A comunidade médica reagiu com satisfação à eficácia de 70,4% apresentada pela vacina de Oxford, de acordo com resultados preliminares de fase 3 de testes divulgados pela revista científica The Lancet. Desenvolvido pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca, o imunizante teve até 90% de eficácia no grupo que tomou a dose menor - e de 62% para quem tomou a dose completa.
A vacina de Oxford é uma das quatro que estão sendo testadas no Brasil e foi a primeira a ter contrato fechado de compra pelo governo federal. O investimento será de R$ 1,9 bilhão. Nesta terça-feira (8), durante reunião com governadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que previsão é de que o registro da vacina de Oxford esteja pronto no fim de fevereiro.
Outra previsão é de que 30 milhões de doses sejam entregues até o fim de fevereiro e outras 70 milhões, até julho. Além disso, mais 110 milhões de doses serão produzidas no segundo semestre de 2021.
— Os resultados mostram eficácia elevada, mas é preciso levar em conta que são resultados laboratoriais, de experimentos. Temos que observar como será seu desempenho com a população sendo imunizada em condições reais — explica Alcides Miranda, médico de saúde pública e professor do curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do RS (UFRGS).
Essas condições podem ser uma eventual mutação do vírus em um contexto diferente, com parte da população com anticorpos. O coronavírus poderia, por exemplo, ter uma modificação semelhante à do vírus da gripe, que exigiu versões atualizadas das vacinas. Um cenário mais grave é que se repita com o coronavírus a trajetória da dengue, que tem se modificado para versões mais letais, dificultando uma imunização.
— Hoje não sabemos qual será esse desdobramento do coronavírus diante da vacina de Oxford no médio prazo, nos próximos seis meses, até porque o tempo de desenvolvimento e testagem foi rapidíssimo em razão da gravidade da pandemia — completa Miranda.
Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, concorda que 70% de eficácia é um patamar muito bom para uma vacina, ainda que seja inferior à de outras imunizações, como a da Pfizer, que seria de 90%, conforme os próprios fabricantes, a partir de ensaios clínicos. Ele alerta, entretanto, que sua aprovação por órgãos reguladores independentes, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), levará em contra outros fatores, como os efeitos das doses na saúde dos pacientes.
— A segurança da vacina de Oxford se mostra muito boa em observações de prazo mais curto, de seis meses. Em razão da velocidade da pesquisa, nenhuma das vacinas na fase três demonstraram ainda segurança no médio e no longo prazos — observa Goldani.
Essas informações são cruciais porque, ainda que efeitos colaterais mais violentos costumem ser apresentados nos primeiros meses (o que não ocorreu com a vacina de Oxford), é padrão nas pesquisas farmacêuticas um acompanhamento de pacientes por pelo menos três anos. Observa-se como o organismo reagirá à nova vacina, se desenvolverá alguma doença autoimune, por exemplo. Essas etapas estão sendo puladas na corrida pela imunização contra a covid-19.
No caso da vacina de Oxford, há ainda uma crítica quanto à metodologia de distribuição das doses. A quantidade menor e com maior eficácia foi dada apenas a voluntários com idades de 18 a 55 anos. A eficácia maior vista nesse grupo poderia ter sido por causa da idade do grupo, e não necessariamente pela dose aplicada.
— Se os órgãos independentes, como a Anvisa, conseguirem se blindar das pressões políticas e analisar com o rigor científico necessário o pedido para uso emergencial da vacina, talvez seja necessário mais tempo do que o projetado pelo ministro da Saúde, de liberar a vacinação até o final de fevereiro — aponta Goldani.