Pouco mais de um ano depois de anunciado o surgimento do coronavírus no mundo, o Brasil avança um passo importante em direção à proteção da sua população e fica mais próximo de entrar para a lista de nações que já estão com campanhas de vacinação em andamento.
Neste domingo (17), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) responderá sobre o pedido de autorização temporária para uso emergencial de vacinas contra a covid-19. A reunião que analisará as solicitações inicia às 10h e deve durar cerca de cinco horas.
São estudados os resultados da CoronaVac, chamada popularmente de vacina chinesa, desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. E da vacina da Universidade de Oxford e da empresa AstraZeneca, que será produzida em solo nacional pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aponta o dia 20 deste mês como data mais otimista para começar a aplicar as doses no país.
O pedido do Butantan, encaminhado no dia 8, foi para as 6 milhões de doses que já chegaram prontas da China. O instituto fará nova solicitação para as doses envasadas na sua sede em São Paulo. Já o da Fiocruz é para o uso de 2 milhões de doses de vacinas que devem ser importadas do laboratório Serum, sediado na Índia. O laboratório é um dos fabricantes da vacina da AstraZeneca.
Eficácia
O governo de São Paulo e o Butantan informaram que a eficácia geral do imunizante é de 50,4%. Para casos leves, a eficácia é de 78% e para casos graves e de 100%. Pazuello confirmou que o governo deve adquirir 100 milhões de doses do Butantan — o que representa todo o estoque produzido pelo instituto — para distribuir aos Estados, junto da vacina da Universidade de Oxford, a ser produzida pela Fiocruz.
A diretora de acesso a medicamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, afirmou nesta sexta que a apresentação dos dados sobre a eficácia "é muito bem-vinda". Para o coordenador executivo do Centro de Contingência da covid-19 em São Paulo, João Gabbardo dos Reis, que já foi secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta, a vacina do Butantan hoje é a melhor alternativa na mira do Brasil, capaz de aliviar a pressão sobre o sistema de saúde.
— Se direcionarmos agora a vacina para pessoas que têm maior risco, que são idosos, a expectativa é de que a gente possa rapidamente começar a diminuir os casos graves, internações e óbitos. A transmissibilidade ainda vai depender do uso de máscara, da não aglomeração. Mas vamos atacar esses casos que acabam levando pacientes a hospitais — explicou Gabbardo em entrevista à Rádio Gaúcha, nesta sexta.
No caso da vacina de Oxford, a eficácia varia entre 62% e 90%, segundo resultados divulgados na revista The Lancet. Até julho de 2021, a perspectiva é de que a Fiocruz entregue 110,4 milhões de doses. Com a transferência de tecnologia, espera-se produzir mais 110 milhões no segundo semestre.
As vacinas
CoronaVac
O que é a CoronaVac?
É uma vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Life Science. No Brasil, ela é testada e será produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo. A fabricação em território brasileiro da CoronaVac é o que cientistas chamam de “transferência de tecnologia” – ou seja, não dependerá da importação.
Quando ela vai começar a ser aplicada?
A vacina só poderá ser aplicada no Brasil a partir da autorização da Anvisa. O Butantan fez o pedido de uso emergencial nesta sexta-feira, e a agência reguladora deu prazo de até 10 dias para fornecer uma resposta. Até agora, o Butantan já recebeu 11 milhões de doses importadas da China.
O ministro Eduardo Pazuello projeta a vacinação com a CoronaVac no Brasil para 20 de janeiro com as primeiras 6 milhões de doses que o Ministério da Saúde deverá receber do Butantan — foi assinado um contrato para 100 milhões de doses. O governo de São Paulo definiu o começo da aplicação no Estado em 25 de janeiro.
Como é produzida?
A vacina é produzida a partir do vírus inativado – ou seja, o vírus é "morto" com calor ou substâncias químicas e se torna incapaz de causar infecção. Mas, ao entrar no organismo, estimula o corpo a produzir anticorpos de defesa. A vacina da gripe, por exemplo, é um dos imunizantes inativados usados hoje em dia.
Como ela é tomada?
A CoronaVac é aplicada em duas doses, com um intervalo de duas semanas entre elas. No entanto, o Estado de São Paulo cogita repetir uma estratégia usada pelo governo britânico de adiar a aplicação da segunda dose para vacinar mais pessoas com a primeira e, assim, assegurar algum tipo de proteção para mais gente.
Como ela é armazenada?
A CoronaVac é armazenada sob temperatura de 2ºC a 8ºC, uma logística de rotina para os postos de saúde brasileiros. Isso facilita a distribuição das doses pelo país.
Quanto vai custar?
Inicialmente, toda a produção de vacinas será usada para abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS), portanto, não estará disponível para a rede privada. Para a rede pública, a CoronaVac tem um custo estimado em US$ 10,30 (cerca de R$ 55 na cotação desta sexta-feira).
A CoronaVac é segura?
Dados detalhados sobre a segurança ainda não foram divulgados à imprensa ou publicados em revistas científicas, mas o Butantan diz que já estão sob posse da Anvisa e que, nos próximos dias, os números estarão disponíveis à comunidade científica.
