O ritual é o mesmo em todos os cantos do Brasil. Junto ao vacinador, a pessoa a ser imunizada levanta a manga da camisa, deixa exposto o braço e, então, recebe a vacina contra o coronavírus. O fato de essa parte do corpo ter sido escolhida para receber a picada não é à toa. Pelo contrário: está calcada em motivações técnicas e de logística.
Existem diversas formas de se ministrar vacinas: oral, como a da poliomielite; subcutâneas, como a tríplice viral; intradérmica, que é o caso da BCG; ou intramuscular — quando toca diretamente o músculo —, que é o exemplo do imunizante contra a covid-19, mas também das doses contra hepatite B e A, HPV, entre outras. Os imunizantes contra o coronavírus presentes no Brasil — CoronaVac e AstraZeneca/Oxford — têm recomendação para serem aplicados de modo intramuscular.
Um estudo publicado na revista científica da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA indica que a dosagem na área do músculo deltoide, que faz parte da articulação do ombro e fica um pouco abaixo dele, "otimiza a imunogenicidade da vacina". Ou seja, auxilia no aumento da velocidade de resposta imunológica do corpo, explica Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— No braço, temos o músculo deltoide. Ele é muito vascularizado, ou seja, é bastante irrigado, tem muito sangue circulando. Além disso, esse músculo tem alta concentração de células dendríticas, que são as responsáveis por apresentar o antígeno da vacina ao organismo e para que o corpo crie resposta imune ao invasor. Essas células dissipam com mais facilidade o antígeno na corrente sanguínea por meio da circulação, e isso torna a resposta do corpo mais rápida. Esse é um dos motivos pelos quais o braço é o local ideal para se vacinar contra a covid — afirma.
Paulo Petry, professor de Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta que outras partes do corpo, como o glúteo e a coxa, poderiam ser alvo da imunização. Contudo, esses locais não apresentam a praticidade de logística do braço:
— Seria bem mais difícil implementar um drive-thru de vacinação se ela fosse aplicada no glúteo. Além disso, essa região é menos vascularizada e tem muito tecido adiposo (de gordura). Isso implica atraso no efeito do imunizante, porque pode demorar a chegar à corrente sanguínea e, consequentemente, retardaria o processo de resposta imunológica, o que tornaria o imunizante menos eficaz. Obviamente, não há contraindicação à vacinação nesse local, tanto que imunizamos crianças assim. Mas o fazemos desse modo porque elas não têm músculo no braço. Em adultos, o glúteo é um local secundário para se vacinar quando há tatuagem recente no braço ou limitação por dor, por exemplo.
Goldani pontua que a imunização intramuscular, além de ajudar a espalhar o antígeno pelo corpo, causa menos reações adversas de dor e desconforto, quando comparada com a subcutânea. O que também foi apontado por uma pesquisa norte-americana que também sinalizou que a injeção nessa região do corpo "minimiza reações adversas no local de injeção".
O infectologista do HCPA ressalta, por fim, que a vacinação intravenosa está fora de cogitação:
— Esse método nem é usado porque a corrente sanguínea tem bem menos células dendríticas e o fluido sanguíneo diluiria os componentes da vacina.