Estive esta semana por um dos lugares no mundo que eu poderia chamar de querência amada, o Uruguai. O gosto vem literalmente do berço, porque no início dos anos 60 do século 20, meu pai e minha mãe fizeram uma viagem a Montevidéu, dançaram tango, frequentaram cafés e depois, no retorno, certamente encheram a casa de alegria com essa cultura castelhana. Claro que isso deve ter passado para mim por osmose.
O certo é que cresci gostando daquela paisagem de campos a perder de vista, das ovelhas ruminando quietas, da fartura em queijos, vinhos, doce de leite... e, claro, da parrillada. Sim, os uruguaios também são reis nesse tipo de churrasco feito em grelhas e cujo requinte consiste no aproveitamento total dos miúdos: rins, uberes, tripas de variados tipos, morcilhas salgadas e doces... Não há o que esses gaúchos castelhanos deixem de aproveitar do gado. E antes que tu faças cara de nojinho, vá por mim: tudo muito bom.
Adicione a isso a tranquilidade de um país pequeno, uma educação qualificada e terás a receita de uma nação orgulhosa de si mesma. Claro que não existem grandes indústrias no Uruguai, que é preciso importar muita coisa, que o desemprego é grande, mas é um rico de um país.
E agora é preciso acrescentar uma outra conquista a esse rol de qualidades uruguaias: a vacinação contra a covid-19 está garantida. O governo comprou em janeiro, de uma vez só, 3,7 milhões de doses de imunizantes, mais do que suficientes para vacinar todos os 3,5 milhões de uruguaios. Tanto que as sobras estão sendo destinadas à região de fronteira e fazendo a alegria de brasileiros que têm familiares no Uruguai ou trabalham lá. A reportagem que fui fazer é exatamente sobre a busca por vacinas uruguaias por parte dos rio-grandenses fronteiriços.
O esquema está tão azeitado que até pessoas com 20 anos já estão vacinadas ou com vacinação marcada. Inclusive brasileiros de dupla nacionalidade. Enquanto isso, no Brasil, as cenas de terror explícito causadas pela covid-19 se somam à incerteza quanto a datas de vacinação. Por atraso na compra de imunizante, a vacinação chegou a ser suspensa em algumas capitais. Já retornou, mas nunca se sabe quando poderá parar novamente, certo? E a maior parte dos brasileiros não tem sequer pálida ideia de quando irá se vacinar. Garantidos, mesmo, estão apenas grupos prioritários.
Culpa da direita no poder, dirão os esquerdistas. Mas nunca é demais lembrar que o Uruguai e Israel (dois países que estão prestes a vacinar TODA sua população) são também governados por políticos de direita. Só que os líderes uruguaio e israelense não desdenharam do vírus nem subestimaram sua capacidade mortífera. Isso faz toda a diferença.
Foi com inveja que vi as pessoas chegando, tranquilas, para se vacinar no Uruguai. Sendo chamadas pelo nome, já que o agendamento é nominal. Sem filas quilométricas, sem dramas. De madrugada sonhei que tinha virado cônsul no Uruguai, com direito à vacinação e tudo (quem mora e está empregado lá tem direito). Ah, estava tão bom... Mas aí acordei e fui engolfado pelos pesadelos cotidianos da vida real.