Depois do descontrole da covid-19 no Rio Grande do Sul alarmar países vizinhos, agora é a vez de Argentina e, principalmente, Uruguai lançarem temor do lado de cá da fronteira em razão de uma explosão de casos e mortes provocada pelo coronavírus nas últimas semanas.
Nesta quinta-feira (15), os uruguaios, que já foram considerados bons exemplos no manejo da pandemia, apresentavam a maior média mundial de novos casos e a quarta colocação no ranking internacional de mortes diárias por milhão de habitantes. Especialistas consideram que a situação é preocupante para os gaúchos pelo risco de a alta circulação do vírus favorecer o surgimento de novas variantes e de um eventual refluxo nos níveis de contágio no Estado apesar dos bloqueios nas fronteiras.
Esse alerta é reforçado pelo fato de o Rio Grande do Sul estar recém começando a reduzir a ocupação nos hospitais, mas ainda em nível elevado de demanda, após bater recordes de impacto da doença.
— Se a gente começa a melhorar e aqui ao lado o número de casos aumenta muito, sempre existe o risco de surgirem novas cepas. Nunca é adequado estar em uma situação de desequilíbrio, em que melhora em um lugar e piora em outro muito próximo. Por isso, o ideal é que o manejo da pandemia e da vacinação fosse feito em nível continental, mas não conseguimos fazer isso nem dentro do Brasil — avalia o infectologista do Hospital de Clínicas Luciano Goldani.
No Uruguai, a média diária de óbitos por milhão de habitantes praticamente triplicou em apenas duas semanas: saltou de seis no início de abril para 17 agora — quarto maior índice mundial, conforme o painel de monitoramento da Universidade de Oxford. Em relação ao registro de novos casos, os uruguaios estão na liderança internacional. A média diária (calculada com base nos sete dias anteriores) pulou de 770 para 1.032 por milhão de pessoas desde o começo do mês, avanço de 34%.
A Argentina anunciou nesta quinta-feira medidas como a ampliação do horário do toque de recolher (entre 20h e 6h) e suspensão das aulas para conter a nova onda da covid-19. Os argentinos têm nesse momento a 12ª maior média diária de novos casos no mundo, com 487 por milhão de habitantes. A taxa proporcional de óbitos ainda é a 29ª, mas há o risco de um aumento nas hospitalizações elevar esse índice — hoje em 5,41 por milhão, em comparação a 14,19 no Brasil, o nono mais alto no planeta.
Para o infectologista do Hospital Conceição André Luís Machado da Silva, provavelmente os hermanos estão sofrendo agora o impacto da recente onda do coronavírus que provocou sobrecarga nos hospitais gaúchos e superlotou UTIs.
— Provavelmente, o Uruguai e a Argentina estão sofrendo a consequência da explosão que tivemos no Brasil. Como agora temos um relativo controle no Rio Grande do Sul, sempre há o temor de que daqui a pouco isso se inverta novamente. A pandemia é muito dinâmica, e alguns modelos matemáticos indicam que podemos voltar a testemunhar novos aumentos de casos — acredita o médico do Conceição.
O Uruguai está mais adiantado na vacinação — um dos caminhos para frear o vírus —, mas em nível ainda insuficiente para barrar sua circulação. No momento, conforme o monitoramento da Universidade de Oxford, praticamente 28% dos uruguaios já tomaram pelo menos uma dose do imunizante, contra aproximadamente 11% da população no Brasil e na Argentina.
A receita de cada um
ARGENTINA
- O governo argentino apostou em medidas restritivas de longo prazo, a ponto de o país ter promovido uma das quarentenas mais duradouras do mundo ainda no ano passado. Essas medidas foram posteriormente flexibilizadas e voltaram a entrar em prática quando uma segunda onda do vírus multiplicou casos e óbitos, já neste ano, com toque de recolher noturno e suspensão de aulas.
- Acredita-se que o descuido recente com as medidas de prevenção como isolamento, distanciamento e uso de máscaras, combinado à entrada das variantes brasileira (P.1) e do Reino Unido no país, favoreceu o crescimento da pandemia.
- População: 45 milhões
- Taxa de vacinação: 11,06%
URUGUAI
- Os uruguaios vinham sendo apontados como exemplos no manejo da pandemia. O país vinha evitando medidas mais drásticas de confinamento, mas contava com a adesão da população a medidas como distanciamento social e uso de máscaras, e a uma política de ampla testagem — cientistas uruguaios desenvolveram um modelo próprio que facilitou a abrangência dos exames.
- Com a chegada do verão, os uruguaios aumentaram a mobilidade, descuidaram das ações preventivas, e o nível de contágio começou a crescer. Acredita-se que a entrada de novas variantes no país, como a P.1, identificada originalmente no Amazonas e que posteriormente chegou ao Rio Grande do Sul, pode ter favorecido a disparada da covid-19.
- População: 3,4 milhões
- Taxa de vacinação: 27,8%