Em 19 de outubro, o Butantan havia divulgado que 35% dos voluntários dos testes da vacina tiveram reações adversas leves após a aplicação, como dor no local da aplicação ou de cabeça.
A suspensão que a Anvisa realizou do estudo com a CoronaVac em 9 de novembro, em razão da "ocorrência de um evento adverso grave", foi, três dias depois, esclarecida: se tratava de suicídio sem relação com a vacina.
Algum outro país já toma a CoronaVac?
Sim. A China começou a aplicar a CoronaVac, em caráter emergencial, e a Indonésia deve fazê-lo ainda em janeiro. Chile e Turquia também planejam aplicá-la.
Quando começou o estudo?
Os estudos da CoronaVac começaram em maio na China, com as fases 1 e 2, dedicadas a avaliar a segurança da vacina e se ela estimula a resposta imunológica no corpo. Na época, entre 13% e 38% dos voluntários tiveram efeitos adversos leves, como dor no local da injeção.
No Brasil, em 11 de junho o governo de São Paulo anunciou a parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac para o Brasil realizar estudos em fase 3, receber doses importadas e a transferência de tecnologia (possibilidade de produzir vacinas nacionalmente). A pesquisa também é conduzida no Chile, na Indonésia e na Turquia.
No começo de julho, a Anvisa autorizou a realização dos ensaios clínicos em fase 3, que começaram, efetivamente, em 21 de julho.
Quem participou do estudo?
A expectativa inicial era contar com cerca de 9 mil profissionais da saúde, mas a pesquisa de fase 3 chegou a 12.473 pessoas que atuam no combate à covid-19 em sete Estados e no Distrito Federal. No Rio Grande do Sul, os testes ocorreram no Hospital São Lucas da PUCRS e no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Quando o estudo começou no RS?
Os testes no São Lucas começaram em 8 de agosto. Já no Hospital de Pelotas, as aplicações iniciaram em 5 de outubro.
Quais os resultados até agora?
Segundo o governo do Estado de São Paulo, a eficácia da CoronaVac é de 78% para evitar a doença com sintomas leves pela covid-19 e de 100% para evitar casos moderados e graves, com internação. Os detalhes, contudo, não foram divulgados – o Instituto Butantan afirmou que os números estariam no pedido à Anvisa e em publicações científicas nos próximos dias.
O Butantan observa que chegou aos números da seguinte forma: de todos os voluntários, apenas 22% desenvolveram sintomas de coronavírus, mas ninguém precisou ser internado. Esse é o grande objetivo de cientistas: evitar que a população morra pelo vírus.
As fases 1 e 2 do estudo realizadas na China mostraram que a vacina é segura e ofereceu resposta imune dentro de 28 dias após a primeira dose em 97% dos casos, conforme estudo publicado em novembro na revista científica The Lancet.
A desinformação
A CoronaVac, assim como outros imunizantes, tem sido alvo de inúmeras notícias falsas. Em novembro, foi disseminado que o imunizante do Butanan-Sinovac teria matado mais de 2 mil voluntários e que alteraria o DNA. Outra mentira relacionada à vacina falava que ela teria provocado alterações neurológicas em um voluntário do estudo que morreu. Todos esses conteúdos são falsos e não têm nenhum embasamento científico.
Há algumas semanas, o vídeo de um pastor cearense com novas mentiras se espalhou. Nas imagens, Davi Góes diz que a CoronaVac causa câncer e que "tem HIV dentro". O Ministério Público do Ceará ingressou com pedido de responsabilização civil e criminal contra Góes.
Vacina de Oxford
Qual a eficácia?
A AstraZeneca divulga que a eficácia média é de 70%, variando entre 62% e 90%, segundo estudo publicado na revista The Lancet. A comunidade científica, contudo, critica esse valor e afirma que o cálculo foi feito unindo estudos feitos separadamente e com dosagens diferentes, o que não deveria ser feito.
Os testes foram com pessoas de até 55 anos, portanto, não se sabe a proteção fornecida a idosos. Cientistas não colocam em dúvida a qualidade da vacina, mas criticaram a forma como os dados foram inicialmente divulgados.
Quando ela começará a ser aplicada?
Ainda não há data fechada, mas o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que projeta iniciar a vacinação entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro. Como a Fiocruz prevê entregar 1 milhão de doses entre 8 e 12 de fevereiro, a vacinação em janeiro deve começar com as 2 milhões de doses importadas da Índia.
Como ela é aplicada?
A vacina de Oxford é aplicada duas vezes, com intervalo de três meses entre as injeções. Ministério da Saúde e governo de São Paulo, entretanto, discutem aumentar o tempo para a segunda dose, de forma a vacinar mais pessoas e garantir alguma imunização que ajude a frear o avanço da pandemia.
Quantas doses o Brasil tem garantidas?
O esboço do Plano Nacional de Vacinação projeta 210,4 milhões de doses da vacina de Oxford: 110,4 milhões até julho e 100 milhões no segundo semestre.
