Apesar de abril apresentar melhora em indicadores da covid-19 no Rio Grande do Sul, análise da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgada no fim de semana alerta para risco de nova piora em Estados do Sul e do Centro-Oeste nas próximas semanas. A chance de "fôlego curto" no alívio gaúcho caso a população não siga os protocolos recomendados pela ciência é referendada por três analistas ouvidos por GZH, além de um dos autores do estudo da Fiocruz.
O alerta da instituição tem como base as altas taxas de hospitalização, o grande número de mortos em relação ao total de contaminados e a mudança na faixa etária de vítimas, verificados de 21 de março a 3 de abril.
Em comparação à primeira semana de janeiro, cresceu em 1.218% o número de internações entre pessoas de 30 a 39 anos e em 1217,9% o de adultos entre 40 e 49 anos no Brasil. Houve também crescimento nacional no número de mortes por coronavírus — 873% na faixa etária dos 20 aos 29 anos e 814% dos 30 aos 39.
Rio Grande do Sul e Estados como Rondônia, Amapá, Tocantins, Espírito Santo, Santa Catarina, Mato Grosso e Distrito Federal apresentam as maiores incidências de covid-19 do país, segundo a Fiocruz. O índice de letalidade (pessoas diagnosticadas com coronavírus que morreram) foi, no Rio Grande do Sul, de 4,1%, o segundo maior do Brasil no período de análise, atrás apenas do Rio de Janeiro, com 6,2%. A proporção é classificada como "muito alta" por médicos.
Entre o período de análise do relatório da Fiocruz e o momento atual, o cenário melhorou no Rio Grande do Sul graças à bandeira preta, avaliam analistas entrevistados por GZH. O problema é que não foi o suficiente para estabilização em patamares seguros, o que exige da população estar em alerta para cuidados sanitários.
A média de novos casos semanais é a 10ª mais alta do Brasil, segundo estatísticas do Comitê de Dados do Palácio Piratini — veja o gráfico a seguir. Acima de 200 contaminações semanais/100 mil habitantes, o indicador já é preocupante.
O número de mortes segue em altos patamares, mas, após figurar durante semanas entre a primeira ou segunda maior mortalidade do Brasil, o Rio Grande do Sul está na nona posição.
A ocupação das UTIs públicas no Rio Grande do Sul apontada no relatório era de 90% e, nesta segunda-feira (12), melhorou para 87,6%. Mas a ocupação geral, levando em conta vagas públicas e privadas, é de 91,3%, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) — as regiões Centro-Oeste e dos Vales seguem acima dos 100%.
O número de suspeitos e confirmados para coronavírus em leitos clínicos e de UTI, após dias consecutivos de queda, aumentou em 19 internados — o resultado vem de uma entrada de 53 pessoas em leitos clínicos e da saída de 34 pacientes das UTIs. A variação acendeu o alerta no Comitê Científico, grupo de cientistas independentes consultado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) na condução da pandemia.
O epidemiologista Daniel Villela, pesquisador do Observatório Fiocruz Covid-19 e um dos autores do relatório, destaca que a taxa de ocupação dos leitos de UTI no Sul segue alta e que o ritmo de novos casos de coronavírus, apesar de melhorar, preocupa pelo risco de que, em algumas semanas, hospitais precisem atender à nova demanda.
— Os indicadores, quando apresentam estabilidade ou redução em valores altos, ainda são algo para prestar atenção. Os novos pacientes que chegarem vão se somar aos pacientes que ainda estão sendo tratados. Os óbitos, um indicador que tem certa defasagem, ainda estão com estabilidade. É isso o que preocupa: a estabilidade em nível alto não é boa — diz pesquisador.
Villela ressalta também o destaque da Fiocruz no relatório sobre aspectos a serem resolvidos por governos: "Os valores elevados de letalidade revelam graves falhas no sistema de atenção e vigilância em saúde nesses Estados, como a insuficiência de testes diagnóstico, identificação de grupos vulneráveis e encaminhamento de doentes graves".
