas).
Mas, para o procurador-geral do Rio Grande do Sul, Eduardo Cunha da Costa, a decisão do Supremo foi vista como sinal de que Lewandowski deve decidir o mesmo em caso envolvendo o governo Eduardo Leite.
Como a mudança na ordem da vacinação entra em uma nebulosa jurídica, o Palácio Piratini questionou o STF se poderia antecipar a vacinação de professores. Lewandowski também é relator desta ação e ainda não emitiu resposta.
O que diz a ex-diretora do PNI?
Para a epidemiologista Carla Domingues, doutora em Saúde Pública e ex-diretora do PNI por oito anos (2011-2019) no Ministério da Saúde, o governo federal deu autonomia para que Estados e municípios mudem a ordem da vacinação, o que pulveriza um processo que normalmente é conduzido pela União.
— O Ministério da Saúde delegou a possibilidade de decidir como será feito o processo de vacinação a Estados e municípios. Hoje, o PNI apenas define a ordem de distribuição das vacinas, mas não a política de vacinação — diz Carla.
Segundo a epidemiologista, a autonomia confunde a população e impede que o governo acompanhe em nível nacional os impactos da imunização nos grupos prioritários.
Por que o governo Eduardo Leite não muda a ordem da fila?
O entendimento do governo do Estado é de que o Rio Grande do Sul não pode mudar a ordem de vacinação dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde. Antecipar a aplicação em professores é correr risco jurídico.
Quando professores devem ser imunizados?
Segundo a atual coordenadora-geral do PNI, Franciele Fantinato, os profissionais de educação básica e superior devem receber a primeira dose em junho e a segunda até setembro deste ano, desde que seja assegurado o envio de vacinas. A declaração foi dada na última sexta-feira (30), durante audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.
Por que Porto Alegre está vacinando trabalhadores da Trensurb?
Porque a prefeitura incluiu os servidores no grupo de agentes da segurança, que envolve policiais, brigadianos e bombeiros. Por sua vez, os agentes da segurança que atuam na linha de frente tiveram a vacinação antecipada pelo Ministério da Saúde.