Contudo, na última quarta-feira (7), Pazuello afirmou que estão fechadas 254 milhões de unidades. No total, ele disse, há 354 milhões de unidades de vacinas, o suficiente para contemplar 93% dos brasileiros, oriundas de dois acordos:
- Fiocruz/AstraZeneca: 254 milhões de doses.
- Butantan/Sinovac: 100 milhões de doses (46 milhões até abril e 54 milhões até o fim do ano)
Contatada por GZH, a Fiocruz afirmou na noita de sexta-feira "desconhecer" a declaração do ministro Pazuello referente ao governo usar 254 milhões de doses da vacina de Oxford, acrescentou que o quantitativo correto é de 210,4 milhões e pontuou que o cronograma de fornecimento segue inalterado. Pazuello não mencionou as 42,5 milhões de doses (cronograma em negociação) do consórcio Covax Facility, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Há outras vacinas sendo negociadas?
Sim. O ministro da Saúde afirmou que o país negocia com outras cinco farmacêuticas: Gamaleya para a Sputnik V (Rússia), Janssen, Pfizer, Moderna (Estados Unidos) e Bharat Biotech para a Covaxin (Índia).
Qual o peso da vacina da Fiocruz no plano nacional?
Até o momento, é a principal aposta, ao lado da CoronaVac. A Fiocruz declara que irá produzir 210,4 milhões de doses neste ano, sendo 100,4 milhões até julho e cerca de 110 milhões entre agosto e dezembro de 2021 (cada indivíduo precisa receber duas injeções). A CoronaVac, segundo Pazuello, terá 100 milhões de doses.
Da vacina de Oxford, o que será importado e o que será produzido no país?
A versão inicial do plano nacional de vacinação prevê que 110 milhões das 210,4 milhões de unidades sejam fabricadas no Complexo Industrial de Bio-Manguinhos, localizado junto à sede da Fiocruz, na zona norte do Rio de Janeiro.
Como está a liberação junto à Anvisa?
Há dois processos de liberação. Um deles se refere ao pedido para aplicar 2 milhões de doses importadas da Índia.
O outro processo é para aplicar as injeções importadas e produzidas no Rio de Janeiro. Para isso, a Fiocruz e a AstraZeneca estão encaminhando a liberação por meio de um sistema chamado "submissão contínua", em que os dados de segurança e eficácia vão sendo enviados à medida que ficam disponíveis. Isso agiliza o registro, que deverá ser definitivo, e não provisório (que limitaria a imunização a categorias predeterminadas de pessoas, como profissionais da saúde, por exemplo, sem permitir aplicação em massa).
Como funciona a vacina de Oxford?
Ela funciona por meio de uma tecnologia chamada de “vetor viral”. Resumidamente, outro vírus atua como vetor para estimular a resposta imune do organismo. Nas vacinas pesquisadas, cientistas pegam o adenovírus de macaco, que causa resfriado, removem sua carga genética e deixam apenas a "carcaça". Dentro da "carcaça", inserem um pedacinho do Sars-CoV-2.
Nossas células, ao entrarem em contato com o vetor, estimularão o sistema imune a produzir anticorpos contra a covid-19. Como traz a "carcaça" de outro vírus, o sistema imune pode criar uma defesa contra o adenovírus em si e reduzir a eficácia da vacina.
Quais os pontos fortes e fracos desta vacina?
Vantagens
- Logística: pode ser armazenada em refrigeradores comuns, com temperatura de 2°C a 8°C. Isso é compatível com a rede do SUS. Cada frasco terá cinco doses da vacina, e será transportado e armazenado em caixas com 25 unidades, o que também favorece a logística.
- Custo: o preço de US$ 3,16 (cerca de R$ 17) é bem mais vantajoso do que o de outras vacinas, como a da Pfizer (US$ 19,50) ou da Moderna (até US$ 37).
Desvantagens
- Falta de transparência na comunicação científica: o laboratório inicialmente divulgou dados considerados pouco sólidos sobre a eficácia. Esse fator poderia chegar a 90%, mas o índice foi calculado sobre uma amostra de voluntários que não contemplava uma quantidade mínima de idosos. A empresa recentemente reafirmou que a eficácia alcançaria esses níveis e poderia evitar 100% dos casos graves, mas não detalhou os resultados ou que dosagem foi aplicada para chegar a esse desempenho.
- Doses: a imunização prevê duas aplicações. A da Johnson & Johnson, por exemplo, tem dose única.
Quais são os efeitos adversos?
Estudos mostraram que a vacina de Oxford é segura e que os efeitos adversos são leves, como dor no braço, dor de cabeça e febre baixa. Segundo a Fiocruz, não houve reação adversa grave. As reações foram menos frequentes em indivíduos mais velhos.
Um estudo chegou a ser suspenso porque um voluntário teve inflamação na medula espinhal, mas médicos averiguaram o caso e descobriram que não havia nenhuma relação com a vacina.
Como está a aplicação em nível internacional?
A vacina de Oxford começou a ser aplicada no Reino Unido na última segunda-feira (4). Índia e México também liberaram para uso emergencial.