O alerta da Fiocruz é importante, mas a análise desconsidera a melhora da pandemia no Rio Grande do Sul nos dias após a publicação do relatório, diz o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— Se o estudo da Fiocruz aponta para aumento de óbitos, por outro lado aponta para a consequência de um cenário de mortes ocasionadas por interações que aconteceram 30 dias antes de 21 de março e 3 de abril. De lá para cá, temos tendência de redução de casos e internações hospitalares. Ainda assim, houve grande aumento da letalidade e ainda não sabemos o potencial da (nova cepa) P1 — diz Kuchenbecker.
O cenário atual é como o de uma casa alagada após semanas de muita chuva e rios transbordados, explica Suzi Camey, professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A água começou a cair, mas o problema não está resolvido e irá piorar se a chuva voltar amanhã, explica.
Estamos na metade do caminho entre o melhor momento que vimos e aquele em que a curva de casos começou a subir fortemente, no início de fevereiro. Do jeito que a curva vem se comportando, a queda pode facilmente ser revertida em uma subida
SUZI CAMEY
Professora de Epidemiologia da UFRGS
— Estamos na metade do caminho entre o melhor momento que vimos e aquele em que a curva de casos começou a subir fortemente, no início de fevereiro. Do jeito que a curva vem se comportando, a queda pode facilmente ser revertida em uma subida. Não temos nenhuma medida, no cenário próximo, de diminuir mortalidade. Pelo contrário, as atividades estão sendo abertas, há maior probabilidade de reverter a queda do que a manter — diz a epidemiologista, que faz parte do Comitê Científico do Palácio Piratini.
Dados do Ministério da Saúde mostram que a média de novos casos confirmados desta segunda-feira (12), de 4.451 ocorrências por dia, está bem abaixo do pior momento da pandemia (em 10 de março), mas não tão distante de quando começou a vigorar a bandeira preta no Rio Grande do Sul, em 27 de fevereiro, como mostra o gráfico a seguir.
— Após três semanas consecutivas de decrescimento em novos casos, a semana entre 5 e 12 de abril teve aumento de 8% em relação a entre 29 de março e 5 de abril. Dado que há três semanas consecutivas se observava queda nos novos registros, 8% de aumento, embora seja pequeno, pode ser alerta de que estamos entrando em novo período de aceleração nas confirmações e consequente agravamento da pandemia no Estado. Essa possibilidade fica mais plausível quando observamos as flexibilizações das medidas de restrição do comércio não essencial — diz Álvaro Krüger Ramos, professor do Departamento de Matemática Aplicada na UFRGS e pesquisador de estatísticas da pandemia.
A epidemiologista Suzi Camey destaca que a bandeira preta reduziu a circulação dos gaúchos para trabalho, lazer e esportes a níveis semelhantes aos do pico da pandemia no inverno, o que mostra que grande parcela da população se sensibilizou com os alertas.
— A população entendeu o que é não ter vagas em hospitais e passou a se cuidar mais. O que eu diria é que, apesar de prefeituras e governo do Estado flexibilizarem algumas atividades, as coisas não estão melhores. O restaurante está aberto, mas, se não for questão de vida ou morte, pegue a comida e coma no trabalho. Quer muito ir no happy hour no barzinho? Escolha mesa ao ar livre, use máscara a maior parte do tempo e vá com amigo também isolado. É preciso se comportar como em uma pandemia — diz Suzi.
Vacinação é a esperança
O governo do Estado vem afirmando, nas últimas semanas, que o Rio Grande do Sul vinha apresentando cenário pior do que outros Estados porque a terceira onda da pandemia, influenciada pela cepa P1, originária de Manaus, acometeu primeiro Estados do Norte e o Rio Grande do Sul.
Em entrevista a GZH, o diretor da Regulação de Leitos da SES, Eduardo Elsade, destacou que a piora da pandemia chegou ao Rio Grande do Sul também em um estágio anterior da vacinação — ao contrário de outras unidades da Federação, que depararam com a terceira onda já tendo mais idosos vacinados.
Sobre o relatório da Fiocruz, a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, Tani Ranieri, afirmou a GZH no fim de semana que a pandemia é acompanhada semanalmente pelo governo do Estado. A esperança, dizem os médicos, é o ritmo de vacinação do Rio Grande do Sul, que está entre os melhores do país.