O Rio Grande do Sul completa um ano de pandemia nesta quarta-feira (10) em meio a um difícil cenário de explosão de casos, hospitalizações e mortes por coronavírus que afastam, cada vez mais, o Estado da lista de unidades da Federação com melhor desempenho no ranking de mortalidade a cada 100 mil habitantes.
Pesquisa de fevereiro do Comitê de Dados do Piratini, feita com estatísticas até dezembro, mostra que o Rio Grande do Sul detinha o menor excesso de mortos do país – a análise calcula o número de óbitos esperado com base no ano anterior. Por aqui, foram registradas, em 2020, 6,7% vítimas a mais do que o projetado – o pior desempenho foi no Maranhão, com 50,9% mortes a mais.
Entretanto, há indícios de que a conquista gaúcha se esvai. Em outro indicador, o Rio Grande do Sul esteve, no início de 2020, entre os Estados com menor taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes por coronavírus, mas caiu para o 13º lugar. Na semana passada, estava em 11º.
Os dados mais recentes mostram que 13.837 pessoas foram vítimas do coronavírus no RS, pouco mais do que população de Barra do Ribeiro, ou 57 tragédias iguais à da Boate Kiss, em Santa Maria.
A primeira onda da pandemia no Rio Grande do Sul teve auge de mortes no início de agosto. O segundo ápice foi pior e aconteceu na segunda metade de dezembro. Agora, a terceira onda se desenrola em fevereiro com cerca do dobro de mortes diárias em comparação aos momentos anteriores.
Apesar do receio de explosão de casos e de mortes no Natal e no Ano-Novo, o Rio Grande do Sul viu uma melhora da pandemia em janeiro, o que especialistas creditam à tradição dos gaúchos de veranear na praia ou no Interior, longe de grandes centros.
No entanto, a boa notícia ficou para trás com o crescimento exponencial das mortes e internações hospitalares a partir da segunda quinzena de fevereiro, o que especialistas explicam pelo surgimento da cepa P1, de Manaus, e pela alta circulação do vírus a partir do fim de janeiro, com a volta dos gaúchos ao trabalho presencial.
O Estado está, pela segunda semana consecutiva, em bandeira preta, o que aponta risco máximo para a população. Dentro das probabilidades do momento, nunca antes na pandemia os gaúchos tiveram tanta chance de sair para a rua e interagir com uma pessoa infectada – e jamais correram tão grande risco de ir para o hospital e não conseguir uma vaga para internação.
Na primeira semana de março, o Rio Grande do Sul registrou 800 mortos, segundo dados preliminares da Secretaria de Estado da Saúde (SES), quase o triplo da primeira semana de fevereiro e aproximadamente o dobro do mesmo intervalo em janeiro e dezembro.
Comparado a outros Estados, o Rio Grande do Sul registrou 9,6 mortes por dia a cada 100 mil habitantes nos últimos sete dias, a terceira pior taxa do Brasil, atrás apenas de Rondônia e Roraima, segundo dados do Ministério da Saúde. Além disso, tem a segunda maior taxa de crescimento de novos casos dos últimos sete dias, atrás somente do Paraná.
A ocupação geral de leitos de UTI nesta terça-feira era de 103,8%. O colapso acontece apesar de o governo do Estado ter operado, junto a hospitais, uma expansão brutal de 130% no total de leitos intensivos públicos – agora, há 3.072 vagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de 861 leitos de instituições privadas.
Com a possibilidade de a nova variante mais transmissível do coronavírus se tornar predominante no Estado, a população precisa praticar o distanciamento social e usar máscaras, sob risco de o bom resultado do Rio Grande do Sul ficar no passado, alerta o médico Alexandre Zavascki, professor de Infectologia da Universidade Federal do RS (UFRGS).
A bandeira preta, por mais que descontente muita gente, ainda é desproporcional ao necessário para interromper a transmissão de agora. O Rio Grande do Sul passará para os primeiros lugares em óbitos acumulados por 100 mil
ALEXANDRE ZAVASCKI
Professor de Infectologia da UFRGS
— A bandeira preta, por mais que descontente muita gente, ainda é desproporcional ao necessário para interromper a transmissão de agora. O Rio Grande do Sul passará para os primeiros lugares em óbitos acumulados por 100 mil. É uma pena, depois de um longo ano, passar por isso — afirma o infectologista.
Mas, na visão de Luís Lamb, coordenador do Comitê de Dados do Palácio Piratini e secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia, analisar a piora do Rio Grande do Sul em meio à disseminação da variante de Manaus é prematuro.
— O que tem sido apontado é uma nova variante mais agressiva, que transmite mais rapidamente e que se espalha por todo o Brasil. Temos indício de que a P1 se espalha por Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Nordeste. Teremos que acompanhar. É prematuro dizer que um Estado tem desempenho pior ou melhor do que outros no início da propagação da P1. Ninguém imaginava o que aconteceria em Manaus, se esperava imunidade de rebanho. Antes de termos vacinação em massa, é difícil lidar com a pandemia — avalia o secretário.