O Uruguai, que até pouco tempo era considerado um exemplo na luta contra a covid-19, vem registrando o maior número de novas infecções diárias per capita do mundo, segundo a agência France Press. O país teve uma média de 1.370 novos casos por cada 100 mil habitantes nos últimos 14 dias — de longe um recorde global, já que nenhum outro superou os mil contágios diários por 100 mil habitantes.
Desde a semana passada, a variante brasileira, chamada de P.1, já era relacionada a 30% dos novos casos no Uruguai.
— Este é um fenômeno que teve um ponto de inflexão na primeira quinzena de fevereiro, com o surgimento da variante brasileira — disse Daniel Salinas, ministro da Saúde uruguaio.
Segundo projeções do Imperial College, feita para 68 países, o Uruguai tem a terceira maior taxa de transmissão (Rt) de coronavírus no mundo. O Rt é uma das principais referências para acompanhar a evolução epidemiológica: quando é inferior a um, indica tendência de desaceleração dos casos. Quando é superior, indica que o vírus se dissemina mais rapidamente.
Os números uruguaios significam que cada cem pessoas infectadas devem contaminar outras 142. No Brasil, por exemplo, o mesmo número é igual a 106. No mundo, apenas Irã (149) e Índia (147) têm índices maiores.
Segundo dados do site Our World in Data, da Universidade de Oxford, com cerca de 70 mortos por dia, o Uruguai totaliza 20,4 óbitos por milhão de habitantes, o quinto pior desempenho do mundo, atrás apenas de Bósnia-Herzegovina (57,61), Hungria (30,12), San Marino (29,46) e Bulgária (28,93) — o Brasil, quando atinge 4 mil mortes diárias, chega à marca de 19 óbitos por cada milhão de habitantes.
O aumento do número de contágios põe em risco o atendimento em hospitais públicos e privados em todo o país, onde 53% dos leitos de UTI estão ocupados por pacientes de covid-19. Segundo a Sociedade Uruguaia de Medicina Intensiva, até a segunda-feira, a ocupação total dos leitos de terapia intensiva é de 77%.
O Uruguai, que já foi um exemplo regional por sua bem-sucedida gestão da pandemia, vive atualmente seu pior momento sanitário. Mas o presidente, Luis Lacalle Pou, se mostra relutante em endurecer as medidas existentes para restringir a mobilidade da população, argumentando que seu governo não acredita em "um Estado policial".
O país, que nunca decretou quarentena obrigatória, suspendeu as aulas presenciais, espetáculos públicos e fechou alguns escritórios não essenciais, assim como os "freeshops" na fronteira com o Brasil e os cassinos sob a jurisdição do Estado.
No entanto, estabelecimentos comerciais de todos os setores, incluindo bares e restaurantes, permanecem abertos — até a meia-noite —, com muita movimentação nas ruas. A entrada no país só é permitida para uruguaios e residentes, além de estrangeiros que possam provar motivos diplomáticos, econômicos, profissionais ou pessoais excepcionais e com a autorização expressa do governo.
Por volta das 21h de terça-feira, um forte panelaço pôde ser ouvido em vários bairros de Montevidéu pedindo mais medidas para conter os contágios. Mas, até o momento, o governo de Lacalle Pou aposta todas as fichas no programa de vacinação, que avança em um ritmo bom. Quase 26% da população uruguaia recebeu a primeira dose das vacinas da CoronaVac ou da Pfizer, e 6% a segunda, desde que teve início a campanha de imunização, em 1º de março.
A vacinação uruguaia tem características diferentes das que estão sendo realizadas em nações vizinhas, como Brasil e Argentina, onde a imunização começou com pessoas com mais de 80 anos. O Uruguai iniciou seu plano nacional pelos policiais, militares do Exército, bombeiros e professores. Logo em seguida, iniciou a imunização dos profissionais de saúde e de pessoas entre 18 e 59 anos que tenham tido alguma comorbidade.
O Uruguai também usou sobras de vacinas de várias regiões do país para "blindar" a fronteira com o Rio Grande do Sul, onde o sistema de saúde entrou em colapso no fim de fevereiro. No geral, os brasileiros não podem entrar no país, exceto no caso de reagrupamento familiar.
A situação também é grave na Argentina. No dia 13 de março, o país registrava uma média móvel de 6,5 mil novos casos por dia. Em 13 de abril, o número havia mais que triplicado, passando para 21,6 mil novas infecções. As mortes duplicaram, passando de uma média diária de 110 para 220 no último mês.